A falta de titularidade e de registro dos territórios quilombolas e os desdobramentos da questão para os integrantes dessas comunidades, que ficam sujeitos a violência, a ameaças e carentes dos benefícios de políticas públicas, justificaram queixas recorrentes durante a audiência pública que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promoveu, nesta sexta-feira (17/11), em Brasília. Com os relatos de dificuldades, que vão contribuir para a preparação do relatório final de um grupo de trabalho (GT), vieram manifestações acerca do trabalho do Sistema de Justiça para o reconhecimento do direito à terra.
Na primeira parte da audiência, 28 pessoas apresentaram contribuições que podem auxiliar o colegiado dedicado ao estudo e à elaboração de propostas para a melhoria da atuação do Poder Judiciário no processamento de ações a respeito da posse, propriedade e titulação de territórios tradicionais envolvendo comunidades quilombolas e a preservação de seus documentos e sítios detentores de reminiscências históricas. O GT Quilombola, criado em julho de 2023 pela Portaria CNJ n. 189, busca aprimorar os instrumentos de monitoramento da atuação da Justiça na garantia dos direitos dessa população, que o censo de 2022 identificou ser de 1,327 milhão de pessoas.
“É preciso que nós, do Sistema de Justiça, saiamos dos gabinetes e procuremos a justiça, efetivamente, juntos com a sociedade, ouvindo a sociedade, trazendo, assim, maior justiça social e equidade”, avaliou, durante o evento, o coordenador do grupo de trabalho e o conselheiro do CNJ, ministro Vieira de Mello Filho. “Esse é um momento em que nós, do Conselho Nacional de Justiça, do Sistema de Justiça, abrimos as portas para as comunidades quilombolas deste país”, complementou.
Proteção
Entre os relatos apresentados pelos participantes da audiência pública, diversos testemunhos que atestam o quanto o não reconhecimento do direito à terra implica na invisibilidade social. Além da burocracia, da falta de assistência, de recursos e de apoio institucional para o acesso a direitos básicos e constitucionais, as reclamações se fundamentam na atuação de empresas mineradoras, agropecuárias, fazendeiros e grileiros. As cobranças, então, foram pela ação do poder público para o cumprimento de leis, inclusive para a proteção contra ameaças que atentam contra a integridade física e a vida de líderes e das suas famílias.
“Não queremos vingança, queremos viver em paz nos nossos territórios e pensar formas de sobrevivência”, afirmou a represente da Federação Nacional das Associações Quilombolas (Fenaq), Lara Luísa. “A gente quer que os órgãos públicos, tanto federais quanto estaduais, mantenham uma ligação direta com as comunidades e com as suas lideranças para a ação ser mais efetiva, mais coordenada”, manifestou o coordenador estadual no Amazonas da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq). “Sem isso, ficamos desamparados, expostos à negação da nossa existência por fazendeiros, garimpeiros, mineradoras, posseiros e até mesmo por prefeituras”, alertou.
Outras contribuições vieram de defensores públicos que compartilharam experiências inspiradoras, na avaliação do ministro Vieira de Mello Filho, para aproximação do sistema de Justiça com a população. “É comum encontrarmos comunidades tradicionais ilhadas em meio a campos de soja com milhares de hectares, onde só é possível chegar por estradas vicinais com mais de vinte quilômetros extensão”, contou o Jean Carlo Nunes Pereira, que atua no Maranhão. “Sequer há uma educação quilombola, que permita à pessoa se reconhecer e lutar pela titulação coletiva, daí que precisamos aquilombar a sociedade brasileira”, disse o colega da Defensoria Pública de Alagoas, Isaac Vinícius Costa Souto.
Acompanhamento pelo CNJ
A realização da audiência foi proposta pelo Grupo de Trabalho criado pelo CNJ, por meio Portaria n.189/2023. O Conselho realiza, ainda, o acompanhamento de casos de violência de lideranças como o assassinato da Mãe Bernadete, cujo processo é monitorado pelo Observatório das Causas de Grande Repercussão, grupo composto por representantes do CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
1ª Jornada Justiça e Equidade Racial
A audiência pública está inserida na programação da 1ª Jornada Justiça e Equidade Racial: Valorizando Raízes, Transformando Futuros, iniciativa do CNJ juntamente com os tribunais superiores, com sede em Brasília, para o debate e a promoção de medidas voltadas à ampliação do acesso de pessoas negras à Justiça, com o combate ao racismo estrutural, e de sua representatividade nos quadros funcionais do Judiciário.
A Jornada acontece em Brasília, entre os dias 13 e 28 de novembro de 2023, com programação no CNJ e no Supremo Tribunal Federal (STF), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Tribunal Superior do Trabalho (TST) e no Superior Tribunal Militar (STM).
Reveja a audiência pública no canal do CNJ no YouTube
Texto: Luís Cláudio Cicci
Edição: Jônathas Seixas
Agência CNJ de Notícias