A subnotificação de casos e a dificuldade na obtenção de dados são os principais desafios do Poder Judiciário brasileiro no combate do tráfico de pessoas no país. Buscando justamente superar esses obstáculos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) trabalha para aperfeiçoar mecanismos e dar respostas mais efetivas às questões relacionadas ao tema.
No enfrentamento ao problema indicado pelo Relatório Situacional do Brasil – divulgado no final de junho pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) -, CNJ e Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) mantêm acordo de cooperação técnica para o estabelecimento de ações de fortalecimento da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Decreto 5.948/2006).
Em solenidade realizada nesta quinta-feira (29/7) em homenagem ao Dia Mundial e Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que é celebrado em 30 de julho, a conselheira do CNJ Tânia Regina Silva Reckziegel destacou os principais resultados. Ela coordena o Comitê Nacional Judicial de Enfrentamento à Exploração do Trabalho em Condição Análoga à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas e o Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (Fontet). “O CNJ vem atuando incansavelmente para concretização dos objetivos do acordo de cooperação, promovendo atuações intersetoriais, sempre buscando meios de aperfeiçoamento das políticas públicas judiciárias e de aprimoramento de ações preventivas e repressivas de tais crimes.”
O Fontet foi criado para, entre outras ações, levantar dados estatísticos relativos ao número, à tramitação, às sanções impostas e outros dados relevantes sobre inquéritos e ações judiciais referentes à exploração de pessoas em condições análogas à de trabalho escravo e do tráfico de pessoas. O acordo de cooperação reforça a articulação para prevenir e enfrentar o problema e facilitar a troca de dados, informações e experiências entre os órgãos sobre esse crime e, ainda, viabilizar análise conjunta e comparação de dados e informações existentes.
Segundo Tânia, o sistema de levantamento de dados judiciais relativos ao tráfico de pessoas sempre foi objeto de debates de inúmeras reuniões e pontuado como mecanismo essencial na aferição das deficiências judiciárias e aperfeiçoamento do sistema. “O caminhar é longo e paulatino. Por certo, a união dos poderes e da comunidade global desempenha fundamental papel nessa luta”, frisou, agradecendo a contribuição da Coordenação-Geral de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes.
Para auxiliar na coleta desses dados, foi realizada no final de março a alteração da tabela de classificação de assuntos dos processos judiciais. Foram criados códigos específicos para ações relacionadas a trabalho escravo e a tráfico de pessoas no ramo do Direito do Trabalho, bem como conferindo maior especificidade nos assuntos relativos às temáticas no ramo do Direito Penal, de forma a possibilitar a identificação das demandas com maior fidelidade.
Com essas alterações, será possível ter dados mais fiéis do Judiciário, auxiliando no conhecimento dos pontos deficitários em todas as esferas de Poder e contribuindo para melhorar as atuações nessa área e fortalecer o Sistema de Justiça no enfrentamento ao tráfico de pessoas. “Por certo, os frutos de tal alteração serão melhor verificados com o decorrer do ano, após o preenchimento dos dados a partir da nova disposição”, explicou a conselheira do CNJ.
As tabelas processuais unificadas foram instituídas pela Resolução CNJ n.46/2007. Antes da normatização, tribunais e até varas davam nomes diferentes a ações similares. A falta de padronização inviabilizava o cálculo de estatísticas da movimentação processual no país.
Tânia Reckziegel também destacou que, em 30 de abril, o CNJ compartilhou com o Ministério da Justiça dados relativos ao número de processos judiciais ajuizados de 2017 a 2020 e que envolvem tráfico de pessoas, obtidos por meio da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (DataJud). “Ainda, a partir de sugestão apresentada pela Coordenação-geral de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes, realizamos o encaminhamento de ofício à Embaixada dos EUA no Brasil, ao Ministério Público do Trabalho, ao Ministério Público Federal e à Defensoria Pública da União solicitando apoio para consolidação dos dados atinentes ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo”, explicou, acrescentando que o CNJ realizou a intimação de todos os tribunais federais, de Justiça e do Trabalho para que procedam o levantamento dos dados relativos à temática.
Curso-piloto
Outra ação do CNJ que está em desenvolvimento, em parceria com o UNODC, é um curso on-line sobre tráfico de pessoas e fluxos migratórios. O conteúdo da capacitação, voltada a magistrados e magistradas, vai enfocar a aplicação da Lei 13.344/2016 (Lei de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas), o enquadramento legal do crime, a jurisprudência nacional, regional e internacional sobre a matéria, os desafios do conjunto probatório e técnicas de entrevista com vítimas.
O curso será realizado pela plataforma de cursos da Escola Paulista de Magistratura, com aulas ao vivo e gravadas, fóruns de discussão e realização de tarefas. Indica-se que o curso tenha duração de 40 horas, distribuídas por quatro semanas (10h por semana), com a oferta de até 40 vagas.
Além do curso-piloto, a conselheira do CNJ destacou a importância de ações para reforçar a sensibilização da sociedade. “Ressalto que a realização de campanhas constitui ferramenta fundamental nas lutas sociais, pois o amplo conhecimento das questões pela sociedade permite a criação de uma rede de proteção. Informam sobre serviços e programas de prevenção, atendimento e repressão.”
Situação preocupante
O secretário nacional de Justiça do MJSP, Cláudio Panoeiro, alertou que o tráfico de pessoas constitui hoje a terceira maior rede criminosa no mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e o de armas. E contou que, desde 2006, com a edição do Decreto 5.948, o Brasil adota políticas públicas para o enfrentamento do problema, da repressão ao crime e da prevenção e atendimento às vítimas. “Se os Estados não adotarem qualquer providência no sentido de enfrentar esses ilícitos, até o final deste século ela se tornará, sem dúvida, a maior de todas as mazelas da humanidade do ponto de vista criminal.”
Já o secretário-executivo do Ministério, Márcio Nunes de Oliveira, destacou o lançamento do Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas – Dados 2017 a 2020, o primeiro no âmbito da Lei 13.344/2016, que ampliou as finalidades de exploração decorrentes do tráfico, entre outras inovações. “É um instrumento importante para o aprimoramento da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que agora em 2021 completa 15 anos. O relatório é uma parceria com a UNODC e reúne dados de diversos órgãos que transversalmente trabalham com a temática.”
A legislação brasileira reconhece como tráfico de pessoas o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas recorrendo à ameaça ou uso de força ou outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. O crime inclui a exploração da prostituição ou outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares, a servidão ou a remoção de órgãos.
Carolina Lobo
Agência CNJ de Notícias