*Artigo assinado pela conselheira do CNJ Daniela Madeira, presidente da Comissão Permanente de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 2030, membra da Comissão Permanente de Sustentabilidade e Responsabilidade Social e integrante da Comissão Permanente de Sustentabilidade e Responsabilidade Social, publicado originalmente no jornal Correio Braziliense.
Nos últimos anos, as vulnerabilidades socioambientais, especialmente aquelas decorrentes das mudanças climáticas, têm ganhado destaque no cenário global. Os impactos ambientais afetam diretamente comunidades vulneráveis, que são as primeiras a sentir os efeitos devastadores de enchentes, secas e desastres naturais. O Poder Judiciário tem sido chamado a desempenhar um papel crucial na mitigação dessas vulnerabilidades ao aplicar uma ética climática que reconheça as desigualdades e proteja os direitos fundamentais ao meio ambiente.
As tragédias ambientais, além de estarem se multiplicando ao redor do mundo, impactam de sobremaneira o Brasil. Episódios como o rompimento da barragem em Mariana e as enchentes no Rio Grande do Sul são exemplos de desastres dessa natureza, que deixam marcas profundas na população e nos ecossistemas locais. O Poder Judiciário, ao ser acionado para lidar com esses danos, tem a responsabilidade de interpretar e aplicar a legislação ambiental de maneira eficaz, garantindo a proteção tanto do meio ambiente quanto das comunidades afetadas.
Atualmente, se reconhece o conceito de vulnerabilidade socioambiental, que engloba tanto a suscetibilidade de comunidades a desastres naturais quanto a sua capacidade de responder e se adaptar a esses eventos. Ela afeta, sobretudo, populações que já se encontram em situações de desvantagem social e econômica, e a relação entre pobreza, falta de infraestrutura e maior exposição a riscos ambientais é direta, de acordo com estudo do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) que, em 2001, destacava que as populações vulneráveis economicamente seriam as mais afetadas.
Para tanto, a Justiça ambiental deve adotar uma abordagem que considere a ética climática. Esse conceito busca equilibrar as responsabilidades das nações desenvolvidas e em desenvolvimento na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Dentro do Poder Judiciário, a ética climática pode ser um instrumento importante na interpretação das normas ambientais.
As ações judiciais relacionadas às mudanças climáticas têm ganhado espaço no cenário jurídico global. No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reconheceu a importância desse tipo de litígio ao incluir, em 2021, o tema “Mudanças Climáticas” nas Tabelas Processuais Unificadas. Esse movimento é fundamental para que o Judiciário possa acompanhar e catalogar os casos relacionados ao clima, permitindo uma resposta mais eficaz às demandas ambientais.
Contudo, definir o que é um litígio climático ainda é um desafio. Nem todos os casos ambientais envolvem diretamente questões climáticas, mas muitos têm implicações nessa seara.
O Brasil tem sido destaque no cenário internacional de litígios climáticos. De acordo com o Sabin Center for Climate Change Law, o país é uma das principais jurisdições do Sul Global em termos de número de casos relacionados ao clima. Um dos exemplos mais importantes é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que tratou da omissão do governo brasileiro em alocar recursos para o Fundo Clima. Nesse caso, o STF reconheceu que o Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário, é um tratado de direitos humanos, o que elevou a responsabilidade do país em relação às políticas climáticas.
Diante da emergência climática, o Poder Judiciário tem o dever de se adaptar e atuar de maneira proativa na proteção do meio ambiente e das comunidades vulneráveis. A aplicação da ética climática nas decisões judiciais é um passo crucial para garantir que as responsabilidades sejam distribuídas de forma equitativa e que as populações mais afetadas pelos desastres naturais recebam o apoio necessário.
O futuro da Justiça climática depende da capacidade dos tribunais de reconhecer as vulnerabilidades socioambientais e agir de maneira eficaz na mitigação dos impactos das mudanças climáticas. As ações judiciais climáticas, embora ainda incipientes no Brasil, têm o potencial de transformar a forma como o país lida com seus desafios ambientais, promovendo uma Justiça mais inclusiva e sustentável para as gerações presentes e futuras.