Pena justa: primeiro dia de audiência pública aborda soluções para sistema prisional

Você está visualizando atualmente Pena justa: primeiro dia de audiência pública aborda soluções para sistema prisional
Audiência pública sobre Pena Justa – ADPF 347. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ
Compartilhe

Com o objetivo de reunir perspectivas plurais para novas respostas a desafios conhecidos do sistema prisional brasileiro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) realizaram, nesta segunda-feira (29/4), o primeiro dia de audiência pública do plano Pena Justa. A elaboração do plano atende à decisão do Supremo Tribunal Federal para enfrentamento do quadro de inconstitucionalidade nas prisões brasileiras a partir do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 em outubro de 2023.

Neste primeiro dia, 27 pessoas, entre representantes de organizações da sociedade civil, organizações profissionais e academia, trouxeram contribuições considerando os quatro eixos em que o plano se estrutura: Controle da Entrada e das Vagas do Sistema Penal (Eixo 1); Qualidade da Ambiência, dos Serviços Prestados e da Estrutura (Eixo 2); Processos de Saída da Prisão e da Inserção Social (Eixo 3); e Políticas de não Repetição do Estado de Coisas Inconstitucional no Sistema Prisional (Eixo 4). A audiência está sendo realizada no auditório Tancredo Neves do MJSP, e foram registradas mais de 3 mil visualizações nos canais do CNJ e do MJSP. O evento também está sendo transmitido ao vivo pela TV Justiça.

Confira a programação completa dos dois dias de audiência pública.

Durante a mesa de abertura, o supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), conselheiro José Rotondano, falou sobre a importância das diversas contribuições para minorar os problemas do sistema penal. “Esse é o momento para nos unirmos em busca de saídas para mudarmos a situação atual. Com esse Plano, acredito que teremos um cenário diferente.”

 

Audiência pública sobre Pena Justa – ADPF 347.
Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Coordenador do DMF, Luís Lanfredi afirmou que a audiência é mais que um ato formal. “Falar de sistema prisional é falar das perplexidades, das situações de incompatibilidade, das incompreensões nossas como seres humanos. Ouvimos aqui depoimentos daqueles que conhecem essa realidade como ninguém, pois que, para enfrentar, superar e não repetir o sistema prisional, não basta falar sobre o que não vejo, não sinto e não represento, mas sobretudo entender o que o cárcere faz e o que o sistema prisional, conforme configurado, causa de dano e de mal a pretexto de reparar o mal. É nesse ponto que o Estado tem de fazer a diferença. Se há o desvio representado pelo comportamento que viola a lei de convivência social, não se pode pagar esse desvio com ilegalidade, com inconstitucionalidade e tampouco com violência”.

O titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen/MJSP), André de Albuquerque Garcia, ressaltou a necessidade de abordar o sistema prisional e a segurança pública de maneira respeitosa e profunda, reconhecendo a complexidade do problema. “Precisamos tratar de propostas sérias, que possam apresentar caminhos de solução”. Para o secretário, as contribuições dos dois dias de audiência permitirão um olhar renovado aos problemas já diagnosticados no sistema prisional brasileiro.

Representando o Conselho Nacional do Ministério Público, Atalá Correia afirmou que o diálogo interinstitucional permite incorporar a participação de poderes, especialistas e da comunidade visando corrigir falhas que perpetuam a violação de direitos fundamentais. Representante do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais, Felipe Coracini enfatizou que o esforço conjunto deve oferecer um horizonte de esperança e de humanidade para as pessoas privadas de liberdade. Já o presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do MJSP, Douglas de Melo Martins, destacou que é dever das instituições colaborarem com a decisão do STF trabalhando de forma unida para apoiar e implementar estratégias mais efetivas no sistema prisional.

Controle da entrada e das vagas

Ao longo do dia, debateu-se a superlotação como fato gerador de uma série de violações e falta de acesso a políticas de saúde, educação, alimentação. As proposições destacaram o princípio do numerus clausus, que propõe um limite fixo para a capacidade prisional, garantindo que o número de pessoas presas não ultrapasse o máximo que as instalações podem suportar de maneira segura e digna.

A importância da realização de audiências de custódia de forma presencial foi sublinhada em diversas propostas, incentivando o uso de medidas cautelares alternativas à prisão e a garantia de que eventuais relatos de violência sofrida pelo custodiado sejam encaminhados para apuração. “Advogamos pela retomada completa das audiências de custódia presenciais, garantindo que sua função original de verificar condições de detenção e prevenir maus-tratos seja cumprida”, destacou Monique Cruz, da Justiça Global.

Outras propostas difundidas na audiência que dialogam com o primeiro eixo do Plano Pena Justa incluem a extinção da prisão provisória para crimes de baixo potencial ofensivo e posse de substâncias proibidas; suspensão de aplicação de recursos públicos para a criação de novas vagas em estabelecimentos prisionais e a implementação efetiva de todas as medidas cautelares e provisórias da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Qualidade da ambiência, dos serviços prestados e da estrutura

De forma relacionada aos temas do Eixo 2 do plano Pena Justa, os participantes enfatizaram a importância de implementar e melhorar os sistemas estaduais de prevenção à tortura e a adoção de protocolos uniformes em todas as unidades prisionais para garantir a alimentação adequada e a integridade física das pessoas em privação de liberdade. Tratou-se, ainda, da revisão e atualização de normativas sobre o uso da força dentro das prisões, alinhando-as com as diretrizes internacionais de direitos humanos.

A representante do Observatório de Direitos Humanos do Instituto Brasileiro de Ensino e Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), Carolina Costa Ferreira, lembrou, também, da necessidade de interlocução com serviços de assistência social, saúde, educação e moradia, lembrando que “há mais de 270 mil pessoas em prisões domiciliares com filhos no Brasil, segundo dados da Senappen, o que demonstra a amplitude do problema”.

Processos de saída da prisão e da inserção social

Na porta de saída do sistema prisional, o plano Pena Justa identifica dois desafios principais: a falta de estratégias de inserção social e gestão insuficiente dos processos de execução penal. Privado de liberdade por mais de nove anos, o representante do Instituto Fênix, Cicero Alves de Lima Jr, defendeu a qualificação para o mercado de trabalho. “É preciso motivar o Ministério da Educação para o desenvolvimento de uma política para que as pessoas privadas de liberdade tenham acesso às universidades públicas federais e estaduais também.”

As multas penais também foram citadas como impeditivo da reabilitação social, acentuando situações de indigência não só da pessoa egressa, mas da família, o que extrapola os limites de individualização da pena.

Políticas de não repetição do estado de coisas inconstitucional

A necessidade da criação de mecanismos para evitar a repetição das condições que levaram ao estado de coisas inconstitucional também está contemplada no plano, cujos problemas vão desde os orçamentos frágeis dos serviços penais até o desrespeito a precedentes e normativas, passando pela falta de estratégias para evitar a reincidência.

Os participantes da audiência abordaram a participação social na execução penal, com maior envolvimento da sociedade civil para trabalhar com as autoridades e assegurar que as mudanças propostas sejam implementadas. Outro aspecto destacado foi a preocupação com as restrições às saídas do sistema penal, previstas em projetos de lei como o PL 8045 de 2010, que revisa o Código de Processo Penal, e o PL 236 de 2012, que altera o Código Penal, além do PL 45 de 2023, conhecido como PEC das Drogas.

No encerramento, a diretora de Cidadania e Alternativas Penais da Senappen, Mayesse Parizi, falou sobre a importância do diálogo aberto e da inclusão da sociedade civil nas decisões políticas. “Este momento reforça a participação social como um braço constitutivo da política penal, onde não há recuo. Esse canal aberto de escuta é essencial para construirmos juntos um plano robusto que enfrenta e supera as condições inconstitucionais do sistema prisional”.

Sobre o plano Pena Justa

 

Audiência pública sobre Pena Justa – ADPF 347
Local: Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Foto: Rômulo Serpa/Ag.CNJ

O plano Pena Justa está sendo elaborado sob a coordenação do CNJ e da União e em diálogo com instituições, órgãos competentes e entidades da sociedade civil. Após passar por etapas de diálogo com diferentes atores, o plano será entregue ao STF em julho de 2024. A partir da validação do plano nacional pelo STF, será desenvolvido um cronograma de implementação com prazo de três anos, e terá início o desenvolvimento de 26 planos estaduais e do plano distrital.

A audiência pública faz parte da etapa de construção do plano que será entregue ao STF, e segue nesta terça-feira (30), a partir das 9h30, com transmissão ao vivo pelo canais do CNJ e do MJSP no YouTube, e pela TV Justiça. Também está aberta, até 5 de maio, consulta pública para pessoas, entidades e organizações com atuação no campo penal.

O plano Pena Justa está sendo elaborado com o apoio técnico do programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Senappen/MJSP. O programa foi concebido em 2019 a partir da decisão cautelar do STF na ADPF 347, e segue alinhado às ações em construção para o plano.

Acompanhe nesta terça-feira (30/4), os debates do segundo dia da audiência pública do Pena Justa no período da manhã e da tarde.

 

É possível assistir aos debates do primeiro dia de audiência pública, acessando o canal do CNJ no YouTube:

Primeiro dia (29/4), manhã.

Primeiro dia (29/4), tarde.

Texto: Natasha Cruz e Renata Assumpção
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias

Macrodesafio - Aprimoramento da gestão da Justiça criminal

Macrodesafio - Garantia dos direitos fundamentais