Cursos profissionalizantes e atividades que incentivam a música e as artes têm servido de incentivo aos sistemas prisionais de todo o Brasil para iniciativas voltadas à ressocialização de detentos e egressos do sistema carcerário. A ideia é incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que criou o programa Começar de Novo – voltado para a inclusão de ex-detentos no mercado de trabalho – e possui exemplos em vários estados. Um destes casos pode ser observado no Espírito Santo, onde presas são alunas de cursos de costura, confeitaria, marcenaria e ainda participam de um coral.
J. tem 25 anos e é um caso típico de detenta que trabalha e participa de grupo de canto coral. Em 2008, foi condenada a passar 12 na prisão por tráfico de drogas. No ano passado, quando foi transferida para a Penitenciária Feminina de Cariacica (na Grande Vitória), não sabia que ali sua vida mudaria de rumo definitivamente. Ao chegar, participou de triagem que é feita com todas as novas internas para analisar o perfil da pessoa, de acordo com suas aptidões, seu passado, seu histórico familiar e sua formação educacional.
“Isso faz parte da nossa metodologia de tratamento penal, que é individualizador e classificador. Depois da triagem, encaminhamos a presa para um dos nossos cursos de formação”, explica a diretora da unidade, Mônica Tamanini.
Trabalho – Atualmente existem três cursos em andamento na unidade prisional, com 90 alunas. Dominando um ofício, a pessoa pode começar a trabalhar. Tanto que, em Cariacica, das 392 condenadas, 140 trabalham dentro da unidade e outras 72, fora. J. começou a estudar todas as manhãs e, logo, pediu oportunidade para trabalhar como costureira de uma grande loja de departamentos brasileira, que produz mensalmente cerca de 10 mil peças dentro da unidade. Rapidamente destacou-se entre as colegas pela eficiência. ”Entre blusas, saias e vestidos, cheguei a costurar 300 peças por dia”, lembra.
Nove meses atrás, a direção da penitenciária decidiu criar um coral de internas para se apresentar na formatura de um curso de moda para detentas. J. se candidatou e foi aprovada após um processo de seleção. “Entrevistamos a presa para ver se o perfil dela se encaixa na proposta do coral, se ela vai ter disciplina para cumprir as regras”, conta a diretora da unidade. A ideia vingou e o coral tornou-se um projeto permanente, batizado de “Maria, Maria”.
Apresentações – A música de Milton Nascimento foi a primeira a ser ensaiada pelo grupo. Desde então, o repertório cresceu e hoje 30 internas se encontram três vezes por semana para ensaiar músicas especialmente para o natal. Um grupo de 17 delas se apresentou no III Seminário de Justiça Criminal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e emocionou um auditório lotado de magistrados e servidores no último dia 25 de novembro. “As integrantes do coral são um espelho para o resto das colegas, pois têm o direito de sair da unidade para cantar”, diz a diretora Mônica Tamanini.
O “Maria, Maria” já se apresentou em eventos como o Ação Global, da Rede Globo, e em uma feira em Aracruz, a 83 quilômetros da capital Vitória. No próximo dia 15, já tem outra apresentação marcada. Contando os dias para sua progressão ao regime semiaberto, previsto para maio próximo, J. descreve como passa cada um deles. “Acordo às seis da manhã e trabalho como costureira até o meio-dia. Vou direto para o ensaio do coral até as 13h30. Almoço e vou correndo para a minha aula (ensino médio)”, afirmou.
Cumplicidade – O regente do coral é o agente penitenciário Martins, que conduz ensaios de duas horas todas as segundas, quartas e sextas. Pastor evangélico há 15 anos, ele vê na arte uma forma de “elevar a autoestima” das pessoas.
A diretora da unidade, Mônica Tamanini, acredita que o coral “cria uma clima favorável entre as internas, proporcionando satisfação e valores como a cumplicidade”, diz. A melhor definição sobre a experiência do coral talvez seja de uma de suas integrantes, J. “Música é cura”, acrescenta.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias