Diante da existência de poucas varas exclusivas de violência doméstica no país e do excessivo número de casos de agressão contra mulheres que chegam à Justiça, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou nota técnica contrária ao Projeto de Lei 3.244/2020, que prevê a ampliação das competências desses juizados especializados para receberem e julgarem processos de divórcio ou partilha de bens. Atualmente, existem no Brasil 139 varas exclusivas para processar e julgar os casos enquadrados na Lei Maria da Penha e tramitam, nestas e outras varas não exclusivas, mais de um milhão de processos sobre o tema.
O Plenário do CNJ considerou as dificuldades que a medida trará se for aprovada pelo Congresso Nacional. Embora ações que tratam de questões como direito a visita de filhos e pensão possam tramitar na mesma vara em que tramitam as medidas protetivas de urgência, a Lei Maria da Penha não prevê que a opção possa ser feita pela mulher.
De acordo com o voto na Nota Técnica nº 0004865-61.2021.2.00.0000, que foi aprovada na 91ª Sessão Virtual, apesar da boa intenção da mudança na lei, o projeto poderá aumentar o volume de processos dessas varas exclusivas, fragilizando ainda mais o sistema de enfrentamento à violência doméstica adotada por essas unidades. “A ampliação da competência proposta pelo PL 3.244/2020 ocasionaria sobrecarga nas unidades referenciadas e, por consequência, o aumento da taxa de contingenciamento processual, o que prejudicaria seriamente a análise das medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006”, afirmou, em seu voto, o relator do processo, conselheiro Mário Guerreiro.
Excesso de demanda
As varas especializadas de violência doméstica foram criadas justamente para garantir efetividade às demandas de ameaça e violência contra a mulher. Para Tânia Reckziegel, conselheira do CNJ e coordenadora do Grupo de Trabalho para elaboração de estudos e propostas visando ao combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, “incluir na competência dessas varas matérias que não as específicas de violência doméstica aumentará a taxa de congestionamento da unidade (que já é alta), comprometendo a efetividade da tutela jurisdicional, que é o que se busca e que é dever do Estado prestar”.
A Lei Maria da Penha estabelece que os Juizados Especiais de Violência Doméstica possuem competência híbrida para julgar casos cíveis e penais. A ideia é que a mulher possa resolver os problemas jurídicos relativos à família no mesmo juizado. No entanto, na prática e pela complexidade dos casos, os Juizados de Violência Doméstica têm ficado restritos às medidas protetivas de urgência previstas na Lei.
Para garantir que a proteção da mulher e da família seja tratada como prioridade, um dos enunciados formulados por magistrados e magistradas que tratam do tema no Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid) estabeleceu que as ações cíveis e as de Direito de Família sejam processadas e julgadas pelas varas cíveis e de família, respectivamente. De acordo com dados sobre o funcionamento das varas no país, há casos, como o do 1º Juizado especializado do Mato Grosso (TJMT), em que a unidade judiciária consegue desenvolver as duas competências, simultaneamente. No entanto, a medida proposta pelo texto do Senado obrigaria todas as unidades exclusivas a seguir o mesmo caminho.
A nota orientadora foi encaminhada aos presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, aos ministro da Casa Civil da Presidência da República e da Justiça e da Segurança Pública e à Procuradoria-Geral da República. O PL 3244/2020 já foi aprovado pelo Plenário do Senado e agora tramita na Comissão de Seguridade Social e da Família da Câmara dos Deputados.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias