Crimes contra a ordem tributária, improbidade administrativa e peculato são os assuntos mais frequentes em processos envolvendo temas relacionados a lavagem de dinheiro, corrupção e recuperação de ativos. É o que aponta pesquisa realizada pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), encomendada pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O estudo foi apresentado durante o evento Seminários de Pesquisas Empíricas Aplicadas a Políticas Judiciárias, em 31 de maio.
Entre os assuntos mais citados, encontram-se ainda os crimes previstos na Lei de Licitações, corrupção ativa, lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores, corrupção passiva, concussão, lavagem de bens, direitos ou valores oriundos de corrupção e inserção de dados falsos em sistema de informação. A análise descritiva também permitiu identificar a interseção entre assuntos de especial interesse: apesar do conjunto de 498.439 ações, menos de 5 mil delas combinam o processamento de lavagem e corrupção ativa e/ou passiva.
De acordo com a Transparência Internacional, em 2021, o Brasil apresentava índice de percepção de corrupção (Corruption Perception Index) de 38, o que o colocava na posição 96, de 180 países, ao lado de nações como Argentina, Indonésia e Turquia. Nesse contexto, o objetivo da pesquisa foi examinar o arranjo institucional voltado à prevenção, ao controle e à repressão dos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, bem como a recuperação de ativos no Brasil, com ênfase no tratamento dispensado pelo Judiciário.
“Há anseios sociais e uma expectativa muito grande com a responsabilidade do Poder Judiciário de punição de atos ilegais, a expectativa social de que não vivamos em um país de impunidade. Quero enaltecer a escolha desse tema, muito sensível para nós”, afirmou a juíza federal do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF2) e professora de direito penal e sentença penal na Escola da Magistratura Regional Federal da 2.ª Região (Emarf), Valéria Caldi Magalhães, uma das debatedoras.
A juíza federal do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF3) e professora de direito processual penal, drogas e crime organizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Raecler Baldresca, ponderou que os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro nunca estão sozinhos.
“Quando são operações importantes, normalmente, há também falsificação de documentos, fraude a licitação, tráfico de drogas”, exemplificou ela, ressalvando que esse fator acaba desencadeando uma cisão dos casos e acarretando discussões de competência que podem levar a atrasos processuais.
Duração das ações
Por meio das movimentações processuais, os pesquisadores identificaram também o tempo médio de duração das ações na Justiça Federal e na Estadual. Entre os processos que se iniciaram desde 2020, observa-se que o percentual de ações com trânsito em julgado é semelhante em ambos os segmentos (39,7% na Justiça Federal e 38% na Justiça Estadual), com o tempo mediano de tramitação de 78 e 108 dias, respectivamente.
Ao se comparar o tempo de tramitação dos processos de acordo com os assuntos, foi possível identificar que corrupção ativa, passiva e lavagem de dinheiro possuem medianas muito próximas, o que indica que metade dos processos com esses temas iniciados depois de 2020 tiveram trânsito em julgado em menos de 100 dias.
Quanto à distribuição dos processos por tribunal, justiça e regiões, destaca-se que cerca de 70% da amostra são compostos por processos de origem estadual. A proporção de ações envolvendo corrupção e lavagem de dinheiro revelada para os tribunais militares (STM, TJM-MG e TJM-RS) chamou a atenção dos pesquisadores. Por sua vez, a distribuição geográfica dos processos reflete a expressividade da região Sudeste na amostra, que lidera, com folga, a distribuição regional na comparação.
“Nota-se diferença muito grande na duração dos processos. Há heterogeneidades regionais”, destacou um dos painelistas, o professor e coordenador do Centro de Regulação e Democracia do Insper, Paulo Furquim de Azevedo.
No conjunto da amostra, os 10 tribunais estaduais com mais processos distribuídos a partir de 2020 são, em ordem decrescente: TJSP, TJSC, TJMG, TJPR, TJRS, TJGO, TJPA, TJMT, TJBA e TJMS. Já os tribunais regionais federais ficaram assim classificados em razão da ordem decrescente de distribuição processual: TRF1, TRF3, TRF4, TRF2 e TRF5. Cabe ressaltar, entretanto, que a pesquisa foi realizada com dados anteriores ao início das atividades do TRF6, que assumiu parte da competência territorial antes cominada ao TRF1.
Entretanto, a distribuição processual não é uniforme quando se consideram todos os assuntos processuais abrangidos pela pesquisa. Entre as variações encontradas, podemos ressaltar os casos de lavagem de dinheiro, que possuem um maior volume de distribuição no TJMS e no TRF4.
Metodologia
A pesquisa utilizou variados tipos de dados para as análises relativas à temática de lavagem de dinheiro, corrupção e recuperação de ativos. O primeiro refere-se aos processos judiciais. Para essa frente, fez-se uso da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (Datajud) e de extrações de textos de decisões dos Diários Oficiais da Justiça.
A segunda fonte toma como referência os materiais públicos de origem administrativa disponibilizados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) e pelo Ministério Público Federal (MPF).
O terceiro foi feito com base em entrevistas semiestruturadas conduzidas junto a atores-chave do sistema. Um qu eletrônico (survey) aplicado junto a magistrados e magistradas de 281 unidades judiciárias, sendo 92 da Justiça Federal (incluindo 1.º e 2.º grau), 179 da Justiça Estadual (incluindo 1.º e 2.º grau) e 10 da Justiça Eleitoral (apenas 1.º grau), espalhadas por quase todos os estados brasileiros. A partir dessas unidades, os pesquisadores contataram 343 juízes e juízas, incluindo também em alguns casos os juízes substitutos (em 70% das unidades judiciárias federais e em cerca de 10% das unidades judiciárias estaduais).
A juíza auxiliar da Presidência do CNJ Ana Aguiar ressaltou o caráter abrangente do trabalho. “É uma pesquisa de fôlego em tema muito importante”, disse ela, que coordenou o painel cujo encerramento foi realizado pelo secretário especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ, Ricardo Fioreze.
O estudo “Lavagem de dinheiro, corrupção e recuperação de ativos: características processuais, funcionamento do arranjo institucional e alternativas de aperfeiçoamento” integra a Série Justiça Pesquisa. Os estudos foram concebidos pelo DPJ do CNJ, a partir dos eixos estruturantes “Direitos e Garantias Fundamentais e Políticas Públicas do Poder Judiciário”.
O Eixo “Direitos e Garantias fundamentais” enfoca aspectos relacionados à realização de liberdades constitucionais a partir do critério de ampliação da efetiva proteção a essas prerrogativas constitucionais no Brasil. O Eixo “Políticas Públicas do Poder Judiciário”, por sua vez, volta-se para aspectos institucionais de planejamento, gestão de fiscalização de políticas judiciárias a partir de ações e programas que contribuam para o fortalecimento da cidadania e da democracia.
Texto: Mariana Mainenti
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias
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