Para especialistas, abordagem multidisciplinar é fundamental no tratamento da dependência química

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Webinário Saúde Mental e Demandas Judiciais: Ações Necessárias - Imagens/Web: Laila Manchineri/Ag. CNJ
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Os impactos do uso de drogas na saúde mental dos jovens e os tratamentos oferecidos aos dependentes químicos foram destaque no webinário “Saúde mental e demandas judiciais: ações necessárias”, realizado na sexta-feira (6/10) pelo Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde (Fonajus). Especialistas no assunto afirmaram tratar-se de problema multifatorial, que demanda, igualmente, abordagem multidisciplinar.

Os médicos psiquiatras Mauro Aranha e Marcelo Ribeiro compartilharam experiências no combate aos efeitos da drogadição à frente de conselhos vinculados ao governo estadual e municipal de São Paulo. Quando estava à frente do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas do Estado de São Paulo (Coned), Mauro Aranha propôs uma política calcada no respeito à dignidade humana. “A iniciativa tinha como princípio uma visão científica do problema das drogas como uma questão multifatorial, tornando necessária a integração nas várias etapas da abordagem das drogas entre as quais estão a prevenção, o tratamento, a reinserção social, a redução de danos”, declarou.

Com mais de 10 anos de experiência no atendimento de drogatidos na Cracolândia, local que concentra dependentes no centro de São Paulo, o psiquiatra Marcelo Ribeiro afirmou que é possível ver gerações se formando nesse lugar, com mães, filhas e netas que nasceram na área. “O que falta para o Brasil lidar de forma mais eficiente com as cenas abertas de uso de drogas é reduzir danos e investir em tratamentos, cuidados e portas de saída. É preciso pensar e estabelecer metas para resolver esse problema em 10 ou 20 anos e trabalhar a partir de ações básicas”, defendeu.

O painel “Saúde mental, juventude e drogadição” também contou com a participação do advogado, doutor e mestre em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP) Leandro Sarcedo, que teceu críticas à abordagem do tema nas Justiça. Sarcedo elencou algumas dos encaminhamentos do tema, pelo Poder Judiciário, nos últimos tempos. O Supremo Tribunal Federal (STF), conforme explicou, vem criando parcial consenso no julgamento da RE 635.659 no sentido de julgar inconstitucional a criminalização do porte de maconha. “Esse direcionamento deixa de fora o perfil da população mais vulnerável, estigmatizada pelo uso e adição principalmente do crack”, disse.

Para o advogado, o sistema jurídico que lida diretamente com o universo da drogadição é essencialmente punitivista. Segundo ele, a “Pesquisa Nacional sobre o uso de crack: quem são usuários de crack ou similares no Brasil” mostra que os usuários de crack ou similares têm perfil muito específico. Das pessoas analisadas, 78,68% são homens, 79,15% não brancos e 78,11% pouco escolarizados. “O julgamento em curso no STF, ainda que menos abrangente do que o desejado, pode trazer benefícios aos procedimentos e encaminhamentos dos atendimentos ao sistema público de saúde aos drogatidos”, disse.

Políticas públicas

Para o diretor de Pesquisa, Avaliação e Gestão de Informações da Secretaria Nacional sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad do Ministério da Justiça), Mauricio Fiore, explicou a reorganização do governo federal no sentido de combater a drogadição de jovens e adultos. “As drogas têm esse aspecto multidimensional. Não é possível criar uma política pública única de combate às drogas, pois envolve muitas áreas do governo. Hoje, 27% das pessoas que estão inseridas no sistema penal respondem por crimes que estão na lei de drogas (Lei 11.343/2006)”, disse.

Maurício destacou haver um corte na zona mais extrema da vulnerabilidade presente nas cracolândias, nas prisões, nos confrontos com a polícia ou sendo vítimas de assassinato. “Nesse público, temos agir na redução da vulnerabilidade. É um erro tratar o tema como se restringisse apenas ao uso problemático de substâncias ou à dependência química quando tratamos desse público”, concluiu.

Cenário pós-pandemia

“Os impactos da saúde mental no pós-pandemia: no trabalho, na sociedade e no Poder Judiciário” foi o tema debatido no quarto painel do evento. Presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), Arthur Chioro enumerou as consequências profundas e desafiadoras que ainda impactam o mundo depois de passado o momento crítico da crise sanitária. Ao destacar que atualmente muitas pessoas ainda enfrentam o sofrimento da covid longa, o especialista falou sobre o fato de muitos pacientes terem abandonado os tratamentos durante a pandemia. “Em muitos casos, houve agravamento das condições de saúde, inclusive de questões mentais. Houve ainda o recrudescimento das internações em ambiente hospitalar”, observou.

Segundo Chioro, o agravamento da situação no contexto dos transtornos mentais, assim como o uso abusivo de álcool e drogas, já se colocava como grande desafio no mundo, em especial no Brasil, antes mesmo da covid-19. “É inevitável que nós tenhamos de elevar esse tema a um patamar de maior gravidade. Ele deve adquirir um patamar ainda mais elevado na agenda política.” O médico observou que, no momento, o Sistema Único de Saúde está alinhado aos princípios da reforma psiquiátrica e devem conduzir a atuação das políticas no país.

O presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares afirmou que é preciso respeitar as singularidades das pessoas na definição dos tratamentos, acima de tudo enquanto cidadãos. “A nossa ação tem que ser fundamentada na ideia de resgate da capacidade de autonomia das pessoas sobre suas próprias vidas, o que rejeita a ideia da internação compulsória”, pontuou. “O cuidar da saúde mental e os impactos que isso tem sobre o trabalho, sobre a sociedade, sobre a vida para além de uma mera remissão de sintomas”, concluiu.

Pessoas com deficiência

O webinário contou ainda com um debate a respeito da saúde mental em grupos específicos. “Estamos vivenciando um aumento significativo nas demandas relacionadas à saúde. Nós precisamos de respaldo para que nossas decisões sejam adequadas à realidade” afirmou a juíza Ana Cláudia Brandão, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, comentando sobre a atuação do CNJ e do Fonajus. A fala da magistrada abordou as especificidades necessárias para a tomada de decisões ajustadas às necessidades de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

O painel “A saúde mental em grupos específicos: PCDS e TDAH”, presidido pelo assessor jurídico do Conselho Nacional de Secretários de Saúde e membro do Comitê Executivo Nacional do Fonajus, Leonardo Vilela, ainda contou com a participação da juíza do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul Nadja Zanella e do psicólogo Rodrigo Pacheco, que apontou a necessidade de constantes debates sobre a corresponsabilização dos atores envolvidos tanto no Sistema de Saúde, quanto no de Justiça, para melhorias no atendimento às demandas relacionadas à área de saúde no Brasil.

Encerramento

Supervisor do Fonajus, o conselheiro Richard Pae Kim salientou a importância das informações trazidas ao longo do evento. No encerramento, ele afirmou que os dados são fundamentais para os juízes e membros do Sistema de Justiça compreenderem os fenômenos que atingem o dia a dia tanto no Judiciário como na saúde. “Nesse sentido é fundamental que os magistrados conheçam os últimos apontamentos científicos”, concluiu.

A conclusão dos trabalhos contou ainda com a participação do advogado Luiz Felipe Conde e do conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Jayme Martins Oliveira Neto, ambos integrantes do Fonajus. Conde ressaltou que o tema é uma fonte de preocupação que cresceu muito nos últimos 40 anos. “A despeito dos avanços da medicina, o ramo que menos evoluiu diz respeito à saúde mental. Claramente, há uma deficiência sobre como tratar esse tema, incluindo locais como a Cracolândia. O CNJ, com o webinário, contribuiu para darmos mais um passo no enfrentamento às drogas para que possamos melhor compreender e melhor conversar”, enfatizou.

Jayme Martins Oliveira Neto analisou a importância de observar cuidadosamente as mudanças sociais radicais. O conselheiro colocou o CNMP à disposição para o aprofundamento dos debates sobre a saúde mental e a questão das drogas. Jayme destacou a aprovação da Resolução CNMP n. 265/2023, que institui a Política Nacional de Atenção à Saúde Mental dos Integrantes do Ministério Público.

Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube

Texto: Ana Moura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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