Paridade de gênero nos tribunais agrega diferentes visões de mundo às decisões

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Sessão do Pleno do Tribunal de Justiça do Pará - Foto: Ricardo Lima
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A decisão histórica que criou a política de alternância de gênero para o preenchimento de vagas na segunda instância do Judiciário brasileiro começa a dar os primeiros passos. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) abriu concurso para preenchimento de um cargo de desembargadora, seguindo a determinação da Resolução CNJ n. 525/2023.

A norma, aprovada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça em setembro do ano passado, prevê que os tribunais do país utilizem a lista exclusiva para mulheres, alternadamente, com a lista mista tradicional, nas promoções pelo critério do merecimento. A resolução busca combater uma realidade histórica na Justiça brasileira: a ausência sistemática de mulheres nos cargos mais altos na estrutura. Embora constituam cerca de 51% da população brasileira, atualmente elas correspondem a 38% da magistratura, sendo 40% no 1º grau e apenas 21,2% no 2º grau.

Essa é uma realidade que pouco mudou ao longo da consolidação da Justiça no país. Enquanto as primeiras comarcas começaram a ser instaladas no Brasil no primeiro século da colonização, por volta de 1548, em Salvador, o ingresso da primeira mulher na magistratura ocorreu quatro séculos depois. Em 1939, Auri Moura Costa foi aprovada em concurso público realizado pelo Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).

Foram necessários mais 15 anos para que uma magistrada chegasse ao cargo de desembargadora, com a nomeação de Thereza Grisólia Tang no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). Já a pioneira entre as mulheres negras na Justiça brasileira foi Mary de Aguiar Silva, empossada no cargo de juíza substituta do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), em 1962.

A atuação dessas mulheres foi destacada pela relatora da Resolução CNJ n. 525/2023, a então conselheira Salise Sanchotene, quando apresentou o voto a favor da criação de política de alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário. “Da perspectiva do interesse público e da democracia, nada se perderia com a política de ação afirmativa. Afinal, é a ausência de mulheres nos tribunais – e não de desembargadores do sexo masculino – que compromete interesses sociais relevantes e a legitimidade democrática das cortes”, argumentou.

Segundo Salise, a resolução não trata apenas da promoção de juiz, mas de garantir a democracia com uma política afirmativa de paridade de gênero nos tribunais. Inspirada na Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário, a nova norma alterou a Resolução CNJ n. 106/2010, que trata dos critérios objetivos para a promoção de magistrados e magistradas.

A medida leva em conta a falta de tendência de crescimento dos percentuais de participação feminina no Judiciário, de acordo com séries históricas de pesquisas. A série histórica mostra que não há qualquer tipo de tendência de crescimento nem projeções de quando seria possível alcançar o patamar de equidade de gênero na magistratura.

Sub-representação

Entre 1996 e o primeiro semestre de 2022, foram mapeados diagnósticos que fornecem dados suficientes para se firmar a sub-representação feminina na carreira, bem como a identificação das principais barreiras de acesso das mulheres aos diversos cargos da magistratura brasileira, desde juíza substituta até ministra de tribunal superior.

“O Perfil do Magistrado Brasileiro”, estudo realizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em 1996 com cerca de 4 mil respondentes, apontou que somente 20,7% das participantes eram mulheres; no 2º grau, esse número baixou para 9,3%; e, nos tribunais superiores, não havia nenhuma ministra. Já o “Censo do Judiciário”, produzido pelo CNJ em 2014, com adesão de 64% dos magistrados e magistradas em atividade, apontou que 35,9% da magistratura brasileira era feminina, sendo 42,8% juízas substitutas; 36,6% juízas titulares; 32,2% juízas substitutas em 2º grau e 21,5% desembargadoras.

Quatro anos após, o “Perfil Sociodemográfico dos Magistrados Brasileiros”, também do CNJ, indicou percentual de 38% de mulheres na magistratura brasileira, com 44% no cargo de juízas substitutas; 39% de juízas titulares e 23% de desembargadoras. Em 2019, o CNJ volta a aferir a questão no “Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário”. As magistradas somaram 38,8% do quadro total em atividade, sendo 45,7% juízas substitutas; 39,3% juízas titulares e 25,7% desembargadoras, registrou a relatora.

No relatório da Participação Feminina na Magistratura 2023 (ano-base 2022), produzido pelo Conselho, o percentual de magistradas apresentou queda, de 38,8% para 38%, com expressiva diminuição nos postos mais altos da carreira. Saíram de 25,7% de desembargadoras, em 2019, para 25%, e de 19,6% de ministras de tribunais superiores, também em 2019, para 25% no levantamento mais recente.

O Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ desagregou os dados referentes à ocupação de cargos por desembargadoras e, ao longo da série histórica – compreendida entre 1980 e 2021, os gráficos mostraram que as mulheres chegaram aos tribunais nunca em patamar superior a 31%, atingido entre 1991 e 2000, ano de criação dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), o que talvez explique esse pico. Nos demais intervalos de tempo, continuaram oscilando entre 21% e 25%.

Além disso, no universo já reduzido de mulheres que ocupam cargos no 2º grau de jurisdição, 87,4% são brancas. Entre as desembargadoras, apenas 9,7% são negras-pardas e 1,5% são negras-pretas, trouxe o Diagnóstico Étnico-Racial no Poder Judiciário, finalizado pelo CNJ em 2023.

Discriminação institucional

Os prejuízos incidentes especialmente na carreira das mulheres por força da mudança obrigatória de domicílio nas promoções também foram documentados pela Nota Técnica n. 01/2017 da Associação dos Juízes Federais do Brasil, na qual 83,88% das magistradas ouvidas atribuem a baixa representatividade feminina na Justiça Federal à dificuldade de serem acompanhadas pelos esposos/companheiros por ocasião das promoções.

Em pesquisa realizada pela AMB junto às magistradas, esse fenômeno também apareceu, pois 30,9% das respondentes disseram ter recusado oportunidades de promoção em virtude da obrigatória mudança de domicílio que precisariam realizar.

O voto que embasou a aprovação da Resolução CNJ n. 525/2023 evidenciou que entre os motivos da menor representatividade feminina nos tribunais de 2º grau, seria a existência, no Poder Judiciário brasileiro, discriminação institucional de gênero, resultante de barreiras implícitas existentes na progressão de carreira das magistradas brasileiras de 1º grau. “Elas chegam em menor quantidade ao desembargo por possuírem maiores dificuldades no ingresso; na afetação da vida pessoal; nas oportunidades de ascensão; pela discriminação interseccional; pela incidência de atitudes discriminatórias no exercício do cargo; por serem menos indicadas para cargos com critérios subjetivos de preenchimento; e na promoção, especialmente por merecimento”, destaca o texto.

Texto: Margareth Lourenço e Regina Bandeira
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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