O Observatório Nacional de Casos Complexos, de Grande Impacto e Repercussão ouviu, na noite dessa segunda-feira (24/6), especialistas, órgãos públicos, sociedade civil e representantes da empresa Braskem sobre o caso Pinheiro, em Maceió (AL). Segundo os presentes, rachaduras nas vias públicas e em cerca de 20 mil residências nos bairros de Pinheiro, Mutange e Bebedouro colocam em risco a vida de 42 mil pessoas que vivem na região. Ainda não há consenso sobre o que causou as rachaduras.
O caso Pinheiro foi incluído como tema de acompanhamento do Observatório em maio este ano. O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, ressaltou que o caso foi acolhido porque a experiência dos demais casos tem sido muito produtiva. “A situação em Pinheiro e outros bairros adjacentes pode chegar a uma solução que possa evitar um drama maior e uma tragédia”, afirmou.
Segundo a procuradora-geral da República e presidente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Raquel Dodge, o grupo elegeu outros quatro casos importantes – Chacina de Unaí, Incêndio da Boate Kiss, Barragem de Fundão e Barragem Mina Córrego do Feijão – para que sejam conhecidas as informações, haja diálogo entre as instituições e, se possível, incentivar a solução extrajudicial.
Apresentações
Em 2018, foi registrado um tremor de terra de 2,5 pontos na Escala Richter no bairro Pinheiro, na capital, Maceió (AL), atingindo também bairros adjacentes. Conforme explicação da procuradora Raquel Teixeira, do Ministério Público em Alagoas (MP-AL), foi instaurado o Inquérito Civil 1.11.000.000649/2018-29 para verificar o impacto dos tremores de terra sobre o meio ambiente e os direitos dos cidadãos. Estudos preliminares apontam a extração de sal-gema nas proximidades dos bairros, as chuvas fortes e a falta de saneamento como causas para o aparecimento das rachaduras nas casas e vias públicas.
Em trabalho conjunto com o governo municipal e estadual, foi decretado o estado de calamidade no bairro Pinheiro, Mutange e Bebedouro que, de acordo com a Defesa Civil, estão nas áreas de risco iminente. A procuradora informou ainda que ainda não é possível saber a dimensão dos impactos relacionados aos 35 poços de exploração de sal-gema, sob responsabilidade da empresa de mineração Braskem. Por recomendação da Defesa Civil, algumas áreas já foram evacuadas.
O Ministério Público reforçou a necessidade de prevenir uma catástrofe. Para tanto, sugeriu a instalação de sonares para verificar impactos e possibilidades. A procuradora disse que há dificuldade de realocação das famílias evacuadas e impactos psicológicos nas pessoas envolvidas. O MP apresentou, ainda, um Plano de Resposta Integrado, envolvendo a ampliação do mapa de risco, o monitoramento contínuo das áreas afetadas, a divulgação dos trabalhos e a negociação com o governo federal para a ampliação e prorrogação do Aluguel Social, a fim de facilitar a realocação das famílias.
Plano de gestão
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) também apresentou um Plano de Gestão de Risco Interinstitucional, reforçando a proposta de prorrogação do Aluguel Social, bem como o cadastro de potenciais vítimas. A conselheira Maria Tereza Uille reforçou o diagnóstico apresentado e apresentou o levantamento das ações judiciais sobre o caso: uma delas é uma ação popular de crime contra o meio ambiente com valor da causa de R$ 11,5 milhões. A outra é uma ação civil pública que tramita na 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Alagoas. Uille ressaltou que o Observatório buscou entender o problema, encontrar soluções e ter um instrumento de gestão para o tema.
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Para o conselheiro do CNJ Valdetário Monteiro, há um êxito do Observatório em relação ao planejamento e às possibilidades de solução, bem como a expansão da comunidade jurídica, interagindo com a dicotomia: como chegar a uma solução, sem inviabilizar as atividades das empresas, já que as pessoas também dependem delas para seu sustento.
De acordo com o secretário nacional da Defesa Civil, coronel Alexandre Lucas, é preciso um esforço institucional para proteger a vida e a economia da região. “Nenhum desastre demanda a atuação de um único órgão. O Poder Judiciário está entendendo que há outros fatores que nem sempre podem ser resolvidos apenas com uma decisão judicial”, defendeu.
O Ministério Público do Trabalho de Alagoas reforçou o impacto sobre a economia local. A procuradora do Trabalho Rosimeire Lobo disse que um número expressivo de empresas tem fechado na região atingida, o que representa a perda de empregos. Além disso, foi detectado o fechamento de escolas por causa das rachaduras. Ambas as situações podem levar ao crescimento do trabalho infantil. Para fazer frente ao problema, o MPT está trabalhando com parcerias para reduzir o impacto com taxas de gás, impostos, dívida ativa, IPTU e ISS, por exemplo.
Estudos
O primeiro levantamento apresentado ao Ministério Público foi realizado pela CPRM Serviço Geológico do Brasil. O documento indicava falta de monitoramento das minas de extração de sal-gema da Braskem como a principal causa para a movimentação da terra sob os bairros afetados. O processo erosivo causou a desestabilização, que foi reforçado pela falta da rede de drenagem e saneamento básico. A empresa Braskem, no entanto, afirmou que também está realizando estudos e que, até agora, não confirmam os resultados da CPRM.
A empresa disse que utiliza tecnologia avançada para fazer o diagnóstico necessário e que tem tomado medidas para mitigar os problemas. Segundo a Braskem, já foram utilizados 127 sonares para estudar as cavidades nos poços de extração. Para CPMR, isso não é o suficiente para o monitoramento em 40 anos de atuação na região.
A Associação dos Moradores e empresários de Pinheiro também contestou as informações da Braskem. Para Alexandre Sampaio, representante da Associação, a situação põe em risco vidas e empresas da região e é resultado de um conjunto de omissões. “O bairro está adoecido e o CNMP e o CNJ precisam ter sensibilidade para resolver isso”, afirmou.
Ao final, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que é preciso construir uma solução, prevenir perdas e manter a dignidade humana. “Podemos fazer deste encontro um momento histórico se aproveitarmos nosso diálogo para chegar a uma solução que seja rápida e não apenas indenizatória, mas também protetiva de vidas humanas, empregos e propriedades. A tragédia não pode se concretizar”, afirmou.
O ministro Dias Toffoli lembrou que não é o Observatório que vai decidir a questão, mas sim fomentar o diálogo. “Quando tudo vai parar no Judiciário, isso demonstra o fracasso das demais instituições e da sociedade. A criação do Observatório reforça a prevenção. A decisão judicial volta-se para um passado e não traz a resposta necessária. Isso traz um foco maior na urgência da solução, mas não pode substituir as responsabilidades”, reforçou.
O Observatório Nacional voltará a se reunir após o recesso forense.
Lenir Camimura Herculano
Agência CNJ de Notícias