Mulheres ainda enfrentam obstáculos invisíveis na ascensão em carreiras do Sistema de Justiça

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Em painel no seminário virtual Mulheres no Sistema de Justiça, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil, a presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministra Maria Cristina Peduzzi, lembrou a trajetória histórica do feminismo desde o Século 19, quando a literatura criou personagens como Madame Bovary e outras que foram punidas por romper com a tradição, até os dias atuais, ao tratar especificamente da integração da mulher ao Poder Judiciário. A ministra citou a ocupação crescente das mulheres em cargos da magistratura, que subiu de 24% em 1998 para 38% em 2019, mas também a demora em promover mulheres aos tribunais superiores.

Cnéa Cimini foi a primeira mulher ministra de tribunal superior brasileiro (TST) apenas em 1990. Eliana Calmon foi a primeira ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 1999 e a ministra Ellen Gracie, a primeira mulher ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2002. Peduzzi, a primeira mulher a ocupar a Presidência do TST, citou como exemplo a participação predominante de mulheres nos quadros da Justiça trabalhista, que é de 50,5% entre magistrados, 54% dos servidores e 56% dos cargos de confiança e em comissão. De acordo com diagnóstico do CNJ, alguns tribunais se destacam na paridade entre mulheres entre o corpo de magistrados – Bahia tem 61% dos magistrados mulheres e São Paulo, 58%.

“A democratização do Judiciário impõe vigilância constante sobre divisão sexual do trabalho não-remunerado que consome horas de trabalho que poderiam ser deslocadas para o estudo. Além da liberdade alcançada, ainda será tempo para manter luta pela igualdade plena. Como dizia Clarice Lispector, ‘liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome’”, afirmou a ministra e ex-conselheira do CNJ.

A representante do Conselho Nacional de Justiça no painel, conselheira e procuradora de Justiça, Ivana Farina, expôs um quadro semelhante ao tratar da presença da mulher no Ministério Público. Em 2017, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) realizou levantamento que apontou presença de 41% de mulheres e 59% de homens na carreira. Afirmou que a sub-procuradora geral da República Raquel Dodge foi a primeira e única mulher a ser nomeada Procuradora-Geral da República.

A conselheira Ivana Farina atribuiu à presença feminina de Dodge no posto mais alto da carreira à escolha de o CNMP pautar a questão da equidade de gênero na carreira. Também são exemplos dessa nova orientação a indicação de duas representantes do Ministério Público para o CNJ, a realização da 1ª Conferência de Mulheres do MPF, em 2019, as conferências regionais que se seguiram, em que os depoimentos de integrantes do MP deram uma visão qualitativa da realidade levantada até então pelas estatísticas.

“Extraímos dessas escutas expostas nas conferências tão qualificadas as mais diversas circunstâncias relatadas sobre a carreira, como assédio sofrido e obstáculos invisíveis nas promoções”, afirmou. A conselheira Ivana Farina concluiu com o trecho de um poema da sua conterrânea, a poetisa goiana Cora Coralina. “Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir e chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é decidir”, disse.

Eliminação da desigualdade

A ministra do Superior Tribunal Militar (STM) Maria Elisabete Rocha lembrou as dificuldades para uma mulher ingressar na magistratura, em que concursos têm bancas examinadoras formadas principalmente por homens, mas sobretudo os obstáculos “invisíveis” que encontram para progredir na carreira. De acordo com o estudo do CNJ quanto mais elevada posição na carreira, cai o percentual feminina em cada estágio da carreira. Enquanto elas são 44% dos magistrados substitutos, são 39% dos titulares, 23% do conjunto de desembargadores e apenas 16% entre ministros de tribunal superior.

“Esse fenômeno decorre de os cargos serem indicação política e da dificuldade de a mulher transitar em espaços tradicionalmente ocupados por homens. O processo da meritrocracia é prejudicado por flagrantes assimetrias na ocupação de cargos, razão pela qual o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou em 2018 a Resolução CNJ n. 255, para criar uma política e aumentar a participação feminina no Judiciário,  eliminar desigualdades entre sexos e estimular medidas para assegurar mecanismos e diretrizes a fim de incentivar participação de mulheres nos cargos de chefia e assessoramento em bancas de concurso e em eventos institucionais, na condição de palestrantes”, afirmou, a ministra Maria Elisabete Rocha, primeira mulher a ingressar na instância mais alta da Justiça Militar em 212 anos da Justiça Castrense.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias