Palavras em busca da saúde mental

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Fotoarte: CNJ
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“O que faz nossas vidas ter sentido? Com que alma meu ser foi revestido? As respostas irão me permitir enxergar de outra forma o existir”. Este é um trecho da poesia “Reflexão”, o auxiliar judiciário da comarca de Itapetim (PE) Luiz Carlos dos Anjos Filho. Seus versos e estrofes foram utilizados na construção de um novo olhar para os reflexos da pandemia da Covid-19.

Luiz conta que o texto literário compõe um dos exercícios que ele desenvolveu no curso “O uso cotidiano da poesia”, iniciativa promovida pela Escola Judicial de Pernambuco (Esmape) voltado à utilização prática do gênero como ferramenta de construção da saúde mental. “O curso estimula uma visão apurada, diferenciada e crítica da vida e do nosso cotidiano através da poesia. A poesia, entre tantas definições, expressa sentimentos, pensamentos e atitudes. É um reflexo da vida e pode nos trazer bons sentimentos.”

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Natural de São José do Egito (PE), conhecida como “Berço Imortal da Poesia”, o auxiliar judiciário traz consigo a força das rimas ao longo de sua trajetória, inclusive no olhar que lança no retorno às suas atividades cotidianas na distribuição processual, no recebimento de expediente e na contadoria da comarca. “Com toda certeza, a poesia pode ajudar na nossa saúde mental em meio ao sentimento de medo, cuidado e adequação à nova realidade. A poesia nos leva a momentos de reflexão e introspecção de forma prazerosa.”

Para o analista judiciário do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) Pedro Gabriel, ao rimar as atividades desenvolvidas pela Esmape com as da Diretoria de Saúde, o tribunal deu uma métrica própria ao atendimento e acompanhamento psicológico dos servidores, magistrados e colaboradores. “Sou testemunha da eficácia e celeridade do TJPE em se reinventar, se readaptar. Os efeitos disso foram muitos e todos bem positivos. Os servidores sentiram-se ouvidos, atendidos e saíram dessas atividades com propostas práticas de como lidar com essa solidão.”

Os serviços voltados para a saúde mental do TJPE foram todos convertidos ao modelo virtual, com plantões on-line. Um atendimento constante para dar atenção aos muitos casos de urgência subjetiva, em que servidores e magistrados puderam ser ouvidos e amparados frente aos diferentes sentimentos vividos. “A palavra operou sua magia em todos os ambientes em que foi evocada: em palestras, cursos, plantões e, sobretudo, nas sessões com os pacientes”, contou Pedro Gabriel.

Parte das iniciativas do TJPE em prol da saúde mental aproveitou os 33 anos da Esmape, celebrados em agosto, quando o estado vivia em risco epidêmico alto, explicou o juiz supervisor da Esmape, Silvio Romero Beltrão, um dos incentivadores das atividades que envolvem ludicidade e psicologia no órgão. “Em razão da pandemia e os problemas mentais causados pelo isolamento social, nos vimos no dever de realizar atividades voltadas para o bem-estar. Muitas vezes, as pessoas só queriam matar a saudade do outro. Estavam em busca de uma palavra de apoio.”

Apoio mútuo

A interlocução também tem sido um dos elementos utilizados para apoiar os servidores do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) durante a atual pandemia. Um fator decisivo para o atendimento realizado no órgão foi a definição da abordagem de rastreio e tratamento como referência para as ações de saúde mental, a partir das diretrizes da Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário.

Acometido pelo novo coronavírus no mês de junho, o técnico judiciário Danilo Confessor foi um dos servidores e magistrados que contaram com o acolhimento prestado pela equipe da Secretária de Serviços Integrados de Saúde (SIS) do STJ. Embora os sintomas físicos tenham sido leves, a presença do vírus em seu corpo e o bombardeio de informações vindas de todos os lugares sobre os malefícios da doença fizeram com que a saúde mental de Danilo também sofresse abalos. “Mesmo tomando todos os cuidados, saindo de casa o mínimo possível, apresentei os sintomas da Covid-19, sendo confirmado que estava com a doença. Graças a Deus, tive sintomas leves, mas fiquei muito ansioso durante os 14 dias de evolução da doença.”

Danilo conta que, desde o início da pandemia, a SIS dá todo o suporte e acompanhamento psicológico, além de informar sobre a prevenção e o tratamento da doença. Ele destaca que uma das atividades que o ajudou bastante foi o projeto “Roda de Conversa”, um encontro semanal promovido pela Seção de Assistência Psicossocial do STJ de forma virtual. “O encontro é um ótimo momento conduzido pelos psicólogos do STJ, com apoio de outras áreas de Saúde, onde há muita troca de informação de qualidade, principalmente sobre saúde mental, mas também sobre a evolução da pandemia e outros temas.”

Os encontros duram, em média, 1h30 e os participantes são incentivados a trocar experiências sobre o atual contexto, contribuindo com suas experiências, dúvidas e opiniões. “Os debates acabam deixando aquele gostinho de quero mais. Eu, realmente, dou meus parabéns a toda a equipe que promovem essa atividade. Eles fazem a diferença.”

O tipo de abordagem realizado pelo STJ é defendido por pesquisadores e gestores de saúde no mundo inteiro para políticas de saúde mental em epidemias e catástrofes. Ela propõe o reconhecimento dos principais grupos de risco numa população para, então, definir estratégias de triagem e atendimento para as pessoas mais desgastadas ou adoecidas.

“No campo da saúde mental, a estratégia permitiu que uma equipe, com poucos profissionais, ampliasse o alcance de suas ações e atendesse a quase totalidade dos quadros de desgaste psicológico severos, conseguindo atender as pessoas que mais precisavam rapidamente e criando uma rede assistência e prevenção eficiente”, explica Fabio Pereira Angelim, psicólogo da SIS do STJ.

Com base no conceito de rastreio e tratamento, a SIS conseguiu triar mais de 500 servidores aposentados e encaminhar para tratamento 14 casos severos de desgaste psicológico. Ao todo, foram mais de 1,1 mil triagens e mais de 300 pessoas atendidas. Além disso, todos os colaboradores contatados foram esclarecidos quanto aos protocolos de prevenção e às referências de assistência médica caso apresentassem sintomas de Síndrome Gripal, quadro suspeito da Covid-19.

“É muito importante que a assistência em saúde mental seja realizada o mais breve possível para evitar um agravamento dos quadros. Problemas no desempenho, dificuldades para dormir, irritabilidade, desesperança, dificuldade de interagir com outras pessoas podem ser sintomas de transtornos mentais e merecem atenção especializada”, afirmou o psicólogo.

Em três semanas, o STJ viabilizou as condições para atendimento médico e psicológico on-line e desenvolveu ações voltadas à saúde mental para dez grupos de risco: servidores aposentados acima de 60 anos; pacientes com Covid-19; profissionais de saúde que trabalham no STJ; servidores com alto risco de suicídio; servidoras puérperas ou com filhos em idade pré-escolar; servidoras com risco de violência doméstica; servidoras com filhos em homeschooling; servidores com risco aumentado para transtornos mentais; servidores com queixas espontâneas de desgaste psicológico moderado ou severo; e servidores que vivenciaram luto.

Pesquisa

Em agosto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou os resultados de pesquisa sobre o impacto que as mudanças de hábito – surgidas no contexto da pandemia do novo coronavírus – tiveram na saúde mental de magistrados e servidores do Poder Judiciário. O levantamento contou com a colaboração de 46.788 magistrados e servidores, que responderam ao questionário de forma voluntária, anônima e sigilosa.

Dos que responderam à pesquisa, 47,8% declararam se sentir mais cansados quando comparado ao período pré-pandemia; 42,3% tiveram piora no humor e 48% tiveram alteração na rotina do sono. O sentimento mais citado entre magistrados e servidores foi o medo, atingindo 50% dos que responderam ao questionamento.

Alex Rodrigues
Agência CNJ de Notícias