Morosidade e falta de estrutura são problemas denunciados no Amazonas

Compartilhe

Morosidade de processos, falta de infraestrutura física nas varas, despreparo por parte de servidores de prefeituras cedidos para trabalhar em comarcas do interior e, até mesmo casos de nepotismo cruzado foram denunciados pelos cidadãos amazonenses na audiência realizada em Manaus (AM), nesta quinta-feira (12/02), pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Cidadãos também ocuparam o microfone para relatos emocionantes de problemas na Justiça.

Um dos casos  foi de Sofia Barroso Braga da Costa. Aos 84 anos e com dificuldades de locomoção, a aposentada, que  aguarda há muito tempo uma solução para uma pendência judicial envolvendo a posse de terreno de sua propriedade e a concessão de escritura, literalmente parou a sala do fórum Enoch da Silva Reis, em Manaus. “Sou pobre, viúva e mãe de nove filhos. Não era recebida  em local algum. Agradeço muito a oportunidade de ser atendida aqui”, afirmou.

Sofia, que teve prioridade para falar na lista de pessoas inscritas para a audiência, diante das suas condições, contou que “fez questão de ir até o fórum para cumprir com o exercício da sua cidadania”.  A senhora afirmou que perdeu a conta de quantas repartições públicas percorreu ao longo dos últimos anos ao lado do irmão, mais novo que ela para tentar resolver o problema. “Cheguei a ser colocada para fora de um órgão público por insistir no andamento de ação à qual eu tenho direito”, ressaltou. 

Nove anos –  O cadeirante Márcio Antonio dos Santos da Costa protagonizou uma das cenas mais emocionantes observadas durante a audiência. Hoje com 33 anos de idade, Marcos Costa estava num bar há nove anos quando foi atingido por  um tiro nas costas que o deixou imobilizado para sempre. O tiro teria sido dado por engano, desferido por um Policial Militar. “Não me envolvi em qualquer tipo de confusão. Mesmo assim, nunca recebi qualquer tipo de indenização pelo que aconteceu. O processo de tentativa de homicídio que foi aberto está parado há anos e enquanto isso, esse PM continua exercendo sua profissão, recebendo seu salário normalmente e trabalhando com a mesma arma que me deixou deficiente”, contou, provocando um misto de emoção e indignação nos presentes.

O cadeirante, que também tem pouca mobilidade com os braços, afirmou que hoje é aposentado por invalidez e precisa da ajuda de familiares e terceiros.” Não tenho advogado, mal tenho condições de pegar um ônibus. Tudo o que quero é o julgamento desse policial e que, a partir desse resultado, me seja concedido algum auxílio.. Antes de levar esse tiro, eu tinha um comércio local, que hoje não existe mais porque não tenho mais condições de tocar o negócio”, frisou. 

Marcos Costa contou, ainda, que procurou uma entidade assistencial para se inscrever, na tentativa de ser contemplado com uma cadeira de rodas elétrica, uma vez que ele também perdeu o movimento dos braços. No entanto, chegou a ouvir que cadeira de rodas é “um luxo”. Diante da situação relatada pelo cadeirante, o comerciante Djalma Castelo Branco, também presente à audiência, se prontificou de doar uma cadeira de rodas nova e mais moderna para Marcos. Ao passo que o advogado Rubenito Júnior se comprometeu de assumir o caso e passar a atuar como seu advogado.

Descumprimento – Outro depoimento foi do pescador Edson Cunha, representante da Federação dos Pescadores do Estado do Amazonas, que  reclamou de a classe ter sido alvo de várias irregularidades, desde 2006.  De acordo com Cunha, os órgãos da administração pública não estão cumprindo preceitos da Constituição Federal garantidores de alguns benefícios aos profissionais que vivem da pesca em épocas da desova de peixes, tais como seguros e outros.

“Queremos que o TJ regule normas referentes aos nossos direitos, pois muitas colônias de pescadores do Amazonas estão passando por dificuldades diante da falta do pagamento do seguro. Os pescadores têm sofrido muito com essa situação”, acentuou.

 Demora – O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Amazonas, Aristófanes Castro Filho, enfatizou que, em muitas varas no interior do Amazonas é comum os advogados darem entrada em uma petição e verem esse documento só chegar ao Tribunal de Justiça após uma demora de, em média, dois dias. “Isso é um absurdo”, reclamou. Castro Filho fez um apelo para que haja melhor interligação na criação de varas por parte do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), inclusive com reforço no processo de informatização.

Já o procurador chefe do Ministério Público Federal (MPF) Edmilson da Costa Barreiros Júnior, criticou a falta de estrutura física no funcionamento dos cartórios. O procurador sugeriu que o CNJ elabore uma nota técnica para que o Judiciário amazonense passe a adotar um padrão mínimo de qualidade em todas as comarcas do Estado. Barreiros Júnior afirmou ainda que muitas das comarcas funcionam em prédios cedidos pelas prefeituras cujos administradores, por sua vez, agem “como se estivessem no direito de interferir em decisões judiciais”. O presidente da Associação Amazonense do Ministério Público, Fábio Monteiro, por sua vez, abordou a necessidade de haver, no Amazonas, um aumento do número de juízes, promotores e profissionais de atividade meio para a boa execução dos serviços jurisdicionais.

Nepotismo – A presidente do sindicato dos trabalhadores do Judiciário do Amazonas, Marilene Barreto Guimarães foi outra a ocupar o espaço de depoimentos para fazer queixas. A dirigente sindical entregou um relatório para a equipe do CNJ,em que sugeriu a elaboração, por parte do Conselho, de uma recomendação ao TJAM no sentido de fazer com que mais recursos possam ser destinados para infraestrutura nas comarcas do interior do estado. Também reivindicou para que o CNJ exija, no Amazonas, o cumprimento da resolução que proíbe a prática de nepotismo, uma vez que, segundo denunciou Marilene Guimarães, existem vários casos de nepotismo cruzado no estado. Por fim a representante do sindicato pediu que seja dada orientação a servidores do Executivo cedidos para o Judiciário na realização de cursos de capacitação, “de forma a fazer com que estes servidores compreendam a lisura que precisa ter este tipo de serviço prestado à população”, enfatizou. Marilene Guimarães pediu, também, a realização de um concurso de remoção no TJAM.

 HC/ SR
Agência CNJ de Notícias