Levantamentos apresentados na 26ª rodada dos Seminários de Pesquisas Empíricas aplicadas às Políticas Judiciárias indicam o impacto da gratuidade no número de processos e a importância do benefício para pessoas em situação de maior vulnerabilidade. As abordagens consideram também mudanças legais trazidas pela Reforma Trabalhista e o Código do Processo Civil (CPC). Realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o evento teve transmissão na quinta-feira (1º/12) pelo YouTube.
Chamam a atenção os dados referentes, especialmente, à Justiça do Trabalho, na qual 79% dos processos chegam com a concessão do direito à Justiça Gratuita ao autor. Enquanto isso, na Justiça Comum, o mesmo índice relativo aos tribunais estaduais é de apenas 27%. “Temos muito a refletir – e construir – a respeito de como o aumento da litigiosidade pode decorrer dessa gratuidade e como compatibilizar isso em um país em que dois terços das ações ajuizadas são de pessoas de baixa renda”, ponderou a juíza auxiliar da Presidência do CNJ Adriana Franco Mello Machado, que coordenou o debate.
Ações trabalhistas
Em trabalho realizado em conjunto com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) buscou identificar as razões da queda no número de processos após a Reforma Trabalhista. Nos últimos anos, houve uma redução de 30% no número de litígios.
Na avaliação do pesquisador do IPEA Alexandre dos Santos Cunha, os números precisam ser analisados com cautela, pois o estudo identificou que 92% dos litigantes são pessoas físicas, a maioria delas de baixa renda. O pesquisador ressaltou que o Brasil é um país que pratica uma lesão massiva dos direitos dos cidadãos. “É a demanda dos mais pobres que precisamos tirar do Judiciário?”, questionou o painelista.
Ele lembrou que, ainda que sigam elevados os indicadores referentes ao número de processos, dados de 2009 mostram que menos de 40% das pessoas que se consideravam lesadas nos 12 meses anteriores não procuraram seus direitos na Justiça. “Há aqueles que usam a Justiça do Trabalho para fazer Recursos Humanos. Enquanto o sistema de Justiça é caro demais para algumas pessoas, é baratíssimo para outros”, diagnosticou.
De acordo com ele, o Judiciário precisa construir um sistema de custas em que seja mais caro lesar os direitos de alguém do que litigar. Ele mencionou o sistema de custas punitivas dos norte-americanos e defendeu que, para garantir adequada distribuição de custas da sociedade, sejam revistos os níveis de indenização, que atualmente muitas vezes são baixos no Brasil.
O juiz Leonardo Sousa de Paiva Oliveira, do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), concordou. “No Brasil, discute-se somente o acesso à Justiça e pouco sobre a saída do sistema. Ele se torna atrativo para aqueles que buscam postergar o pagamento de obrigações”, apontou. De acordo com o magistrado, grandes agentes econômicos já calculam que serão demandados em ambiente judicial, em que o custo é assumido pelo Estado. Para ele, é preciso encontrar formas de que o sistema de justiça seja acionado somente após esgotadas as tentativas de conciliação.
Novo CPC
No segundo painel, o magistrado Leonardo Oliveira comentou a dissertação de mestrado de autoria dele, intitulada “Posner na Terra de Ariano Suassuna: A Relação entre a Análise Econômica do Direito, os Custos da Litigância e o Desfecho dos Processos em Unidades Cíveis Paraibanas”. A partir de pesquisa quantitativa junto às varas cíveis de João Pessoa (PB) e Campina Grande (PB), o autor aplicou o aparato metodológico da Análise Econômica do Direito desenvolvido pelo jurista americano Richard Posner para examinar a aderência da gratuidade judiciária e das custas judiciais ao nível de sucesso das demandas propostas.
O pesquisador apontou que o estoque de processos segue alto, a despeito do esforço da magistratura e do CNJ e que a litigiosidade impede que os processos sejam encerrados em tempo razoável. Ele destacou dados do relatório Justiça em Números, do CNJ, que mostram que 30% das ações só entram pela gratuidade.
Na pesquisa, ele identificou alterações no indicador de processos sentenciados a partir do novo Código de Processo Civil, de 2015, com o qual houve uma contemporização da concessão da gratuidade. Nas duas varas cíveis investigadas, de 2015 para 2021, o percentual de processos com justiça gratuita que foram sentenciados caiu de 90,1% para 75,9%. Segundo ele, estas últimas contam com uma probabilidade 200% superior de serem julgadas improcedentes ou extintas sem julgamento de mérito, quando comparadas àquelas em que há pagamento prévio das custas judiciais.
Justiça: um bem comum
A juíza do Tribunal Estadual de Justiça de São Paulo (TJSP) Renata Mota Maciel, uma das debatedoras, ressaltou a importância das pesquisas para o planejamento estratégico do Judiciário e da iniciativa do CNJ de propiciar a discussão, diante de um cenário em que os jurisdicionados precisam ter acesso à Justiça. “Quem entra com demanda predatória se utiliza da gratuidade. A gratuidade é sim uma porta, não toda a gratuidade. Nós estamos aqui falando em repensarmos o que é o acesso à Justiça para continuarmos dando boas respostas”, analisou.
Na opinião da magistrada Maria Rita Rebello Pinho Dias, que também atua no TJSP, é preciso analisar o papel das custas no Brasil e definir o que o Estado não irá assumir e será um custo do cidadão, para fomentar a litigância responsável. Ela lembrou que a Justiça é um bem comum e que a sua utilização acima do necessário leva ao esgotamento e, consequentemente, a uma ineficiência. “Quanto mais se usa a Justiça, menos ela é eficiente para cumprir seu papel que é de buscar a pacificação social”, disse. A juíza considerou que a justiça gratuita não necessariamente é estímulo à litigiosidade. “É uma forma de fomentar. A questão que se coloca é qual a justiça gratuita que nós vamos estar definindo e como será realizado este controle”.
Texto: Mariana Mainenti
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias