“ O mais comum é que a violência se instale na vida da mulher idosa pela via psicológica”, destaca juíza do TJDFT

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Monize Marques, coordenadora da Central Judicial da Pessoa Idosa do TJDFT - Foto: Ana Araújo/Ag CNJ
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Há 12 anos na coordenação da Central Judicial da Pessoa Idosa (CNJI) do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), uma rede que reúne também o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e a Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF),  a juíza Monize Marques, falou à Agência CNJ de Notícias sobre o panorama do envelhecimento no Brasil, das relações familiares, do retrato da violência e perspectivas para as próximas décadas.  ”Nossa sociedade vai precisar ressignificar o envelhecimento, trazer mais para perto, conviver de forma mais harmônica para podermos construir uma comunidade que, segundo a ONU, seja boa para todas as idades”, destaca a magistrada.

Leia a entrevista completa

De que forma a longevidade da população feminina se traduz no dia a dia do Judiciário?   

Nosso país está envelhecendo e, com a quantidade de pessoas idosas aumentando, a população idosa acaba sendo parte tanto da perspectiva cível quanto das criminais. Temos cada vez mais pessoas idosas em algum polo do processo. Quando caminhamos para a seara das violências, normalmente a mulher idosa é vítima dos seus filhos, no contexto de violência doméstica. Atualmente, cerca de 20% das varas são ocupadas por processos que envolvem violências com idosas cometidas por seus filhos. É um número bastante assustador, um panorama distinto do que acontece no âmbito na Lei Maria da Penha, com o rompimento do vínculo, a exclusão do agressor do convívio ou a retirada da vítima do local da violência.

No caso das idosas, a parentalidade não pode ser rompida. É possível expedir medida protetiva, mas quando a mãe percebe que vai colocar o filho na cadeia, ela opta por não denunciar. Grande parte das situações de violência em que o filho é o agressor são levadas à Justiça por denúncias feitas por vizinhos. O que é diferente quando a vítima está num contexto de conjugalidade, a mulher em algum momento vai buscar romper a relação abusiva. Entre mãe e filho, na maioria das vezes, o descendente é o único cuidador, única pessoa de confiança, única companhia, às vezes se tornou agressivo com o tempo em função de adversidades.

Como surge a violência na vida das idosas? É perceptível?  

Embora não seja regra, o mais comum é que a violência se instale na vida da mulher idosa pela via psicológica. De forma sutil é retirada a autonomia dessa mulher com frases prontas como “Você não vai dar conta”, “Deixe que eu cuido disso para você”, “Você não consegue mais gerir seus bens”.

No Distrito Federal, o mapa em que figuram os três primeiros lugares violência contra idosas estão em posições antagônicas nas classificações da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) relativo à classe e renda. O local que representa o maior agressor, hoje, é Ceilândia, de renda baixa. Segundo maior agressor é Brasília, de renda alta. Terceiro maior agressor, de renda média. A existência do patrimônio não impede o delito.

No entanto, o patrimônio direciona o delito para uma determinada área. Por exemplo, no Plano Piloto (Brasília), temos um grande número de violência psicológica seguida de abuso patrimonial. Nas áreas mais carentes temos violência psicológica seguida de negligência, que é a ausência de cuidados, abandono por dois ou três dias.

Quais são as demandas mais complexas da Central Judicial da Pessoa Idosa?  

No ano passado, a CIJ realizou 27 mil atendimentos virtuais, incluindo WhatsApp, e presenciais. Entre os atendimentos estão ações relacionadas à bioética como idosos que recusam tratamentos médicos ou tratamentos experimentais. Por exemplo, paciente diabético que precisa amputar o pé para salvar sua vida. Com a recusa, a idosa perde sua vida. Se ela estiver lúcida, assina um termo de responsabilidade e volta para casa. Questões bioéticas são cada dia mais recorrentes, como recusa de hemodiálise, intubação, internação, quimioterapia, etc. Outro problema é a paternidade tardia, idosos que se tornam pais aos 70, 75 ou 80 anos e disputa de patrimônio com outros filhos, com novos conflitos agregados, com a lucidez questionada e pedido de curatela.

As idosas estão expostas a outros tipos de violências que não costumam ser mencionados?  

Diferentemente das relações conjugais, a violência física e sexual não é predominante entre as idosas. Entretanto, em menor número ainda são registrados casos de agressões sexuais em mulheres idosas praticadas em sua maioria por netos, pessoas próximas e eventualmente por filhos.  A vítima morre de vergonha. O caso só chega ao conhecimento da Justiça por meio das notificações compulsórias da Saúde. Quando ela procura a assistência médica por um problema decorrente, é identificada a causa e reportada automaticamente. Existe uma subnotificação. Isso não existia antes porque a expectativa de vida era menor.

Quais são os desafios para uma boa convivência entre os idosos, que serão numericamente cada vez mais expressivos, e a população mais jovem?  

O principal é a sociedade aceitar essa convivência intergeracional, buscar mecanismos de inclusão saudável, de permitir que a pessoa idosa continue permitindo que a pessoa idosa continue desenvolvendo suas atividades de lazer, a Universidade de Brasília lançou o vestibular 60+, tudo isso fruto de uma necessidade. Nossa sociedade vai precisar ressignificar o envelhecimento, trazer mais para perto, conviver de forma mais harmônica para podermos construir uma comunidade que, segundo a ONU, seja boa para todas as idades. Não é do interesse de ninguém criar um gueto de 60+, eles precisam ter acessibilidade, ser inseridos no mercado de trabalho, nos espaços sociais e quando não for o caso, protegidos. Mas isso é uma mudança que precisa ser cultural. Por enquanto, temos uma invisibilidade dessa cifra que impede políticas públicas consistentes sejam realizadas.

No Brasil, temos uma questão delicada que é a aposentadoria. De acordo com o Ministério da Previdência Social, os homens recebem mais benefícios porque têm mais vínculo formal de trabalho, no entanto mulheres, embora, recebam menos benefícios, vivem mais. O que esperar para os próximos anos?  

O Estatuto da Pessoa Idosa prevê o pagamento do benefício da prestação continuada (BPC), um benefício assistencial não vinculado à contraprestação ao longo da vida. Estamos vivendo um processo de transição, da nossa geração, da faixa dos 40/50, temos o privilégio de viver essa transição demográfica. A nossa geração, em geral, tem um fator de recolhimento previdenciário que vai nos permitir aposentar um recebimento provavelmente maior que nossas avós. Porque como elas estavam em casa, normalmente, ligadas ao trabalho doméstico, o máximo que elas conseguiriam seria o recolhimento referente ao salário mínimo. O mesmo não ocorria com os homens com um recebimento nominal maior.

Dentro da vulnerabilidade legal, quem tem condições de receber do Estado um tratamento voltado ao protagonismo, no caso, a preservação completa da sua autonomia, dos seus desejos, das suas vontades e de suas perspectivas até os 100 anos.

A Justiça por Todas Elas

Ao longo do mês de março, a Agência CNJ de Notícias publica uma série de reportagens sobre ações do Judiciário pela garantia do direitos das mulheres. Esses conteúdos compõem a campanha “A Justiça por Todas Elas”, idealizada pelo CNJ em alusão ao Dia Internacional da Mulher, em 8/3. Uma página dedicada à campanha e uma cartilha são algumas das iniciativas da ação que tem como foco idosas, crianças, trabalhadoras, mulheres privadas de liberdade, com deficiência, adolescentes, vítimas de tráfico, grávidas, mães e lactantes, indígenas e LGBTQIAPN+.

Texto: Ana Moura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

Macrodesafio - Garantia dos direitos fundamentais