Pesquisa de Avaliação de Necessidades sobre o Tráfico Internacional de Pessoas e Crimes Correlatos aponta que os maiores alvos dos criminosos são as mulheres, com a finalidade de exploração sexual. A partir de levantamento da Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (CTETP/UFMG), com base em dados relativos a 144 processos, foram identificadas 714 vítimas das quais 688 são do sexo feminino (96,36% do total) e seis, masculino (0,84%). Nos demais casos, as decisões judiciais não informaram o gênero.
A pesquisa, que teve início em 1º de agosto de 2021 e foi concluída em 15 de dezembro de 2021, usou metodologia exploratória descritiva com análise qualitativa e quantitativa de processos judiciais, além de entrevistas com profissionais. A base de dados é composta por ações com longo espectro temporal: a mais antiga delas datada de 1998. Por meio da parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os pesquisadores tiveram acesso aos dados disponíveis no DataJud, dos processos que não se encontram sob sigilo.
Os resultados foram divulgados nesta segunda-feira (5/12), durante evento promovido pelo CNJ. De acordo com a advogada e pesquisadora da Clínica de Trabalho Escravo da UFMG, Ana Luiza Nogueira Pinto, embora em mais de 50% dos casos tenha havido condenação total dos réus, em 26% eles foram absolvidos. “O motivo mais frequente é insuficiência de provas”, diagnosticou. Ela destacou que, em entrevistas com profissionais, o sucesso das ações esteve relacionado ao acompanhamento de todo o processo por parte da Polícia Federal, providenciando as provas requeridas. “Por isso, Goiás conta com 38 processos, mais do que o dobro do segundo colocado, que é Minas Gerais”, exemplificou.
As informações foram analisadas tendo em vista o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), de alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. O trabalho também segue o ODS 8, que trata da adoção de medidas eficazes para acabar com o tráfico de pessoas, e o ODS 16, que prevê o incentivo a sociedades pacíficas por meio da eliminação de todas as formas de exploração e tráfico de pessoas.
A assessora especial para o chefe de missão para a Organização Internacional para as Migrações (OIM), Socorro Tabosa, destacou a importância da parceria da organização com o CNJ. “A partir dessa parceria, também já tivemos a oportunidade de implementar 10 turmas de treinamento sobre estruturação dos locais de atendimento a vítimas do tráfico de pessoas e de escuta qualificada aos migrantes em situação de vulnerabilidade. Temos também, em fase de finalização, um treinamento online, dedicado aos técnicos do Poder Judiciário, com o aprimoramento de suas atividades, com foco na prevenção e assistência às vítimas”.
Rotas dos crimes
Entre as vítimas, 614 são brasileiras (85,99%); 44 (6,16%), estrangeiras; e, nos demais casos, não foi possível identificar a nacionalidade. O Brasil é indicado como o único país de origem das vítimas em 92,36% dos processos, o que corresponde a 133 ações penais. Nas demais, foram mencionados Paraguai, Argentina, Bolívia, Haiti e Alemanha.
A Espanha é o país que mais recebe as vítimas traficadas do Brasil, tendo sido o destino pretendido em 82 processos (56,94%). Em segundo, aparecem Portugal e Itália – países escolhidos pelos réus para o envio de vítimas em 14 processos. São ainda citados Suíça, Suriname, Estados Unidos, Israel, Guiana, Guiana Francesa, Holanda e Venezuela.
Sentenças
Nas 144 ações penais analisadas com decisão em segunda instância perante a Justiça Federal, foram verificados 350 réus denunciados pelo crime do artigo 231 do Código Penal e outros delitos relacionados. Dos réus, 194 são mulheres e 156 são homens, ou seja, o número de rés supera o de homens em cerca de 10%.
No total, 121 réus (34,57%) foram condenados por todos os crimes denunciados, ao passo que 70 (20%) foram condenados por, pelo menos, um dos crimes de que foram acusados. Para 98 deles, a condenação foi superior a quatro anos.
Outros 120 réus (34,29%) foram absolvidos de todos os crimes a eles imputados. Para quatro, o processo foi extinto sem resolução do mérito e, para dois réus, não foi possível saber o resultado que transitou em julgado, pois a decisão não foi disponibilizada.
Para 317 réus, o processo já havia transitado em julgado. Dessa forma, apenas 33 réus (9,43%) ainda aguardavam resposta definitiva do Judiciário no momento de conclusão da pesquisa.
Em sua análise, os pesquisadores consideram que a prevenção do tráfico de pessoas e seu enfrentamento encontram desafios em escala mundial que contribuem para a impunidade. “No Brasil, soma-se a esse cenário o fato de que o trâmite das ações penais relacionadas ao tráfico internacional de pessoas mostra-se excessivamente moroso”, advertem.
A pesquisa constatou que a média de duração dos processos estudados é de 3.966 dias, o que corresponde a 10 anos, 10 meses e 16 dias (desprezando-se, nesse cálculo, os processos não transitados em julgado).
Os autores do relatório recomendam que, além de aprimorar a condução das investigações e a gestão dos processos judiciais, as instituições responsáveis pela prevenção e repressão do crime atuam de forma coesa e coordenada. “Se o tráfico é uma rede que aprisiona pessoas, as instituições devem se empenhar para libertá-las, amparando-as por meio de outra rede: a de apoio e de reinserção social”, apontam os estudiosos do tema no relatório.
A campanha “Brasil sem tráfico humano” é uma parceria da OIM e do CNJ e faz parte do projeto “Fortalecendo as Capacidades do Sistema de Justiça para o Combate ao Tráfico de Pessoas e Crimes Conexos. O financiamento é do Fundo da OIM para o Desenvolvimento.
Pureza
O evento “Juntos contra o tráfico de pessoas e o trabalho escravo contemporâneo” contou com a exibição do filme “Pureza”, baseado na história real de Pureza Lopes Loyola, uma mãe que lutou para livrar o filho de situação de trabalho escravo. Tanto Pureza, quanto o diretor do filme, Renato Barbieri, e a atriz Dira Paes, que interpretou Pureza no longa metragem, participaram do evento presencial, presidido pela presidente do CNJ, ministra Rosa Weber.
Texto: Mariana Mainenti
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias