Os resultados do trabalho coletivo realizado na construção de um protocolo de orientações para a implantação da Política Nacional de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas Interseccionalidades foram apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta quinta-feira (11/11), durante o webinário sobre a Resolução CNJ n. 425/2021, que normatiza a questão.
Segundo a presidente da Comissão Permanente de Democratização dos Serviços Judiciários do CNJ e da Comissão Permanente dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, conselheira Flávia Pessoa, o momento de implementar a política é agora, respeitando as especificidades locais e reforçando a atuação em rede participativa. “Já passamos pela fase da construção do texto normativo, pela construção das trilhas para aplicação, agora é colocar a mão na massa, a partir das perspectivas apresentadas pelas pessoas e instituições que fizeram parte desse processo”.
A juíza auxiliar da Presidência do CNJ Lívia Peres, que mediou o painel de apresentação do trabalho da Oficina Sprint Ruas, ressaltou que o trabalho demonstra as diretrizes do Conselho para um Judiciário inclusivo e inovador, que são políticas essenciais atualmente. A magistrada destacou também a sensibilidade que o Grupo de Trabalho RUAS teve para compreender a diversidade da problemática e suas soluções, de forma a definir orientações para que os tribunais possam adaptar às suas realidades na implantação da Resolução n.425. “É preciso enfrentar a desigualdade e instituir medidas de compensação. É tarefa indispensável, mas árdua, por essência”.
Dividido em três trilhas principais – Acesso à Justiça; Itinerância e Mutirão; e Capacitação –, o trabalho da oficina Sprint Ruas realizou discussões para definir os parâmetros de implantação da Resolução CNJ n.425/2021 pelos tribunais. Segundo a juíza federal e coordenadora da oficina, Luciana Ortiz, o objetivo foi buscar uma forma de operacionalizar a política. “Não conseguiremos atingir essas diretrizes se não trouxermos a concretização das possibilidades para nossa realidade. O que pretendemos é apresentar os caminhos para que essas políticas e princípios sejam implementados, poflviar meio de uma visão clara de governança, gestão de ações e de fluxos.”
A metodologia utilizada, segundo a juíza, trouxe uma visão de design e de empatia com o beneficiário da política, para que pudessem compreende as necessidades do público. “Utilizamos quantitativas e qualitativas, além dos encontros virtuais e presenciais, com metodologias ágeis e empáticas, contando com a participação da rede de proteção social, atores do Sistema de Justiça e academia, para encontrar os problemas e as necessidades reais”, explicou.
Luciana Ortiz destacou ainda que é preciso aprimorar os fluxos para temas mais especializados, atingindo a complexidade da questão. Para isso, o Judiciário precisa trabalhar em rede, estar conectado, respeitar e estar nos espaços de vivência dessas pessoas. “E é preciso fazer tudo isso de forma empática, colaborativa e ter um diálogo insterinstitucional para que esses fluxos sejam construídos dentro da nossa burocracia diária. Precisamos atender o Brasil com todos os avanços digitais e tecnológicos; e o Brasil dos esquecidos”.
Trilhas
Na trilha sobre o Acesso à Justiça, foram identificadas duas fases de ação: providências administrativas e extrajudiciais; e a fase processual. Segundo o doutor em direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor de mestrado em direitos humanos da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Gustavo Borges, foram formuladas diretrizes essenciais, como a não criminalização, com encaminhamento para a defensoria pública em caso de pendências; atenção especial para vulneráveis; acondicionamento adequado provisório para pertences e animais de estimação; criação de mecanismos para assegurar o direito à convivência familiar e comunitária; e o atendimento humanizado e personalizado, independente da vestimenta, condição de higiene, ausência de identificação civil e de outros documentos, por exemplo.
Entre as sugestões, foi proposta a criação de um comitê regional ou local, multissetorial, com uma composição mínima de membros do Poder Judiciário, Ordem dos Advogados do Brasil, Defensoria Pública, movimentos sociais, universidades e serviços essenciais sociedade civil, como cartórios. “A ideia é criar uma equipe multidisciplinar especializada e com funcionamento definido pelo tribunal”, explicou Gustavo Borges. O grupo sugeriu também a implementação de um protocolo de atendimento padrão para todo o Judiciário, fundamentado, especialmente na empatia e sensibilização. Na fase processual, a ideia é utilizar a rede de parceiros para sanar pendências referentes à documentação, reduzindo também os prazos da tramitação para atender às necessidades urgentes da população em situação de rua.
Sobre itinerância e mutirão, o foco é que a Justiça estabeleça um fluxo para esse mecanismo para o contexto da política. Juiz federal e um dos coordenadores da oficina, Renato Nigro explicou que é preciso ter uma estrutura mínima para realizar o atendimento no local de vivência das pessoas ou em instituições parceiras, sempre com o apoio da Defensoria Pública. “As peculiaridades do atendimento na rua exigem a participação dos ramos da Justiça Estadual, Trabalhista e Eleitoral, além da rede de apoio. É preciso pensar nos instrumentos práticos, como impressora e internet, para que cadastros sejam acessados, processos iniciados”, destacou. Para tanto, o grupo definiu um fluxo de atendimento por demandas jurídicas, com a garantia, inclusive, da confidencialidade desses atendimentos; e as demandas não jurídicas, que exige que o Judiciário se aproxime de outros Poderes e instituições que já trabalham com esse público.
Além disso, é preciso servidores capacitados, que saibam utilizar o sistema informatizado, que consiga conversar com essas pessoas, utilizando linguagem simples e clara, prestando um atendimento humanizado e uma abordagem diferenciada, acolhedora e desburocratizada, como apontado por Luciana Fugishita, do Laboratório Aurora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). A periodicidade de retorno foi uma das preocupações do grupo, que sugeriu a construção de cronograma de atendimento de centralizador, com retorno bimestral, organizado com a rede parceira. “O Judiciário pode aprender com cada parceiro e voltar para dar uma devolutiva de cada caso. Essas são pessoas que nunca estiveram no sistema de Justiça e agora, esperamos que esse trabalho possa minimizar a dor delas, não com um olhar caritativo, mas com o olhar do direito que elas têm, como cidadãos”, ressaltou Renato Nigro.
O grupo também sugeriu a criação da “Semana Nacional do Atendimento PopRuaJud”, com a realização de um esforço concentrado para atendimento da população em situação de rua, como ocorre na Semana Nacional de Conciliação, por exemplo.
Para a trilha da capacitação, foi enfatizada a necessidade de uma formação empática e ativa. Apresentada pelo cientista social e um dos coordenadores da oficina, Ébio Machado; e pelo juiz especialista em gestão pública e formador da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), Fábio Póvoa, a capacitação deve atingir a todos os atores, desde a portaria dos fóruns, até os magistrados. A sensibilização, neste caso, é fator fundamental para o sucesso da implantação, afirmaram.
Nesse sentido, foi sugerida uma referência da capacitação oferecida, por meio de um elo comum de saberes: a humanização e a empatia. “É preciso estar focado na necessidade das pessoas, com uma escuta aberta, valorizando a ética, o humanismo e a interdisciplinaridade”, reforçou Fábio Póvoa. Dessa forma, e utilizando o conceito já adotado pela Enfam, de “especialistas de si mesmo”, há uma proposta de trazer, como capacitadores, a própria população de rua, que poderá ensinar sobre sua realidade e necessidades. Também é preciso preparar as pessoas que irão ensinar, com a formação de formadores, antes de iniciar as capacitações. Entre os conteúdos sugeridos estão o racismo institucional, a articulação em rede, questões históricas sobre os excluídos, entre outros.
A avaliação e o monitoramento qualitativo e quantitativo, com a participação da rede é fundamental para corrigir os projetos-piloto e os pressupostos de atuação. Dessa forma, o ciclo deve conter a etapas de formação, capacitação, avaliação e monitoramento e o retorno aos conceitos transversais. “A solução seria exatamente cursos de Formação que poderão ser ofertados pelas escolas judiciais e disseminar, observando-se a autonomia das escolas, as formações iniciais. A ideia é atingir servidores, magistrados e demais profissionais que atuam nas unidades de acolhimento e outros serviços de acompanhamento das pessoas em situação de rua, com vista a garantir um maior conhecimento das condições e das trajetórias das pessoas em contexto de vulnerabilidade social”, disse Ébio Machado.
Lenir Camimura
Agência CNJ de Notícias
Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube