Os processos de construção da cidadania por meio da ampliação do acesso à Justiça a partir da análise das vulnerabilidades de segmentos da sociedade encerraram o segundo painel do 17º Encontro Nacional do Poder Judiciário, nesta terça-feira (5/12), em Salvador. Mediados pela conselheira Jane Granzoto, os debates abordaram como o Judiciário atua no enfrentamento das vulnerabilidades com recortes racial, de gênero, englobando ainda as populações de rua e as pessoas privadas de liberdade.
Pessoas em situação de rua
Ao analisar o acesso à justiça pelas pessoas em situação de rua, o conselheiro Pablo Barreto Coutinho destacou que, para além do compromisso com a sociedade de prestação jurisdicional, o Poder Judiciário tem de se voltar para aqueles que são marginalizados. “Precisamos tomar uma posição ativa no acesso à Justiça. Levantamento do IPEA mostra que a população de rua cresceu 211% entre 2012 e 2022, enquanto a população brasileira cresceu 11%”, afirmou.
De acordo com Barreto, os obstáculos das pessoas em situação de rua ao acesso físico aos tribunais se torna quase impossível em função das condições de vestimentas ou de higiene pessoal. “É preciso respeitar a dignidade dessas pessoas sem criminalizá-las pelo fato de elas estarem em situação de rua. Há a necessidade de promover o acesso aos direitos de cidadania e as políticas públicas”, disse. O conselheiro reafirmou a importância de projetos para o aperfeiçoamento de políticas como do Pop Rua Jud, que trouxe resultados significativos com a realização de mutirões e itinerâncias.
Exclusão de comunidades
Em sua fala, a secretária-geral do CNJ, Adriana Cruz, lembrou o legado do líder quilombola e intelectual Nego Bispo, falecido no último dia 3, no Piauí. Com o tema Proteção do Poder Judiciário para indígenas, quilombolas e demais comunidades tradicionais, a magistrada enfatizou a capacidade do racismo de calar comunidades quilombolas e ribeirinhas. “Quantos de nós fomos privados de conhecer Nego Bispo porque ele não se inseria nos padrões da intelectualidade? Conclamo para que nós do Judiciário nos engajemos nesse esforço de atender todas as pessoas sem discriminação”, ressaltou.
Para a secretária-geral, o Sistema de Justiça enxerga os excluídos como pessoas somente a partir do olhar criminal. “Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça tem se colocado como um espaço institucional essencial para que a sociedade veja suas demandas acolhidas. É necessário pontuar, no entanto, que o CNJ apenas sinaliza, é a ponta [tribunais e demais órgãos da Justiça] que deve implementar as mudanças”, declarou.
Gênero e raça
O papel do Judiciário na diminuição das desigualdades provocadas pela exclusão de pessoas pelos recortes raciais ou de gênero foi discutido pela juíza auxiliar da Presidência do CNJ Karen Luise. De acordo com a magistrada, o Judiciário historicamente reflete as desigualdades sociais do país, com ausência de perspectiva racial e de gênero em seus julgamentos e na sua composição. “Não vamos emancipar pessoas se negligenciarmos com a violência doméstica, especialmente de mulheres negras, por exemplo, que são 66% das vítimas de feminicídio no país”, analisou.
Karen ressaltou que muitas pessoas negras não vivem, apenas sobrevivem à insegurança alimentar, à ausência de educação, à privação de saúde, à criminalidade, e também à negligência institucional, pois está ausente um olhar qualificado que considere a raça como um dos motivos que gera essa privação de direitos. “Eles (mulheres e população negra) batem às nossas portas diariamente, mas a venda da Justiça é usada como justificativa para não vermos que elas possuem gênero e cor, e que são exatamente esses marcadores que as levaram até nós em condição de maior vulnerabilidade. O problema não é o acesso, mas a justiça produzida”, refletiu.
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Encarcerados
Ao abordar as funções do Judiciário no enfrentamento ao Estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro, o juiz auxiliar da Presidência do CNJ e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), Luís Lanfredi, classificou as penitenciárias brasileiras como laboratórios de exclusão. “Atualmente, temos uma população carcerária composta por 650 mil pessoas, com déficit de espaço de 250 mil vagas. Do total de encarcerados, 90% são homens do quais 68% negros. Somente 5% são mulheres, das quais 75% foram capturadas pela traficância de baixa complexidade. Os serviços não chegam à essa população”, lamentou.
Na opinião de Lanfredi, o Estado deve pensar em oferecer serviços como atividades laborais dentro das unidades prisionais. Atualmente, somente 25% dos internos conseguem trabalhar, segundo o diretor do DMF. Outro ponto trazido pelo magistrado se refere às condições de saúde e o alto índice de mortalidade de pessoas inseridas no sistema. “Todos os dias, morrem quatro pessoas no sistema prisional, muitas por doenças, como hipertensão ou AIDS, que neste caso mata três vezes mais. Existe pena de morte no país e normalizamos essa situação. Estar privado de liberdade, não é estar privado de Justiça”, enfatizou.
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Texto: Ana Moura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias