Artigo: O CNJ e a Meta 2

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Ives Gandra Martins Filho*

O que marcou especialmente a Justiça brasileira no ano de 2009 foi a busca da denominada Meta 2 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aprovada no II Encontro Nacional do Judiciário, realizado em Belo Horizonte/MG em fevereiro deste ano, reunindo os presidentes de todos os tribunais brasileiros e erigida, em seguida, quase como a principal meta do Poder Judiciário nacional no ano que finda. No que consistia e qual o seu significado? O objetivo era o de identificar e julgar até o fim do ano, em todas as instâncias, todos os processos distribuídos até o fim de 2005, ou seja, estabeleceu-se como duração razoável do processo, prevista no art. 5º, LXXVIII, da Constituição, o limite de quatro anos. Seria algo factível? Por que se priorizou e se decantou essa meta mais do que as outras nove, ligadas ao planejamento estratégico dos tribunais (Meta 1), à informatização em seus vários aspectos (metas 3, 4, 5, 7, 8 e 10), à capacitação gerencial de magistrados (Meta 6) e à generalização do controle interno dos tribunais (Meta 9)?

A resposta a essas indagações parece estar na ênfase dada à celeridade processual pelo próprio constituinte derivado (Emenda Constitucional 45/2004), erigindo-a como garantia constitucional, a par de ser a Meta 2 a mais fácil de quantificar e mensurar.

Se, por um lado, a fixação e perseguição cronometrada da meta foi de importância capital para dar mais credibilidade ao Poder Judiciário, ressuscitando verdadeiros cadáveres processuais que jaziam mortos pelo tempo, sem perspectivas de solução à vista, o que encheu de alento a tantos e tantos que tinham suas demandas paradas há anos em todas as instâncias, por outro, não deixou de gerar alguns efeitos colaterais perversos, comprometedores da confiabilidade na Justiça, tais como a priorização da quantidade em detrimento da qualidade das decisões, com adoção, por vezes, de procedimentos menos ortodoxos para a redução das pilhas de processos que enfeitavam varas e gabinetes.

A Meta 2, em 2009, foi o tormento de magistrados e servidores, empenhados em mutirões insanos para desovar processos antigos, bem como de advogados e jurisdicionados, quando apostavam na lentidão da Justiça para se  livrar de condenações certas ou previsíveis. No geral, entretanto, representou uma chacoalhada no impassível edifício do Judiciário, necessária para mostrar que Justiça tardia é injustiça.

A Justiça do Trabalho, notoriamente, foi a que mais se empenhou no cumprimento da Meta 2, tendo a maior parte de seus tribunais regionais conseguido, graças ao empenho e boa administração de recursos humanos e materiais, zerar os processos anteriores a 2006. O que se olvidou, no entanto, em termos de fixação da metodologia de aferição do cumprimento da meta, é que o empenho deveria ser o de se julgar, em cada instância, os processos que chegaram a ela até 31/12/2005. Zerar, em todo o Judiciário, esse resíduo em apenas um ano, seria missão impossível. Daí que o cumprimento da Meta 2 pelas instâncias inferiores representou o seu descumprimento pelas instâncias superiores, com o recebimento, à undécima hora, de processos contabilizados  sendo relativos à meta.

É paradigmático o caso do TST, que, tendo, no ano de 2009, julgado cerca de 63 mil processos relativos à Meta 2, ainda assim terminou o ano com cerca de 7 mil processos anteriores a 2006. Adotada outra metodologia, mais realista e condizente com o esforço exigido de todo o Judiciário, o número cairia para menos de 4 mil processos.

Esperamos que 2010 permita terminar com o resíduo da Meta 2 e dirigir o empenho de magistrados e servidores às demais metas, que apontam para a racionalização judicial, simplificação recursal, otimização gerencial e tecnológica, de modo a que o Poder Judiciário cumpra sua missão existencial de harmonização das relações sociais, fim último da Justiça.


(*) Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Publicado no Jornal Correio Braziliense em 28/12/2009.