Para especialistas, cenário atual exige ação coordenada no combate ao assédio eleitoral

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Seminário Combate ao Assédio Eleitoral - Foto: Ana Araújo/Ag.CNJ
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O cenário atual, que associa degradação da democracia com precarização das relações de trabalho e implicou no aumento de mais de 1.500 % de denúncias de casos de assédio eleitoral entre 2018 e 2022, ameaça o voto como símbolo da igualdade entre os cidadãos, entre empregados e empregadores. Palestrantes do Seminário de Combate ao Assédio Eleitoral, na manhã desta sexta-feira (18/8), destacaram a necessidade de uma ação coordenada contra o novo coronelismo, que ainda busca impor aos eleitores a abdicação do seu poder decisório.

O evento, uma iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reuniu na manhã do seu segundo e último dia um represente da academia e três magistradas que discutiram formas e propostas para impedir a perpetuação do voto de cabresto.

As soluções, de acordo com os palestrantes, seriam uma maior integração institucional, inclusive com a criação de um observatório do assédio eleitoral; a atuação mais contundente dos sindicatos, que precisam tornar o enfrentamento desse problema mais presente nas mesas de negociações; e, por fim, que a exigência da retração por parte dos responsáveis por esse crime esteja nas decisões judiciais.

Incômodo

“Na democracia, a vontade do trabalhador tem que valer tanto quanto a vontade do patrão”, afirmou o cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB) Luis Felipe Miguel. “A igualdade que o voto permite é um incômodo porque desorganiza o jogo político das elites e por isso esse direito, conquistado com tanta luta, é negado, subtraído, alvo de tanta pressão”, explicou o autor de mais de uma dezena de livros sobre teoria política e política brasileira.

Os palestrantes mencionaram a aprovação da Reforma Trabalhista de 2017 e resgataram o desenrolar da Operação Lava Jato, que orientou decisões judiciais cujos desdobramentos tiveram efeitos diretos na disputa eleitoral de 2018.

O histórico de fatos recentes deu motivo para repetidas manifestações de preocupação em relação às próximas eleições, de 2024. A atuação do Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT/SP) no ano passado, na difusão de informações e o empenho institucional coordenado para garantir celeridade de resposta às denúncias, pode servir como exemplo de atuação prévia contra o assédio eleitoral. E foi dessa experiência que veio a ideia da criação de um observatório da violência eleitoral.

Aprimoramento

“É uma sugestão importante para a integração institucional, estimular a difusão de informações sobre esse ilícito, promover a resposta mais rápida às denúncias e estabelecer uma melhor forma de atuação conjunta”, justificou a procuradora regional do Trabalho do MPT/SP Adriane Reis de Araújo. “A ideia seria compilar todos, universidades, grupos de estudo, reunir o conhecimento num único local para permitir o aprimoramento da ação, a atuação combinada que seria mais eficiente para todos”, observou.

Outras duas participantes do segundo dia do Seminário de Combate Eleitoral, as magistradas Sandra Nara Bernardo Silva, do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, Beatriz Renck, do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, se manifestaram a favor da organização dos trabalhadores para a reivindicação e a defesa dos seus direitos. “O trabalhador precisa da união, do coletivo, para demandar direitos e, com a Reforma Trabalhista, isso passou a ser visto de forma pejorativa”, opinou a desembargadora.

Com atuação na Justiça Tocantins, Sandra Nara Bernardo Silva defendeu que as organizações de defesa dos trabalhadores incluam entre as reivindicações a inclusão de ações de combate ao assédio eleitoral nas convenções coletivas. “É necessário colocar nas pautas, nas mesas de negociação que as empresas se abstenham de ameaçar, de constranger, de orientar os trabalhadores a escolher estes ou aqueles candidatos nas próximas eleições municipais, de 2024.”

Papel das instituições

Foi destacado também que o enfrentamento do assédio eleitoral – senão de todos os tipos de assédio – deve ser feito de forma cooperada entre as instituições e com a participação social. De acordo com os participantes do painel “O Papel das Instituições no Combate ao Assédio Eleitoral”, já existem iniciativas nesse sentido e que fortalecem as ações para coibir e punir essas situações.

Conforme a explicação da professora universitária na Faculdade de Direito de Vitória/ES (FDV) Elda Bussingner, o assédio eleitoral faz parte da forma de estabelecer e manter a estrutura de poder e das desigualdades, sendo a acentuação dessa prática o balizador para a estabilidade ou não da democracia local. “Nossa frágil democracia brasileira – apesar de tão valorizada por nós – ainda frágil, ainda infante, nos levou a vivenciar o fenômeno de uma potencialização do assédio eleitoral, que se estabelece pelo medo”, ressaltou.

A professora disse ainda que o medo deve ser entendido como uma condição de vulnerabilidade do sujeito de direito. “É preciso entender o que é a coação, a intimidação, as estratégias de humilhação, ameaças. O assédio, seja qual for, se dá sempre de forma estratégica – sutil, amigavelmente ou violentamente, por meio de promessas, concessões, favores, de uma maneira tão ampla, que não somos capazes de entender de que se trata de um assédio”.

Para Larissa Almeida Nascimento, juíza do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), juíza auxiliar no gabinete do ministro Alexandre de Moraes no STF e ex-ouvidora eleitoral no TSE, o assédio eleitoral tem uma dinâmica diferente atualmente, tendo sido evidenciado de forma exacerbada no pleito de 2022.

Em sua experiência como ouvidora do TSE nas últimas eleições gerais, a juíza destacou o aumento exponencial do número de denúncias. “Foi quando começamos as negociações para que a demanda fosse respondida de forma conjunta e cooperada entre o TSE e o Ministério Público do Trabalho (MPT) e outros órgãos”. Ela também ressaltou que essa cooperação tem que ser tanto de maneira externa, quanto interna, pensando a justiça eleitoral como um todo: TSE, TREs e cartórios eleitorais.

Do ponto de vista das ouvidorias, salientou a importância do fortalecimento, ampliação, subsídio e parceria com a gestão dos tribunais. Há a previsão de que todas as ouvidorias eleitorais devem, por exemplo, promover audiências públicas, a fim de trazer as pessoas para o debate. “Quem precisa ser ouvido é aquele que está na ponta e que sofre a pressão para que direcione o seu voto”.

Para Edson Resende Castro, promotor de Justiça de Minas Gerais, a doutrina e a jurisprudência ficam a cargo de definir o que viola o princípio da liberdade do voto. “Essa violação configura abuso de poder. Mas é preciso evoluir na legislação para coibir, punir e registrar essas possibilidades”.

A questão afeta diretamente os direitos humanos, pois afeta a liberdade e a igualdade, confirmou o juiz do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, Antônio Veloso Pelesa Júnior. Para ele a atuação da Justiça Trabalhista nas últimas eleições foi fundamental, destacando que “sem essa intervenção, o pleito poderia ter tido outros caminhos”. Ainda segundo Antônio, o assédio eleitoral foi combatido pelo ramo trabalhista por reflexo das normativas nacionais e internacionais vigentes relacionadas ao tema. “O trabalhador, quando é diminuído extraindo a força do voto, se torna vulnerável”, pontuou.

A afirmativa foi reforçada pela mediadora da mesa, Gabriela Lenz de Lacerda, juíza do Tribunal Regional do Trabalho (TRT4/RS) e auxiliar na Presidência do TST. “A vulnerabilidade do trabalhador acabou sendo agudizada pelo desmonte do direito do trabalho. A reforma trabalhista e as situações de precarização extrema criam um ambiente propício para deixar o trabalhador, que já está nessa relação desigual, hipossuficiente”, disse.

Para a juíza, o enfrentamento ao assédio moral passa por ter uma Justiça do trabalho forte, que garanta o acesso a condições mínimas, para que seja possível resistir. “Nisso, lembramos a importância do papel dos sindicatos, como um mecanismo de resistência a essas violências. É preciso perceber também a sutileza do assédio eleitoral, que não se apresenta da mesma forma. Nas próximas eleições, os mecanismos poderão ser distintos e precisamos estar atentos e amadurecer esse tema”, disse.

Nesse contexto, a professora Elda Bussingner disse que o CNJ tem um dos papéis mais fundamentais para que se possa “manter o conceito de ética e de excelência”. Já o assédio moral motivado por uma questão política, segundo ela, provoca danos psicológicos, econômicos, sociais e ainda produz fraturas na democracia. “E é isso que está em risco”.

Os painéis encerraram o segundo dia de debates do Seminário Combate ao Assédio Eleitoral, promovido pelo CNJ, em parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e Ministério Público do Trabalho (MPT) nos dias 17 e 18 de agosto, na sede do Conselho, em Brasília.

Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube

Texto: Lenir Camimura e Luís Cláudio Cicci
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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