Com 2.960 comarcas espalhadas no território nacional, o Brasil conta com pouco mais de 400 Conselhos da Comunidade instituídos, segundo dados de 2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O número ainda é muito distante do que está proposto, há mais de 40 anos, na Lei de Execuções Penais: um conselho por comarca. Para impulsionar a melhora desse cenário e promover a participação social na execução penal, o CNJ lança o “Manual de Fortalecimento dos Conselhos da Comunidade”. O guia prático foi elaborado em conformidade com a Resolução CNJ n. 488/2023, aprovada em fevereiro deste ano e que instituiu a Política Judiciária para o fortalecimento desse importante instrumento do sistema de Justiça.
Acesse aqui a íntegra do Manual de Fortalecimento dos Conselhos da Comunidade
“Os Conselhos da Comunidade são vitais para estabelecer uma ponte robusta entre o Poder Judiciário e a sociedade civil”, afirma Luís Lanfredi, juiz auxiliar da Presidência e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ. “Este manual não somente incentiva a criação de novos conselhos, mas também busca aprimorar as práticas dos conselhos atuais. Ao fomentar a participação social ativa e informada, podemos alcançar soluções mais equitativas e justas para os desafios que nosso sistema penal enfrenta. É importante que todos os atores engajem nesta leitura para, juntos, fortalecermos a Justiça pelas vias do diálogo”.
O produto foi elaborado pelo CNJ no contexto do programa Fazendo Justiça, executado desde 2019 em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para acelerar transformações necessárias no campo da privação de liberdade.
Supervisora no DMF/CNJ, Melina Miranda destaca que o material responde à demanda por um trabalho contínuo para que os Conselhos da Comunidade funcionem com eficiência. “O levantamento feito pelo CNJ com mais de 400 desses órgãos em todo país mostrou, por exemplo, que quatro em cada dez conselhos já tiveram que interromper suas atividades em algum momento. Além disso, apenas 31% reportaram a realização de visitas mensais em espaços de privação de liberdade”, informou. “As diferenças regionais e o baixo número de conselhos são desafios importantes, e este manual é parte das iniciativas do Poder Judiciário para o enfrentamento dessa realidade e fortalecimento da participação social na área da execução penal.”
Sobre o manual
A publicação está estruturada em quatro seções, delineando desde os aspectos introdutórios da inserção dos Conselhos da Comunidade no sistema de execução penal brasileiro, até os desafios e as práticas promissoras que podem ser amplamente adotadas em todo o país. Com uma abordagem abrangente, aprofunda-se em questões teóricas, legais e constitucionais, além de detalhar a organização interna, recursos e formas de atuação desses conselhos, buscando garantir que eles operem de forma autônoma, efetiva e alinhada ao bem público. Conheça detalhes sobre cada seção:
Sobre a execução penal — apresenta aspectos introdutórios da inserção dos Conselhos da Comunidade no sistema brasileiro de execução penal e oferece um panorama sobre os principais papéis exercidos pelos conselheiros.
Constituição e composição — trata da criação e organização dos conselhos, responde questões sobre a forma de instalação de um novo, a natureza jurídica desse órgão, a composição dos membros e sua organização interna.
Estrutura — aborda os recursos materiais, financeiros e humanos necessários para a estruturação autônoma e sustentável dos conselhos.
Práticas — apresenta as atividades que podem ser realizadas por esses órgãos e detalha as principais formas de atuação dos conselheiros, além de abordar os desafios para o seu funcionamento efetivo.
Uma das responsáveis pela revisão do manual, a assessora do DMF/CNJ Alessandra Amâncio lembra que a publicação dispõe também de anexos que devem facilitar a execução dos trabalhos no dia a dia dos conselhos nas comarcas: “Há uma coletânea de modelos prontos para o uso, que vão desde o termo de posse até relatório de inspeção, passando por exemplos de estatuto social e regimento interno. Além disso, o guia traz também um compilado de dados gerais sobre esses conselhos no Brasil, que devem ser úteis para o planejamento dos novos grupos”.
O impacto na ponta
Conforme determina a lei, os Conselhos da Comunidade devem ser compostos por, no mínimo, uma pessoa representante de associação comercial/industrial, da advocacia, da defensoria pública, da assistência social, além de representantes de movimentos sociais ou associações de familiares.
Em Passo Fundo (RS), o advogado Vinícius Francisco Toazza atua como presidente do Conselho da Comunidade desde 2014. Segundo ele, a consolidação do órgão e o trabalho de inspeções local possibilitou identificar as demandas que hoje são atendidas graças à atuação dos conselheiros e de voluntários, que são fundamentais.
“Quando iniciamos esse trabalho de inspeção, começaram a surgir muitas necessidades aparentes, desde saúde, alimentação, estrutura, ou seja, todas as questões que a gente sabe que existem nos presídios. Diante disso, fizemos dois projetos, um já de imediato que foi a questão de material de higiene e limpeza, e o segundo foi a construção de uma Unidade Básica de Saúde”, conta. “Além do guia orientativo para a criação dos conselhos, é fundamental ter algo que colabore para a manutenção deles.”
O advogado Guilherme Rodrigues da Silva está à frente do conselho de Ribeirão Preto (SP) desde 2019. De lá para cá, ele relata que a entidade ganhou relevância na comarca, executando fiscalizações nas unidades prisionais, entrevistando pessoas privadas de liberdade e levantando problemas e eventuais soluções, mas alguns contratempos persistem. Segundo ele, um dos principais desafios enfrentados pelo órgão está justamente na desmistificação da execução penal e todo o seu aparato tanto para o Estado como para população no geral. “A ausência de informações e auxílio sobre a formalização do conselho causa um enorme embaraço”, conta.
Rodrigues também chama a atenção para outro gargalo enfrentado por esses órgãos: o financiamento. “Este é um nó a ser desatado pelo conselho, que sobrevive de pequenas doações, especialmente advindas de seus membros, e pessoas ou entidades que se sensibilizam com suas funções. Sem canais e meios de financiamento, acredito que os conselhos serão fadados ao insucesso, uma vez que, enfraquecidos, tornam-se alvos fáceis de manipulação e mero assistencialismo”, explica.
“Esse guia vem em boa hora e demonstra a preocupação do CNJ em cumprir a lei, esclarecer a responsabilidade da sociedade sobre o naco de seus cidadãos julgados ou não, que de alguma forma enfrentam o sistema de justiça criminal, de fazer entender que o sistema de justiça é representativo dessa sociedade que demanda punição”, conclui Rodrigues.
Texto: Leonam Bernardo
Edição: Débora Zampier e Nataly Costa
Agência CNJ de Notícias