No segundo dia de itinerância pelo arquipélago de Marajó (PA), a comitiva do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), liderada pela conselheira Renata Gil, reuniu juízes, promotores e oficiais de justiça que atuam em Portel (PA), distante 326 km da capital Belém, para discutir formas de combate à violência, ao crime organizado e à situação de insegurança enfrentada na cidade. “Precisamos unir forças entre as instituições para que consigamos mapear o que acontece aqui na região”, reforçou o oficial de Justiça e líder do Grupo de Execução e Inteligência Processual do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), Edvaldo Lima.
Depoimentos
A comitiva também visitou crianças da Escola Municipal Ezídio Maciel, localizada na comunidade São Bento, às margens do rio Acuti-Pereira. A professora responsável pela unidade de ensino, Tarleny Palheta, relatou: “A escola é, muitas vezes, o único lugar seguro para essas meninas que sofrem abusos em casa. O papel de acolhimento e escuta é nosso também, e saber que agora temos um sistema de Justiça que passou a funcionar, mostra que não estamos esquecidos e abandonados aqui no Marajó”.
A merendeira da escola, Maria dos Santos, conhecida na região como Dona Sônia, completou que a sensação de segurança aumentou: “Nos deixa muito felizes ter vocês aqui. Lembra a gente de que as coisas vão melhorar”.
A articulação em rede é o foco da missão. O fortalecimento dos entes públicos e das instituições, o engajamento dos representantes da sociedade civil unidos na luta e no combate à violência contra meninas e mulheres, tem sido o objetivo da atuação do grupo que, a cada visita e parada, tem buscado entender as dificuldades, os desafios e encontrar formas de fortalecer e subsidiar com ferramentas que sejam úteis na melhoria da realidade do local e da segurança das meninas e mulheres.
Acesso digital
Na comunidade São João de Acangatá, às beiras do Rio Camaraípe, foi inaugurado na Escola Municipal Marechal Deodoro da Fonseca um Ponto de Inclusão Digital (PID). A comunidade, que dista cinco horas de barco de Portel (PA), agora possui conexão com o sistema de Justiça, cartórios, unidades básicas de saúde para consultas médicas e outros serviços que garantem mais cidadania. “A gente está trabalhando para apoiar a comunidade, […] unidos em um só propósito que é o da cidadania, de dignidade de todas as pessoas.”, afirmou a conselheira Renata Gil no ato de inauguração do PID. Em roda de conversa no centro de convivência da escola, ela reforçou que “bater em mulher não é cultural, é um mau vício. E a gente não aceita mais isso”.
Antigo território de comunidade indígena, São João de Acangatá faz parte da extensão territorial do município, mas, por estar distante do centro, não possuía um local para cidadãs e cidadãos conectarem o Poder Público. “Aqui temos um postinho de saúde e o cartório que tinha aqui foi transferido há mais de 20 anos. Receber esse ponto digital vai facilitar muito a vida da gente, porque ir para a cidade leva muito tempo de barco e é caro”, indicou a professora Juvenilia dos Santos, nascida e criada na comunidade ribeirinha.
“Isso aqui vai fazer com que a gente mude essa realidade de violência. Ter como direcionar nossas demandas aos órgãos competentes vai fazer com que nossas ações tenham eficácia”, reforçou o líder comunitário e professor Éliton Santiago.
Para Moema Locatelli, presidente da Anoreg Pará e diretora-executiva da Anoreg Brasil, o reforço dos cartórios nessa ação é essencial. “Recebemos muitos relatos de casamentos de menores de idade. Isso é crime, não pode acontecer. Com o PID vamos estar mais perto e acompanhar tudo isso. Também apoiaremos com a emissão de documentos e serviços de cidadania”, afirmou.
Mais proximidade
De barco, parte da comitiva acompanhou ainda o trabalho dos oficiais de Justiça que foram entregar intimações para audiências judiciais. E a novidade já entrou no cenário: “Em Acangatá, mais perto, tem um lugar para vocês se conectarem com o juiz de forma virtual”, informou a oficial de Justiça do TJPA à senhora ribeirinha que recebia a intimação.
Rodas de conversa e capacitações aconteceram de forma paralela na Escola Municipal Lourdes Brasil. Dirigidos pela Coordenadoria da Infância e Juventude do TJPA, parte da equipe do CNJ cooperou no trabalho. “O nosso papel, junto com o TJ Pará, que estava conduzindo a ação, foi fortalecer a rede e fortalecer a conexão entre esses agentes todos que trabalham com crianças, que são porta de entrada para acolhimento em casos de violência.”, explicou a psicóloga e servidora do CNJ Janaína Castilho.
O defensor público Vinicius Araújo, também do Conselho, e que esteve na capacitação, disse “conhecer a realidade local muda nossa forma de atuar e nos motiva a pensar estratégias que apoiem, de fato, comunidades como essa, aqui no Marajó”.
Passeata pelos direitos das meninas e mulheres
No encerramento da ação, quase 200 mulheres e meninas fizeram uma passeata que partiu do Fórum da cidade em direção à Escola Municipal Maria de Lourdes Brasil, onde aconteceu o encerramento desta segunda etapa.
Sobre a importância do ato que mobilizou a cidade, passando pelas ruas e atraindo os olhares e a atenção da população local, a conselheira Renata Gil confirmou que “na ação, a gente tem meninas que foram resgatadas de situação de violência”. “A articulação que a gente construiu durante essa semana inteira aqui vai permanecer e a ideia é que a população se conscientize, se eduque no combate à violência contra as meninas e crianças, que é muito séria aqui”, enfatizou.
Números
Segundo a Defensoria Pública, mais de 3.000 documentos de registro civil foram emitidos, além de audiências de conciliação e prestação de orientações jurídicas que se estenderam a outras milhares de cidadãs e cidadãos da região.
Texto: Jonathas Seixas
Edição: Cecília Malheiros
Agência CNJ de Notícias