Estudo divulgado nesta quarta-feira (19/8) no Seminário “A Participação Feminina nos Concursos para a Magistratura”, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revelou que a presença de mulheres em bancas de concursos para juiz se restringe a 20,6% dos examinadores. O percentual se refere à quantidade de magistradas, advogadas, professoras de instituições de ensino superior e demais convidadas a compor o grupo responsáveis por avaliar e aplicar as provas orais, além de julgar recursos apresentados pelos candidatos. Última etapa eliminatória dos certames que selecionam novos juízes no Brasil, as provas orais precedem apenas a prova de títulos antes do resultado final, e servem como um dos critérios de desempate.
“30% das bancas de concurso realizados nos últimos 10 anos não tinham sequer uma mulher presente. É um número bastante alto de bancas compostas integralmente por homens”, afirmou a pesquisadora e diretora do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ, Gabriela Soares. O déficit é mais agudo na Justiça Federal, dos três segmentos de maior contingente de magistrados – além da Justiça Estadual e da Justiça do Trabalho – aquele que tem menor proporção de mulheres nas bancas examinadoras.
As 33 integrantes de bancas da Justiça Federal nos últimos 10 anos correspondem a apenas 13,1% do total de examinadores. “Quando fazemos análise de mulheres titulares em bancas, esse percentual cai de 13% para 8%. Isso se conecta à conclusão sobre outra pesquisa, realizada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe): a sobrerrepresentação no início da carreira. Enquanto 45% da magistratura do primeiro grau são mulheres, há poucas desembargadoras”, afirmou a juíza federal Tani Wurster. A magistrada que também coordena a Comissão Ajufe Mulheres foi uma das debatedoras do primeiro Painel do seminário.
Leia também
Ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), a desembargadora federal Therezinha Cazerta, também revelou que teve dificuldades para formar com mulheres a banca examinadora do último concurso do TRF3, ainda em curso. “Me deparei com uma dificuldade prática. Como o número de mulheres é menor na carreira federal, isso se reflete na hora de nomear mulheres como examinadoras. Mesmo assim, dois membros da banca, composta por seis magistrados, são mulheres”, disse a desembargadora, segunda debatedora do painel em que foram apresentados os resultados da pesquisa.
Na Justiça Federal, o percentual de magistradas na carreira caiu em relação à época dos primeiros concursos organizados pelos Tribunais Regionais Federais imediatamente após a promulgação da Constituição Federal de 1988 – de 34,6% para 31,2% em pouco mais de 30 anos. De acordo com pesquisa anterior do DPJ/CNJ, 38% de toda a magistratura brasileira é composta por mulheres.
Pluralidade e qualidade da seleção
A pesquisa não confirmou a hipótese segundo a qual mais mulheres seriam aprovadas naqueles concursos com maior participação feminina nas bancas. “Não foi possível encontrar tendência que relacionasse a maior participação feminina em bancas e maior aprovação de mulheres. Em alguns casos houve mais aprovações e, em cenários contrários, também. Essa relação demanda uma investigação mais qualitativa no futuro”, afirmou a pesquisadora do DPJ e doutora em ciências sociais Elisa Sardão.
De acordo com a desembargadora federal Therezinha Cazerta, mais mulheres na composição das bancas examinadoras vai beneficiar o Poder Judiciário ao acrescentar aos processos seletivos traços mais associados ao feminino, como a empatia e a percepção mais precisa da comunicação não-verbal. A magistrada citou a pesquisa de doutorado da neurocientista Camila Campanhã, que estudou as relações entre gênero, empatia e tomadas de decisão, à luz da Teoria dos Jogos.
“Em um jogo em particular, chamado Ultimatum Game, em que se investiga empatia e cooperação, o que se observou em relação a diferenças entre gêneros, as mulheres têm habilidades empáticas, as mulheres são mais igualitárias, mais generosas e altruístas e levam mais em consideração a equidade. Por isso eu digo que a presença de mulher nas bancas de concursos vai fazer toda a diferença na escolha de magistrados mais humanos, mais sensíveis e mais justos”, disse a magistrada.
De acordo com a juíza Tani Wurster, as decisões das mulheres examinadoras não serão melhores ou até diferentes das dos homens. A diversidade dos olhares das mulheres vai agregar novas perspectivas que farão diferença no final dessas decisões. “As mulheres experienciam o mundo de lugares diferentes. As perspectivas são diferentes, por exemplo, entre mulheres brancas e negras porque as negras são atravessadas pelo racismo. Permitir que decisões judiciais em banca de concursos sejam proferidas majoritariamente por um mesmo segmento social – homens brancos, de meia-idade, heterossexuais – interdita a influência da experiência dos demais atores sociais – mulheres, mulheres negras, homossexuais, pessoas com deficiência – no resultado final das decisões tomadas nesses espaços de poder.”
Na opinião da magistrada, mais que um imperativo do princípio de igualdade, a maior participação das mulheres em bancas de concurso do Poder Judiciário é um imperativo democrático. “O Poder Judiciário será mais tão mais democrático quanto mais plural for a sua composição.”
Metodologia
Em abril deste ano, o CNJ consultou por meio de ofícios os 27 tribunais de Justiça, os cinco TRFs, os 24 Tribunais regionais do Trabalho (TRTs), e os três tribunais da Justiça Militar Estadual. Além das respostas de 54 tribunais – a pandemia impediu alguns de participar – a equipe do DPJ levantou 125 editais e 203 provas de concursos ocorridos em 48 Tribunais realizados desde 2010. Analisou ao todo 328 documentos, entre editais e provas, com técnicas de mineração de textos e depuração dos textos contidos em arquivos de imagem (PDF) para torná-los passíveis de leitura.
“Os resultados apresentados dão conta de uma pesquisa minuciosa, detalhada e realizada em recortes muito importantes para avançar nas ações [por mais participação feminina na magistratura]. A pauta, pelo que vimos, é pauta necessária”, afirmou a conselheira Ivana Farina, que presidiu o painel do seminário em que os resultados da pesquisa foram apresentados, ao lado da conselheira Candice Lavocat Jobim, secretária do Painel.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias
Ouça o boletim na Rádio CNJ
Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube