Na busca pela paz nas escolas, professores abraçam a Justiça Restaurativa

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No Amapá, apenas em 2023, 130 docentes foram capacitados para uso da Justiça Restaurativa em sala de aula - Foto: Ascom TJAP
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De Norte a Sul do país, nesta terça-feira (15/10), é dia de celebrar a profissão que forma todas as outras: a de professor. A importância do bom desempenho da atividade na formação da criança ao adulto não vai na mesma direção da valorização do papel de quem tem como missão formar meninos e meninas. Em busca de mais harmonia nos ambientes educacionais, magistrados e magistradas têm levado para inúmeras escolas públicas brasileiras a prática da Justiça Restaurativa. 

Diferentemente da Justiça punitiva, a metodologia reúne princípios, técnicas e atividades próprias para a conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais que motivam conflitos e violência. “É a promoção da cultura da paz em oposição à tendência crescente aos conflitos”, resume o coordenador da Justiça Restaurativa no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), conselheiro Alexandre Teixeira. 

A prática levada para as escolas, por meio de parcerias entre o Poder Judiciário e secretarias de educação, reúne vivências para a transformação das instituições de ensino. “Nós percebemos que, ao cuidarmos dos professores, o clima escolar assim como o aprendizado dos alunos melhora”, afirma a juíza Larissa Antunes. Com 21 anos de magistratura, há 11, ela está à frente da Vara da Infância de Santana, município vizinho à capital amapaense.  

“São os educadores que no dia a dia estão na interação mais direta com os alunos”, reforça a juíza. Foi com o apoio dela que a iniciativa de levar a Justiça Restaurativa para as escolas não apenas se concretizou como acabou transformada em política pública estadual, assumida pela Secretaria de Educação do Amapá. O programa “É Paz”, do governo estadual, utiliza práticas restaurativas para promover competências emocionais de alunos e professores e contribui na construção de relacionamentos saudáveis e prevenção de conflitos. 

O trabalho teve início em 2014. “No primeiro ano da implantação da Justiça Restaurativa nas escolas, na minha vara, tivemos 10% menos de casos novos e, no ano seguinte, 15%”, explica a magistrada. “Atribuímos essas quedas ao trabalho de difusão de práticas restaurativas”, afirma. 

Isso porque as soluções oferecidas pela Justiça Restaurativa diferem de como são abordados os problemas tanto na escola tradicional quanto no Poder Judiciário, compara o conselheiro Alexandre Teixeira. “Quando a metodologia é aprendida tanto pelos magistrados quanto no ambiente escolar, os resultados têm sido extremamente positivos”, reforça. 

Juíza auxiliar da Presidência do CNJ, Kátia Roncada concorda com o conselheiro. “Falar em Justiça Restaurativa nas escolas é destacar respeito e dignidade. Todos os envolvidos, alunos, professores, auxiliares, coordenadores e as famílias, revisitam as relações e, de forma democrática, avaliam sobre as necessidades de cada um dos integrantes dessa comunidade, que não se limita aos muros da escola”. As principais violências no ambiente escolar são de constrangimento, tortura psíquica, ameaça, bullying e injúria. 

Novo impulso 

Em 2023, com o estabelecimento pelo CNJ do Ano da Justiça Restaurativa nas Escolas, “tivemos um novo impulso no Amapá que resultou na capacitação de 130 docentes”, relembra a juíza Larissa. No mesmo ano, a deputada federal pelo estado professora Goreth levou o tema para a Câmara dos Deputados. 

“A parlamentar, que foi secretária de educação, tem procurado difundir o tema apresentando aos seus pares, a experiência bem-sucedida que desenvolvemos no Amapá, por meio de parcerias entre o Poder Judiciário e o governo estadual”, informa a magistrada. O tema foi tratado, por exemplo, em grupo de trabalho criado na Câmara para debater mecanismos e políticas de combate à violência nas escolas brasileiras. 

A mais de 2 mil km de distância da comarca amapaense, na pequena Campo Verde (MT), a magistrada Maria Lúcia Prati coordena o programa “Eu e Você na Construção da Paz”. Lá, desde 2022, a Justiça Restaurativa no ambiente escolar foi transformada em política pública. As 15 escolas tanto municipais quanto estaduais estão inseridas na prática que conta com diversos parceiros, como profissionais dos sistemas de garantias, servidores dos Poderes Judiciário, Executivo, representantes da sociedade civil organizada, entre outros. 

Em Campo Verde (MT), em 2022, a prática da Justiça Restaurativa virou política pública com o programa “Eu e Você na Construção da Paz” – Foto: Ascom TJMT

“Damos atenção especial aos professores, além da formação como facilitadores na metodologia, realizamos círculos temáticos e em comemoração à data deles, fizemos um evento especial de autoconhecimento porque o professor é essencial no sucesso do programa”, frisa a magistrada. 

Respeito ao próximo 

Ela ressalta que a aplicação da prática na escola visa prevenir conflitos, a partir do respeito ao próximo. O trabalho é voltado para as relações na escola, para a construção de valores, senso de pertencimento e modificação das relações nesse meio. “A Justiça Restaurativa feita com atenção, cuidado e carinho tem realmente potencial de transformar a vida das pessoas. Temos relatos de familiares de que o ambiente em casa melhorou a partir da conscientização dos alunos”, afirma a juíza Maria Lúcia. 

Isso porque o programa “Eu e Você na Construção da Paz” é uma importante ação de valorização das pessoas. “A partir de uma escuta sensível e de um olhar acolhedor, é possível perceber impactos muito positivos. Não apenas crianças e adolescentes têm expressado o prazer em participar desses momentos, como os professores. Os educadores que vivenciam a experiência dizem que é impactante em suas vidas e na profissionalidade”, reforça a secretária municipal de Educação de Campo Verde, Simoni Pereira Borges. 

Prestes a se aposentar, com 28 anos de magistério, a professora Marta Frares endossa a fala da gestora. “Acreditava que não havia mais nada a ser acrescentado na minha vida profissional capaz de mudar a prática pedagógica que utilizo, mas o círculo foi amor à primeira vista e passei a usar nas minhas aulas. É uma dinâmica com olhar diferenciado, de não julgamento”. Ela explica que a experiência tem muito a acrescentar na rotina escolar. “Tenho convidado meus colegas para que possamos nos abrir para uma nova didática, um outro jeito de enxergarmos o nosso ambiente, que contribui para que os relacionamentos mudem para melhor”, salienta a educadora de Campo Verde. 

O círculo citado pela professora Marta é a dinâmica utilizada pela Justiça Restaurativa na sensibilização da comunidade escolar para escutar o outro, criar empatia pela realidade de cada um. Assim como para a educadora experiente, a metodologia trouxe mudança no dia a dia em sala de aula em outro ponto do mapa do Brasil. Na gaúcha Porto Alegre, essa transformação é registrada pelo juiz Fábio Heerdt. 

“Muitos professores têm dito que utilizam o que aprendem em Justiça Restaurativa como verdadeiras práticas pedagógicas”, diz o magistrado. Se o professor tiver a capacitação adequada, um conflito surgido em sala de aula pode ser trabalhado para que não evolua, explica o juiz, que atua como coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) em Porto Alegre. 

Com 26 anos de magistratura e há seis atuando com a metodologia, ele ressalta que, no Sul do país, preferem trabalhar com o termo prática restaurativa, no lugar de Justiça. “Para evitar que haja incompreensão, principalmente entre os jovens, que associam a palavra a punição, autoridade, julgamento”, explica. O juiz assegura que a metodologia é exatamente o contrário. “Trabalhamos com conceitos como responsabilidade, horizontalidade e tomada de decisão coletiva”, enumera. 

Vivência 

A explicação dada pelo magistrado foi vivida na prática pelos educadores da Escola Técnica Parobé. A instituição, uma das mais antigas da capital do Rio Grande do Sul, com cerca de 2,2 mil alunos de ensino médio com educação profissional, convivia com o tensionamento das relações pessoais após a pandemia provocada pela covid-19. 

“Na visão de todos, foi um trabalho muito bem-feito pelo Judiciário e que precisa ter continuidade”, reivindicou a diretora Iraci Milnickel. O envolvimento integrado, proporcionado pela prática restaurativa “vai além de tratar dos conflitos, “fortalece os vínculos e permite o diálogo sobre temas como democracia, direitos, sentimentos. É um trabalho vagaroso, difícil, mas que planta raízes muito sólidas”, reforçou o juiz Fábio.  

Política Nacional 

Instituída pelo CNJ em maio de 2016, a Política Nacional de Justiça Restaurativa está prevista na Resolução CNJ n. 225, com o objetivo de consolidar a identidade e a qualidade da Justiça Restaurativa definidas na normativa, a fim de que não fosse desvirtuada ou banalizada. Com o avanço do uso da metodologia pelo país, em 2022, foi aprovada a Resolução CNJ n. 458, que reforçou a atuação do Judiciário no contexto escolar ao incluir o Conselho como um fomentador de programas e ações de Justiça Restaurativa nesses ambientes, em parceria com os tribunais, a comunidade e as redes de garantia de direitos locais. 

No ano passado, CNJ e Ministério da Educação assinaram acordo de cooperação técnica para impulsionar a implementação da Justiça Restaurativa nas escolas brasileiras. Ao formalizar a parceria, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, enfatizou que a ação representava um compromisso pela melhoria da educação no Brasil. “Como eu disse no meu discurso de posse no STF, três prioridades na vida de um país devem ser educação, educação de qualidade e educação para todos. E nada disso é possível em um ambiente escolar permeado pela violência”, pontuou. 

Texto: Margareth Lourenço 
Edição: Thaís Cieglinski 
Agência CNJ de Notícias 

Macrodesafio - Prevenção de litígios e adoção de soluções consensuais para os conflitos