Há dois anos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) passou a estimular um novo protagonismo do Judiciário nacional para a superação de desafios históricos no campo da privação de liberdade, por meio de parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Além de propor um método inédito de ações simultâneas reunindo as melhores iniciativas de gestões anteriores do CNJ, o programa inovou ao adaptar o plano nacional para cada unidade da federação, atuando de forma colaborativa com tribunais e magistrados.
Pensada desde a concepção do programa, a efetivação da parceria com os tribunais começou em março de 2019, com uma série de missões aos estados, em que representantes do CNJ e especialistas técnicos das Nações Unidas dialogavam com gestores locais sobre formas de trabalhar o portifólio do programa de modo a garantir maior efetividade de políticas e de serviços, permitindo maior qualificação dos gastos públicos. Para apoiar os tribunais na execução e monitoramento dos planos executivos, consultores do programa foram alocados em todo o país.
A partir de setembro de 2020, a estratégia foi renovada e ganhou novas ações com a gestão do ministro Luiz Fux, tornando-se o programa Fazendo Justiça – entre 2018 e 2020, na gestão Dias Toffoli, era o programa Justiça Presente. Desde o final de 2020 os planos executivos do programa estão sendo repactuados com os estados, sob a supervisão do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ) e interlocução direta com os Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) dos Tribunais de Justiça.
Como explica o secretário-geral do CNJ, juiz federal Valter Shuenquener de Araújo, a articulação – envolvendo não apenas o Poder Judiciário, mas também Executivo, Legislativo e sociedade civil – garante a perenidade e a sustentabilidade dos resultados. “Problemas complexos exigem respostas corajosas. O Judiciário tomou para si a responsabilidade de enfrentar o estado de coisas inconstitucional do sistema prisional apontado pelo Supremo Tribunal Federal, mas não terá sucesso sem o envolvimento de todos os atores envolvidos na temática. É com satisfação que vemos, a cada dia, o comprometimento de todo o país nesta missão.”
Avanços
Entre os avanços já alcançados em parceria com tribunais, estão os mais de 20 Escritórios Sociais inaugurados em 14 estados, equipamentos fomentados pelo CNJ desde 2016 para apoiar egressos do sistema prisional e seus familiares na reintegração social com acesso a serviços e políticas públicas de educação e qualificação profissional, entre outros. Também há ações para maior controle social da execução penal, com apoio aos Conselhos da Comunidade e fomento a políticas de inclusão produtiva e geração de renda.
Na porta de entrada do sistema prisional, o CNJ vem atuando por meio do Fazendo Justiça para apoiar os tribunais na estruturação do serviço de Atendimento à Pessoa Custodiada (APEC). O objetivo é ampliar a oferta encaminhamentos para proteção social, com parâmetros que qualificam o atendimento em rede e com enfoque restaurativo, articulando o acesso a serviços voltados ao cuidado, cidadania e inclusão social. Também há incidência para a qualificação das políticas locais de alternativas penais e monitoração eletrônica.
A parceria com os estados também tem resultado na nacionalização do Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) para integração da execução penal em todo o país, além da articulação de fluxos para emissão de documentação civil para pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional.
No campo do sistema socioeducativo, o Fazendo Justiça vem atuando para refinamento de sistemas informatizados do judiciário e para produção de dados, além de promover o fortalecimento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e de políticas como central de vagas, Núcleo de Atendimento Integrado e audiências concentradas. Atualmente, está em andamento formação nacional sobre o Programa de Acompanhamento ao Adolescentes Pós-cumprimento de Medida Socioeducativa.
Essas e outras iniciativas estão documentadas em mais de 30 produtos de conhecimento lançados pelo CNJ para a disseminação e sustentabilidade das ações empreendidas por meio do Fazendo Justiça. São guias, manuais e relatórios nas nos campos das alternativas penais, monitoração eletrônica, audiência de custódia, cidadania e atenção à pessoa egressa, política prisional e sistema socioeducativo.
Em 2021, o programa apostará em formações e na difusão das 20 normativas temáticas já aprovadas pelo plenário do CNJ e do conhecimento produzido, com uma extensa agenda de eventos e capacitações, especialmente no modo online em razão da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Desde 2019, mais de 100 eventos nacionais e regionais foram promovidos com o envolvimento de mais de 25 mil pessoas, incluindo o II Encontro Nacional dos GMFs, o Encontro Nacional de Usuários do SEEU, os Altos Estudos em Audiência de Custódia e o Seminário Internacional Judiciário, Sistema Penal e Sistema Socioeducativo: Questões Estruturais e Mudanças Necessárias.
Para o conselheiro do CNJ Mário Guerreiro, supervisor do DMF/CNJ, a força do programa Fazendo Justiça reside no fato de ser um programa de alcance nacional, mas com atividades pensadas de acordo com as realidades locais. “O Brasil é um país enorme, com cenários diferentes a cada região e a cada estado. Com este cuidado, o CNJ vem conseguindo incidir de maneira específica e de acordo com as articulações locais. Também destaco os diversos eventos realizados pelo Conselho que reuniram magistrados e servidores de todo o país para uma rica troca de experiências, potencializando ainda mais este trabalho conjunto.”
Pandemia
A articulação com os estados também permitiu ao CNJ a construção de respostas alinhadas para lidar com avanço da Covid-19 nos sistemas de privação de liberdade. Desde junho de 2020, o CNJ publica boletins de acompanhamento da situação da pandemia nos estados, com informações sobre número de casos e de óbitos – tanto entre pessoas privadas de liberdade quanto de servidores -, testes realizados, insumos e recursos disponíveis, além de recursos federais e de outras fontes. Com apoio de autoridades estaduais, sob coordenação dos GMFs, foram montados comitês de acompanhamento da pandemia e articulação de ações.
Também foram editadas normativas acerca do tema com objetivo de auxiliar os estados a mitigar os efeitos da Covid-19 nesses estabelecimentos, com destaque para a Recomendação CNJ nº 62/2020 e orientações técnicas sobre monitoração eletrônica, alternativas penais, políticas de cidadania e inspeções judiciais. No campo socioeducativo, o destaque é a orientação conjunta entre CNJ, Conselho Nacional do Ministério Público e Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, além de nota sobre audiência de apresentação.
“Estes dois anos de atuação direta nos estados mostraram e comprovaram que só através de esforços conjuntos e articulados é possível começar a mudar uma realidade marcada historicamente por negligência e desrespeito à dignidade das populações privadas de liberdade. Mais do que ações pontuais, o Fazendo Justiça mostra que também é importante uma mudança de percepção, a vontade de fazer mais. Nisso o CNJ tem apoiado com subsídios técnicos para uma atuação segura e embasada em evidências. Que os frutos dessa parceria nacional sejam cada vez mais visíveis e perenes”, avalia o juiz coordenador do DMF/CNJ, Luís Lanfredi.
Além da justiça estadual, o Fazendo Justiça também pactua ações com a justiça federal. Os Tribunais Regionais Federais da 1ª, 2ª, 3ª e 5ª Regiões, por exemplo, participam de ações como a implantação do SEEU, a Rede Justiça Restaurativa e a emissão de documentação civil.
Iuri Tôrres
Agência CNJ de Notícias