Mato Grosso poderá ser o primeiro e único estado brasileiro a quitar as suas dívidas com precatórios. Na semana de 14 a 18 de maio, a Central de Conciliação de Precatórios do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) quitará quatro anos de débitos, referentes ao período de 2006 a 2009. Durante a semana serão realizadas 160 audiências de conciliação em que o ente devedor é o Estado de Mato Grosso. O valor do pagamento ficará em torno de R$ 50 milhões, segundo o juiz conciliador, José Luiz Leite Lindote.
Os recursos para o pagamento já estão depositados em conta judicial e são provenientes do repasse mensal de 1,5% da receita líquida corrente do Estado para pagamento de precatórios, conforme prevê a Constituição Federal. A Central de Conciliação de Precatórios do Poder Judiciário fiscaliza o repasse e, caso os administradores se neguem a cumprir a Constituição, a verba é sequestrada.
Mato Grosso vem cumprindo rigorosamente com o repasse e, segundo o juiz Lindote, ao final deste mutirão, a dívida do Estado com precatórios deve cair para R$ 48 milhões. Valor que alcançava a cifra de R$ 1,2 bi no dia 1º de março de 2011, como informado à época pela Fazenda Pública Estadual, quando tomou posse a atual administração do TJMT.
Desde então, várias iniciativas foram adotadas visando a redução desse valor, entre elas auditorias realizadas pelo Poder Judiciário nos cálculos e na metodologia dos cálculos de correção dos precatórios; exclusão de precatórios pagos, através de compensação junto à Procuradoria-Geral do Estado, mas que ainda constavam como ativos; e a gestão da Administração do TJMT junto ao governo do Estado para o rigoroso cumprimento do repasse constitucional para pagamento de precatórios.
O juiz conciliador destacou o empenho do presidente do TJMT, desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho, para que a dívida do Estado e dos municípios com precatórios seja extinta, reforçando a credibilidade do Poder Judiciário e beneficiando credores, muitos descrentes de que um dia receberiam a quantia devida em virtude do tempo de espera. “Era o ganhou, mas não levou”, lembra o magistrado.
O juiz ressaltou também o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que no ano passado enviou uma equipe de juízes e técnicos a Mato Grosso com o objetivo de colaborar na uniformização dos procedimentos da Central de Conciliação de Precatórios. As ações foram promovidas pelo CNJ, a pedido do presidente do TJMT, para garantir mais transparência e celeridade ao setor.
Metas 2012 – Com as ações promovidas pela Central de Conciliação de Precatórios, 2012 deve superar 2011 no valor total pago de precatórios. Ano passado, foram pagos R$ 83,5 milhões em precatórios, um recorde desde a inauguração da central, em outubro de 2007. Este ano, até abril, já foram pagos cerca de R$ 50 milhões. Parte desse valor, R$ 35 milhões, foi paga durante um mutirão de audiências, realizado em março. De 1º a 12 daquele mês, foram pagos 5 anos de precatórios, referentes ao período de 2001 a 2005.
De acordo com o juiz José Luiz Lindote, como o repasse é mensal e os recursos continuarão acumulando, no segundo semestre outro mutirão deverá ser realizado, com o objetivo de quitar os precatórios referentes a 2010, 2011 e talvez 2012. “A expectativa é superar o ano passado e realizar outra rodada de audiências. Com isso vamos avançar na ordem cronológica e nos aproximar do ano base”, salientou o juiz conciliador
Estratégia – A Central de Conciliação de Precatórios do TJMT define a sua estratégia de atuação baseada na Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009 e que alterou a redação do artigo 100 da Constituição Federal. A referida emenda determina que o pagamento dos precatórios deve obedecer à ordem cronológica.
Determina ainda que os débitos de natureza alimentícia, decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões, indenizações por morte, serão pagos com preferência sobre os demais. E que esses débitos cujos titulares tenham 60 anos ou mais e sejam portadores de doenças graves serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo do fixado em lei do valor da Requisição de Pequeno Valor (RPV), que em Mato Grosso é de pouco mais de R$ 11 mil, totalizando assim R$ 35 mil.
O juiz José Leite Lindote diz que o Estado de Mato Grosso vem cumprindo a lei e priorizando o pagamento dos precatórios preferenciais. O magistrado também ressaltou que mais de 30 municípios mato-grossenses não possuem mais débitos com precatórios e os outros estão em vias de regularização, cumprindo o repasse constitucional de 1% da recdeitga líquida. “Pontualmente, um ou outro prefeito atrasa o pagamento e nesses casos nós seqüestramos o valor”.
Pequeno valor – Mato Grosso conseguiu em 2012 quitar os pagamentos das Requisições de Pequeno Valor (RPVs). Ano passado, o valor da dívida do estado com RPVs era de R$ 10,3 milhões e caiu para zero em 2012. Aos poucos, os municípios também caminham para esta realidade. Em 2011, a dívida deles com as RPVs era de R$ 4 milhões. Hoje não chega a R$ 1,4 mi.
Levantamento realizado pela Central de Precatórios do TJMT mostra que em 2011 foram pagos 660 credores de RPVs e que no primeiro quadrimestre deste ano já foram pagos 339 credores. O juiz Lindote ressalta que não significa que este valor seja referente a débitos em atraso, já que o ente público tem prazo de 120 dias para pagar as RPVs.
Caso cadetes – Uma família que será beneficiada com o pagamento de precatórios durante a semana de audiências a ser realizada pelo TJMT é a de Yoshimi Kobayashi e sua esposa, Takako. O precatório é resultado de uma ação judicial movida pela família contra o Estado de Mato Grosso em virtude da morte do filho deles, o cadete Sérgio Hirakuza Kobayashi, 26, durante um treinamento militar.
Sérgio Kobayashi e o colega Evaldo Bezerra Queiroz, 29, morreram no dia 5 de abril de 1998, quando estavam no terceiro e último ano do Curso de Formação de Oficiais (CFO), da Polícia Militar. Eles se afogaram no córrego Padre Inácio, a 35 quilômetros de Cáceres, depois de um dia de grande desgaste físico para 35 cadetes que participavam do treinamento. O grupo vinha da Academia da Polícia Militar (APM), em Várzea Grande, de onde saíram às 3 horas do dia 4 de abril de 1998.
Em Cáceres, seria dada uma aula prática da disciplina Técnica Geral de Policiamento, considerada uma das mais difíceis do curso. O exercício tratava de uma simulação de táticas de combate ao crime nas regiões de fronteira. A princípio, deveria durar até as 18 horas, mas acabou sendo estendido até a madrugada do dia seguinte. O comando da PM sustentou que teria ocorrido um acidente, no momento em que os cadetes tomavam banho no córrego, logo após o término dos exercícios. “Durante este período, Evaldo sofreu câimbras. Kobayashi se afogou na tentativa de socorrer o colega”, trouxe a nota oficial.
No entanto, conforme o relato dos próprios cadetes, teria havido excessos na conduta dos instrutores. Sem dormir desde a sexta, os alunos enfrentaram 18 horas de um intenso treinamento que culminaria com um exercício de mergulho no córrego, no qual os cadetes tiveram que entrar vestindo gandola (casaco militar de mangas longas) e coturnos de cano alto e solas grossas. Queiroz sentiu-se mal durante a tarefa, foi socorrido pelos colegas, mas não resistiu. O treinamento foi imediatamente interrompido e todos os cadetes retornaram para a sede do 6º Batalhão da PM, em Cáceres, menos Kobayashi. O corpo dele só foi encontrado no dia seguinte.
Do TJMT