A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) que, no Brasil, já fez mais de 250 mil vítimas fatais, traz a marca da importância do Estado Social de Direito para a sociedade e o reconhecimento de que não há cidadania sem justiça. Essas visões foram apresentadas no painel “Pandemia e Justiça Social”, realizado na última segunda-feira (22/2) durante o “II Democratizando o Acesso à Justiça: Justiça Social e Poder Judiciário no Século XXI”.
Realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o evento colocou em debate ações que possam ampliar o acesso à Justiça e projetos voltados ao combate à discriminação, ao preconceito e a outras expressões da desigualdade. Os debates foram conduzidos pela conselheira do CNJ Flávia Moreira Guimarães Pessoa, presidente da Comissão Permanente de Democratização e Aperfeiçoamentos dos Serviços Judiciários.
O vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Luiz Phillipe Vieira de Mello Filho, abordou o novo paradigma de acesso à Justiça no século XXI, destacando que cabe ao Judiciário prestar serviço aos cidadãos com qualidade, eficiência, imparcialidade e com inequívoco valor do que é justo. “Quando se pensa em jurisdição, o Poder Judiciário não detém um poder com um fim em si mesmo. É um poder que se exerce na medida de um dever com um contorno público da mais alta relevância: prestar serviço público de Justiça.”
Mello Filho afirmou que, a partir da centralização do sistema de Justiça, houve uma reorientação para o cidadão como destinatário final dos serviços. E o debate sobre o acesso à Justiça passou a ser feito a partir da ótica da cidadania e da garantia de direitos. “Não há cidadania sem Justiça e a Justiça não se faz se não se servir à cidadania, simples assim. Prédios, ritos, formalidades, togas, prerrogativas becas, nada disso faz sentido se não servir à cidadania.”
O ministro do TST explicou que a capacidade do Judiciário em dar respostas rápidas, adequadas, diretas e efetivas aos problemas das pessoas é o que dá o tom do novo paradigma de acesso à justiça. Para Luiz Phillippe, as pessoas precisam de soluções para seus problemas cotidianos e os órgãos judiciais devem proporcionar isso. Para tal, ele propôs uma reformulação na formação dos juízes a partir da ética, alteridade e novas formas de resolução de conflitos, reforçando que magistratura deve ser exercida com independência e a garantia de inexistência de privilégios.
Isonomia
Já o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin destacou que o enfrentamento da pandemia deixa, como lição, a importância do Estado Social de Direito. E que esse modelo democrático é o elemento vitorioso da crise sanitária. “Imaginemos o desastre social, humano e econômico que seria enfrentar uma pandemia desta magnitude sem contar o Estado Social de Direito. Então, aqueles que propõem que nossa Constituição de 1988 está démodé, ultrapassada, filosoficamente atrasada, aqueles que advogam deixar o mercado cuidar de tudo, agora é o julgamento deste discurso de um Estado antissocial.”
Bejamin trouxe questionamentos sobre o impacto social e econômico da pandemia, colocando futuras implicações da crise sanitária no Direito e na prestação jurisdicional. Para ele, assim como no passado, demandas serão encaminhadas ao Judiciário sobre quais agentes irão pagar a conta da pandemia no Brasil e quais receberão indenizações. “A pergunta é se os brasileiros, sobretudo os mais pobres, pagarão duas vezes. E se todos nós brasileiros seremos obrigados a pagar a conta da pandemia por meio de prestações jurisdicionais anti-isonômicas.”
Ele citou casos de setores econômicos que, anos após o período de inflação alta, recorreram à Justiça pedindo indenizações. Foi, conforme Herman Benjamin, um tratamento anti-isonômico em que se atribuiu a alguns agentes econômicos mais fortes do mercado direitos que haviam sido negados à população.
Naquela ocasião, lembrou ele, a sociedade pagou a conta da inflação alta duas vezes: primeiro por meio da perda do poder de compra. Depois, por meio do aumento de tributos ou pela redução da oferta de serviços sociais em áreas como educação e saúde. “E agora [na pandemia] a pergunta é: que tipo e uso se vai fazer do Poder Judiciário? Devemos, como juízes, estar atentos para que um pequeno grupo de agentes econômico venha alegar tragédias maiores do que aqueles que perderam familiares e buscar reparação em bilhões em algo completamente imprevisível. Esta é uma cautela que nós juristas e juízes do Estado Social temos que ter. E ter olhos abertos para evitar que o Poder Judiciário seja usado de forma anti-isonômica.”
Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias