José Barroso Filho*
Marilena Chauí define que ocorre violência toda vez que uma pessoa trata a outra como um objeto.
Podemos fazer uma classificação:
– Violência Física. Acontece quando através da força física, uma pessoa causa ou tenta causar dano não acidental à outra, das mais diversas formas: tapas, empurrões, socos, mordidas, chutes, queimaduras, cortes, estrangulamento, lesões por armas ou objetos, obriga a tomar medicamentos desnecessários ou inadequados, álcool, drogas ou outras substâncias, inclusive alimentos.
– Violência Psicológica. A violência psicológica é bastante ampla e é entendida ainda como toda ação ou omissão que causa ou visa causar dano à auto-estima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa. Inclui: insultos constantes, humilhação, desvalorização, chantagem, isolamento de amigos e familiares, ridicularização, rechaço, manipulação afetiva, exploração, negligência (atos de omissão a cuidados e proteção contra agravos evitáveis como situações de perigo, doenças, gravidez, alimentação, higiene, entre outros), ameaças, privação arbitrária da liberdade (impedimento de trabalhar, estudar, cuidar da aparência pessoal, gerenciar o próprio dinheiro, brincar, etc), confinamento doméstico, críticas pelo desempenho sexual, omissão de carinho e negar atenção e supervisão.
– Violência Sexual. Para o MINISTÉRIO DA SAÚDE (2002) a violência sexual constitui-se em toda ação na qual uma pessoa em relação de poder e através da força física, coerção ou intimidação psicológica, obriga uma outra ao ato sexual contra a sua vontade, ou que a exponha em interações sexuais que propiciam sua vitimização, da qual o agressor tenta obter gratificação. A violência sexual ocorre em uma variedade de situações como estupro, sexo forçado no casamento, abuso sexual infantil, abuso incestuoso e assédio sexual.
– Violência econômica ou financeira. Engloba-se nesta definição todos os atos destrutivos ou omissões do(a) agressor (a) que afetam a saúde emocional e a sobrevivência dos membros da família. Incluindo: roubo, destruição de bens pessoais (roupas, objetos, documentos, animais de estimação e outros) ou de bens da sociedade conjugal (residência, móveis e utensílios domésticos, terras e outros), recusa de pagar a pensão alimentícia ou de participar nos gastos básicos para a sobrevivência do núcleo familiar, uso dos recursos econômicos de pessoa idosa, tutelada ou incapaz, destituindo-a de gerir seus próprios recursos e deixando- a sem provimentos e cuidados (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002).
Nossa sociedade está construída sob uma ordem social que continua patriarcal.
Os homens dominam o espaço público, sem perderem a dimensão e o controle do espaço doméstico, por isso a necessidade de mudar o estado das coisas, tentar romper com este modo a que as mulheres foram condicionadas, a ocuparem um espaço bem mais limitado do que o homem.
Neste contexto, assevera a Juíza Andréa Pachá – Conselheira do Conselho Nacional de Justiça: “a violência de gênero se mantém. Ela não discrimina classe social, grau de escolaridade, renda ou idade. É uma violência silenciosa, que afronta a dignidade individual e corrói os valores e a estrutura das famílias”.
A Assembléia Geral das Nações Unidas, adotou em dezembro de 1993, a Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra a Mulher, como o primeiro documento internacional de direitos humanos que trata exclusivamente sobre a violência contra a mulher. Nesta declaração afirma-se que a violência contra a mulher infringe, e por sua vez deteriora ou anula, o aproveitamento da mulher de seus direitos humanos e liberdades fundamentais e as Nações se preocupam pela demora e falta de proteção e promoção de seus direitos e liberdade com relação à violência contra a mulher.
Em especial, precisamos entender que a violência doméstica acontece dentro de um ciclo e acaba estabelecendo um tipo de vínculo especial entre o agressor e a vítima.
A primeira relação que se estabelece é de confiança. O companheiro ou marido traz para ela aspectos positivos e ela projeta nessa pessoa perspectivas de vida relacionamento de mais longo prazo com ele. Constata-se que a primeira violência nunca acontece no primeiro dia, no primeiro encontro.
Há uma dificuldade de comunicação, pois a primeira agressão rompe uma relação de confiança atingindo uma relação que era satisfatória.
Muitas mulheres chegam a se perguntar: O que fizeram de errado?
A violência inicial desorienta a mulher e ela tende a apresentar sintomas de depressão e ansiedade.
Isolada neste processo, a mulher culpa-se pela situação, entra em um processo de resistência passiva e se habitua a conviver com aquele tipo de situação.
A vítima passa a assumir o modelo mental do seu agressor. É quando ela passa a pensar que ele está certo e ela está errada, mas com o objetivo de garantir a integridade psicológica e adaptar-se à situação.
Nesse momento, ocorre o que chamamos de identificação com o agressor.
Esta relação é somatizada pela mulher. É a chamada “Síndrome da Mulher Espancada” “battering syndrome”, na qual a violência é acompanhada do aumento de sintomas clínicos em geral e problemas emocionais com sofrimento duradouro. Embora sofra, por falta de opção e atenção do Poder Público, a mulher continua convivendo com o agressor e perpetuando a vitmização.
Observa-se a similitude com a denominada “Síndrome de Estocolmo”, quando a vítima se identifica com o seqüestrador. Este passa a ser o seu ponto de referência e segurança, e a ameaça fica ligada ao exterior.
Na medida em que essa mulher fica isolada, sem alguém que possa ajudá-la a entender o que está acontecendo nem garantir-lhe a segurança de que precisa, ela passa a se adaptar a essa situação, para manter um bom relacionamento com o agressor. Tal é a desesperança que busca segurança no próprio agressor.
A mulher passa a desenvolver grande dependência do agressor, idealização do agressor e defesa das razões do agressor.
Estes sinais associados aos sentimentos preponderantes de tristeza, raiva e desesperança, sugerem a presença da “síndrome da mulher espancada”, cuja principal característica é a desesperança apreendida.
A maioria das mulheres têm dificuldade em considerar os atos como violentos nas fases iniciais, geralmente marcadas por “agressões verbais, ciúmes, ameaças, destruição de objetos etc.”
A mulher sofre um distúrbio de percepção e avaliando o agressor como cansado e/ou alcoolizado, alivia a responsabilidade dos atos violentos comportando-se como cúmplice.
Nós precisamos desenvolver, nas palavras da Ministra Ellen Gracie, Presidente do Supremo Tribunal Federal: “um patamar de referência processual afirmativa e de sensibilização dos atores judiciais e da opinião pública para que não se reproduza, como sempre, a representação ideológico/cultural de dominação do homem sobre a mulher, de ricos sobre pobres e de incluídos sobre os socialmente excluídos”.
Não podemos permitir este tipo de violência, afinal, nas palavras de Milton Campos:
“Os braços que quedam são os braços da conivência”.
Ser violento. Tratar o outro como objeto é violar a dignidade de todos nós.
Afinal, “por quem dobram os sinos ?… dobram por todos nós”
(*) José Barroso Filho é juiz-auditor da Justiça Militar Federal; Juiz-Auxiliar da Presidência do CNJ; Selecionado pela ONU para o Posto de Juiz Internacional em Timor-Leste; Professor universitário; Doutorando em Administração Pública pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha); Diploma de Estudos Avançados em Administração Pública (Universidad Complutense de Madrid – Espanha);Mestre em Direito pela UFBA; Especialista em Direito Público pela UNIFACS, pós-graduado pela Escola Judicial Edésio Fernandes/MG, pela Escola de Formação de Magistrados/Ba e pela Escola Superior de Guerra (RJ); Professor da Escola de Magistrados / Bahia; Professor de Cursos de pós-graduação do CIESA (AM), Fundação Visconde de Cairu (Ba) e CCJB (Ba); Conferencista da Escola de Administração do Exército (ESAEX); Diretor científico do Centro de Cultura Jurídica da Bahia (CCJB); Membro do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Direito Público; Sócio da Associação Brasileira de Ensino de Direito (ABEDI), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB); Membro de Bancas Examinadoras em Concursos Jurídicos; Ex- Juiz de Direito (MG); Ex-Juiz de Direito (PE); Ex- Juiz Eleitoral (45ª e 123ª Zonas Eleitorais – TRE/PE); Ex- Promotor de Justiça (BA); Autor de vários artigos jurídicos e autor dos livros: “Ato Infracional” e ” Desenvolve Amazônia”.
Artigo publicado em 17 de março de 2008