Uma comitiva do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se reuniu, na segunda-feira (28/3), com o presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), desembargador Luiz Carlos de Barros Figueiredo, para tratar do cumprimento das determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) em relação ao Complexo Penitenciário do Curado. Desde 2014, o tribunal tem determinado que o Estado brasileiro assegure a integridade física da população carcerária, de agentes prisionais e funcionários e de visitantes de um dos maiores complexos penitenciários do país.
No encontro, o presidente do TJPE demonstrou receptividade em relação ao propósito da missão ao estado. Figueiredo também relatou o histórico de defesa de direitos humanos na Justiça de Pernambuco e defendeu uma análise criteriosa da aplicação da sistemática do cômputo em dobro. De acordo com resolução da Corte IDH emitida em 2018, o Estado deve contabilizar em dobro cada dia da pena que tenha sido cumprida no ambiente degradante da prisão pernambucana.
“Temos que respeitar os acordos e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e tratam dos direitos humanos. Porém, precisamos observar os detalhes jurídicos na prática. Por isso, é necessário ver a extensão da aplicação da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Eu pessoalmente defendo essa aplicação, mas entendo que é necessário analisar vários pontos”, afirmou o presidente do tribunal.
A análise dos aspectos concernentes à aplicação da compensação penal e a promoção do diálogo interinstitucional foram objeto da missão do CNJ a Pernambuco. “A visita objetiva identificar os principais gargalos vinculados ao cumprimento das medidas provisórias relacionadas ao Complexo do Curado e construir soluções junto aos atores locais, ativando a capacidade de diálogo interinstitucional”, explicou o conselheiro do CNJ e supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), Mauro Martins.
A comitiva do CNJ apresentou uma proposta de relatório multidisciplinar para efetivar o cumprimento do mecanismo de compensação penal determinado pela Corte IDH, em relação àquelas pessoas condenadas ou acusadas por crimes sexuais, contra a vida ou integridade física. Conforme critério definido pela própria Corte IDH, esses teriam de ser avaliados, caso a caso, por equipe multiprofissional para aferir a fração da compensação penal a ser aplicada. A proposta de uniformização apresentada pelo CNJ constitui um modelo de instrumento destinado a efetivar o critério determinado pela Corte IDH.
A proposta foi debatida com o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Medidas Socioeducativas (GMF) do TJPE, coordenado pelo desembargador Mauro Alencar. Também participaram do encontro magistrados responsáveis pela execução penal no Judiciário pernambucano, como os juízes Cícero Bittencourt, Leonardo Asfora, Lorena Victorasso, Roberto Bivar, Evandro de Melo, Orleide Rosélia Nascimento Silva e Cícero Everaldo Ferreira Silva.
A estruturação da comitiva é uma iniciativa da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das decisões e deliberações da Corte Interamericana de Direitos Humanos (UMF), órgão criado pelo CNJ em janeiro de 2021 com a missão de acompanhar as decisões da Corte IDH no Brasil. Segundo a coordenadora executiva da UMF, Isabel Penido, os juízes destacaram dificuldades de ordem prática para a implantação efetiva da íntegra da decisão da Corte IDH e também fizeram sugestões ao Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), plataforma gerida pelo CNJ na qual se acompanha o andamento dos processos de cumprimento de penas na justiça criminal brasileira.
Agenda
A agenda em Pernambuco também incluiu reunião com o Foro de Acompanhamento das medidas provisórias da Corte IDH, com as peticionárias que encaminharam à Corte IDH as denúncias que deram início ao processo que culminaria na medida provisória aplicada ao Brasil por causa do Curado. Representam as vítimas perante a Corte IDH, Wilma Melo, do Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (Sempri), e Monique Cruz, da organização não-governamental Justiça Global.
Na noite de segunda-feira (28/3), a comitiva do CNJ esteve na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde participou do evento “Implicações jurídicas da medida provisória do cômputo em dobro no Direito Interno Brasileiro: a atuação do CNJ como órgão de monitoramento das decisões da Corte IDH”. Na primeira aula presencial realizada na faculdade desde o início da pandemia da Covid-19, o coordenador institucional do DMF e da UMF, Luís Geraldo Lanfredi, apresentou a palestra magna, na qual destacou a atuação da UMF/CNJ e a importância da cooperação interinstitucional. “Em janeiro de 2021, com a criação da UMF, o CNJ deu mais um passo em direção ao estabelecimento de uma política judiciária que reafirma a primazia da concretização de uma cultura jurídica nacional de direitos humanos, priorizando o diálogo interinstitucional e com a sociedade civil.”
A comitiva seguiu depois para Vitória, onde quarta-feira (30/3) atuará no monitoramento de outro caso que foi objeto de medida provisória da Corte IDH, relativa a violações constatadas em uma unidade de internação de jovens para cumprimento de medida socioeducativa. Na quinta-feira (31/3), o grupo segue para o Rio de Janeiro, onde vai acompanhar o caso do Instituto Plácido de Sá, presídio que foi alvo de decisões semelhantes às do Complexo do Curado, em função da degradação do local e da superlotação carcerária.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias
(com informações do TJPE e da UFPE)