As transformações tecnológicas que o Poder Judiciário experimenta derrubaram barreiras geográficas e permitiram a especialização da Justiça. A criação dos Núcleos de Justiça 4.0, por exemplo, apresentou resultados positivos na prestação jurisdicional, conferindo ao cidadão mais acesso à Justiça, com a expectativa de torná-la mais funcional e eficiente. Esse foi o tema do debate discutido no artigo “Núcleos de Justiça 4.0: o declínio da territorialidade e os novos horizontes da especialização”, publicado na Revista Eletrônica do CNJ (Volume 6, n. 2/2022).
A digitalização da Justiça foi impulsionada pelos efeitos da pandemia da covid-19, que impactou a prestação dos serviços públicos, como, por exemplo, a imposição do trabalho remoto, o que permitiu ao Judiciário manter o atendimento ao público durante o período de isolamento social por meio de ferramentas tecnológicas.
Nesse contexto, foram editados diversos normativos sobre a aplicação da tecnologia no cotidiano dos tribunais. Pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi determinado, entre outras coisas, a realização de perícias, audiências e conciliações por meio eletrônico e remoto; além da adoção do Juízo 100% Digital e do atendimento ao público via Balcão Virtual.
Pela Resolução CNJ n. 385/2021, criadora dos Núcleos de Justiça 4.0, é que de fato houve a exploração dos benefícios da virtualização de forma mais extensa. Essas unidades jurisdicionais são especializadas em razão da matéria, com competência sobre toda a extensão territorial dentro dos limites da jurisdição do tribunal e adotam o modelo de processamento de demandas inerente aos Juízos 100% digitais.
Para o procurador do Rio de Janeiro Marco Antonio dos Santos Rodrigues e o juiz Caio Watkins do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), o normativo “aproveitou a virtualização em sua faceta mais disruptiva, promovendo a mitigação do aspecto territorial da prestação jurisdicional e fomentando a especialização”.
Os autores do artigo defendem que a grande inovação foi aliar a virtualização à especialização, permitindo a expansão quase sem fronteiras, pois os Núcleos de Justiça 4.0 não estão sujeitos a nenhuma limitação territorial que não seja a própria área sobre a qual o tribunal já exerce jurisdição.
Em funcionamento desde 2021, o primeiro Núcleo foi criado pelo TRF2, nas seções judiciárias do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, com especialização em matéria de saúde pública, exceto em ações coletivas. Em 2022, para tratar de matéria previdenciária, o tribunal autorizou a conversão de unidades físicas em Núcleos de Justiça 4.0.
No texto, Rodrigues e Watkins afirmam que uma das principais barreiras para o acesso à justiça está ligada a questões geográficas, e essa nova estruturação permite superar os obstáculos que os cidadãos poderiam ter para “exercerem o direito fundamental de acesso à justiça”. Para eles, “essa perspectiva permite a criação de novos arranjos para a organização judiciária e a redefinição do sistema de competências, tornando o sistema mais funcional e adequado às exigências da sociedade contemporânea”.
Com a minimização das barreiras territoriais – a partir da virtualização da Justiça -, os autores acreditam que há menos entraves para conter os movimentos voltados à especialização, “com tendência a otimizar a eficiência do sistema judiciário”. Defendem que o critério da territorialidade para a alocação de competências fundamenta-se mais na necessidade de conhecimentos da realidade de cada localidade.
Apontam, também, as desvantagens e os riscos em relação à especialização de competências – que podem gerar concentração exagerada de poder em poucos centros de decisões, por exemplo -, sem esquecer a dificuldade dos excluídos digitais. Contudo, a presença física de alguns ramos do Poder Judiciário pode permitir o acesso à justiça virtual, com a orientação necessária, enquanto defendem que a especialização tende a produzir mais benefícios do que malefícios ao sistema, desde que implementada de forma adequada.
Os Núcleos de Justiça 4.0 representam, para os autores do artigo, relevante passo na transformação digital dos tribunais, já que a virtualização não apenas dos processos, mas também das unidades judiciárias, inaugura uma forma de prestar o serviço. Sendo assim, a ferramenta “redefine a importância da territorialidade para o sistema de justiça e estimula a propagação da especialização como técnica de aprimoramento do sistema de competências”.
Texto: Lenir Camimura
Edição: Jônathas Seixas
Agência CNJ de Notícias