O trabalho de cooperação jurídica internacional em matéria penal resultou, nos últimos 20 anos, em um montante de US$ 1,5 bilhão bloqueado em outros países, a pedido do Brasil. Desse valor, no entanto, apenas US$ 282 milhões foram repatriados. Os dados foram apresentados pela diretora do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Érika Marena, durante o seminário “Políticas Judiciárias e Segurança Pública”, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Ao participar do painel “Cooperações Nacionais e Internacionais – Recuperação de Ativos e Cumprimento de Decisões Judiciais”, na última segunda-feira (25/2), a diretora do DRCI destacou que a recuperação de ativos internacionais depende do trânsito em julgado das ações, o que geralmente não acontece antes do prazo definido pelo acordo entre os países. “O dinheiro só é devolvido após o trânsito em julgado, que é o grande gargalo da Justiça Brasileira. O bloqueio dos bens tem prazo e não consegue ser finalizado dentro do tempo adequado.”
Érika Marena ressaltou que os tratados internacionais têm se aprimorado, evitando que o “crime compense”. “Antigamente, os criminosos achavam que seus ativos eram inatingíveis, mas a colaboração entre os países contribuiu para descapitalizar o crime organizado”, afirmou. Mesmo assim, a média para que um pedido de bloqueio internacional de bens seja atendido é de sete a oito meses.
Ela informou ainda que o Brasil é responsável por 65% dos pedidos ativos, sendo 75% das solicitações oriundas do Poder Judiciário. Quanto aos tipos de crimes, 20% são referentes a patrimônio; 12%, lavagem de dinheiro; 10%, tráfico de drogas; e apenas 7% relativos à corrupção. A diretora ressaltou a necessidade do reforço na cooperação interna, entre os órgãos cujas tarefas podem contribuir para chegar à apreciação de sentença.
Colaboração internacional
A juíza federal Gabriela Hardt, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), também falou sobre a necessidade de ampliar a colaboração com outros países. “Não há como resolver grandes casos sem a colaboração internacional específica”, afirmou. Ela apontou que há uma dificuldade em repatriar os bens, mesmo quando bloqueados, por causa da demora no trâmite processual.
Segundo a magistrada, a Operação Lava-Jato, por exemplo, conseguiu repatriar R$ 848 milhões desde 2014, por meio dos acordos de delação premiada, que ajudaram a identificar onde estavam as contas e os valores no exterior. Em outras ações, como no caso do Banestado, ainda há valores bloqueados, mas que estão prescrevendo e, por isso, os bens têm de ser liberados. Em relação a esse caso específico, foram bloqueados 17,5 milhões de dólares, mas repatriados apenas US$ 3,5 milhões.
Gabriela Hardt apresentou algumas sugestões para ampliar a recuperação de ativos, como a simplificação do sistema recursal; a identificação e prioridade de julgamento em todas as esferas de ações com valores bloqueados no exterior, por meio da informatização e melhora das informações; e a especialização de varas para processamento dos pedidos de cooperação passiva.
Trabalho conjunto
O secretário especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ, Richard Pae Kim, por sua vez, destacou que o combate à corrupção depende do trabalho conjunto do Judiciário e de todo o sistema. “É uma engrenagem que tem que funcionar com o Executivo, com o Ministério Público, com a Defensoria, a Ordem dos Advogados do Brasil e as polícias. Caso contrário, o combate não surtirá efeito.”
Ele apontou vários desafios para unir e estabelecer estratégias de combate às organizações criminosas, sonegadores, fraudadores fiscais e estelionatários. “É importante que tenhamos uma ação integrada de todas as forças e principalmente precisamos ter algum catalisador para que essas estratégias possam ser colocadas no papel e levadas ao Congresso Nacional.”
Pae Kim contou que o CNJ está trabalhando na construção de um sistema que torne mais célere a cooperação internacional, por meio da intensificação do diálogo com o Executivo, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. “A ideia é compartilhar informação e capacitar os juízes em cooperação jurídica internacional, em especial com a realização de cursos do programa nacional de difusão e cooperação jurídica internacional, que já existe desde 2010. Vamos também buscar melhorar esse diálogo com a utilização de formulários de cooperação elaborados pelo DRCI.”
Ele frisou ainda que haverá um trabalho de cooperação junto com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). “Já demos início às tratativas, debatendo sobre o combate à lavagem de dinheiro e corrupção e financiamento ao terrorismo, na semana passada.”
Além disso, o Conselho deve implementar um sistema de levantamento periódico de dados estatísticos, a partir de números que serão fornecidos pelos tribunais, com o objetivo de cumprir o que está pactuado na Convenção das Nações Unidas contra a corrupção. “O CNJ está trabalhando em sua base de dados e no sistema de replicação e, com isso, facilmente vamos obter essas informações dos tribunais, sem que tenhamos que pedir os dados a toda hora e, assim, colaborar para melhorarmos as políticas judiciárias e demais políticas de combate à corrupção”, disse o secretário especial.
Sob a coordenação da Corregedoria Nacional de Justiça, ainda está sendo debatida a integração de notários e registradores ao sistema de prevenção à lavagem de dinheiro. Também deve-se estabelecer a tramitação inteiramente eletrônica de documentos relativos à cooperação internacional e constituir um grupo de trabalho para o estudo de medidas de implantação das determinações da Convenção da Haia em relação a sequestros de crianças.
O CNJ também está reativando a Rede Nacional de Cooperação, que será coordenada pelo conselheiro Fernando Mattos; e o Comitê de Cooperação Internacional, visando contribuir no diálogo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública. A expectativa é que haja avanços até o final deste ano, conforme explicou o juiz auxiliar.
Lenir Camimura Herculano
Agência CNJ