Dezessete anos depois de ser criada, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), norma legislativa que pune, previne e busca eliminar a violência doméstica contra a mulher no Brasil, volta a ser debatida por magistrados e magistradas brasileiros com intuito de aprimorar sua aplicação e salvar vidas. “A Lei Maria da Penha inaugurou uma nova fase em prol das ações afirmativas em favor da mulher brasileira, consistindo em um microssistema de proteção à família e à mulher. No entanto, é preciso ir além, uma vez que assistimos uma agudização da violência contra as mulheres em alarmantes proporções”, afirmou a presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, na abertura da XVII Jornada Maria da Penha, nesta segunda-feira (7/7). O evento é promovido pelo CNJ em parceria, este ano, com o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).
Para ilustrar a gravidade do cenário nacional, a ministra citou dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, relativos a feminicídios ocorridos entre 2020 e 2021: 2.695 mulheres foram assassinadas no âmbito doméstico e 62% das vítimas eram negras. “Dados que desnudam a face da dupla discriminação que sofrem as mulheres negras, evidenciando o racismo estrutural de nossa realidade”, afirmou a presidente do CNJ. Ela ressaltou a necessidade de intensificação do combate à violência “enquanto chaga de uma sociedade estruturalmente machista, misógina e patriarcal”.
Rosa Weber conclamou os participantes da Jornada, assim como os intérpretes do Direito, a observarem, com olhar atento, as desigualdades históricas e estruturais do contexto social dos grupos vulneráveis, entre eles, “as mulheres, marcadas por padrões discriminatórios”, e ressaltou a importância, nesse sentido, de os membros do Sistema de Justiça se orientarem pelo Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, documento orientador (criado e desenvolvido pelo CNJ) para a magistratura julgar, evitando a discriminação de gênero.
“É preciso que se coloque uma lupa sobre as fórmulas institucionais correntes, visando revisar as normas práticas e políticas reprodutoras da desigualdade em matéria de gênero, levando em consideração as invisibilidades concretas, culturais, políticas ou institucionais, formadoras do contexto social de discriminação contra as mulheres”, afirmou.
A ministra defendeu ainda a equidade de gênero em espaços de poder: “Reverter essa disparidade histórica é imperativo para que confrontemos essa sistemática exclusão e necessária para a construção de uma sociedade mais democrática”, disse. Durante a cerimônia de abertura do evento, a presidente do CNJ foi homenageada com a medalha de Mérito Judiciário Clovis Beviláqua, oferecida pelo TJCE.
Legislação preventiva
A biofarmacêutica Maria da Penha Fernandes, cuja história está diretamente ligada à criação da Lei 11.340/2006, também participou da cerimônia. Ela preside uma organização não-governamental de combate à violência doméstica – o Instituto Maria da Penha-, e, no evento, destacou o teor preventivo da legislação brasileira. “A norma existe para prevenir a violência, estimular estudos que garantam maior conhecimento sobre nossa sociedade, para integrar e incentivar o trabalho em conjunto. A educação, saúde, segurança pública. Ela nasceu para multiplicar. Para dar assistência, para ressocializar. É uma lei que reforça os centros de educação para pessoas agressoras. Serve para proteger, para que todas as mulheres exerçam seus direitos livres de violência. A lei Maria da Penha é de todas”, afirmou. A ativista dos direitos das mulheres também foi homenageada e muito aplaudida ao finalizar sua fala.
O supervisor da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, conselheiro Marcio Luiz Freitas, reforçou os avanços conquistados pela sociedade brasileira desde a promulgação da lei. “Durante muito tempo, sequer nomeávamos essa violência, que era resolvida intramuros. A mulher sofria uma violência e não tinha o que ser feito. Ela podia até fazer um boletim de ocorrência, mas o agressor voltava para casa e ela voltava a ficar vulnerável. Estarmos aqui hoje, com vários poderes reunidos, é um avanço para tornarmos mais efetiva a proteção dos direitos das mulheres. Não teremos avanços civilizatórios enquanto as mulheres sofrerem discriminação por serem mulheres”, disse o conselheiro.
O presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), desembargador Antônio Abelardo Benevides Moraes, afirmou que sediar o evento este ano foi um ato marcado por vários simbolismos. “Destaco, entre eles, o de revelar quão vitoriosas têm sido a luta e a dedicação de Maria da Penha no sentido de promover uma mudança radical na realidade omissiva e opressora do Sistema de Justiça quanto à garantia dos direitos de mulheres vítimas de violência”.
A vice-governadora do Ceará, Jade Romero, comentou sobre recentes casos de feminicídios ocorridos no Estado e trouxe a necessidade de a população não naturalizar a violência. “Temos de divulgar os números de emergência 180 e 190 para tentarmos evitar os casos de feminicídio. Estamos trabalhando fortemente no combate à impunidade contra esses crimes”, disse.
Jornada
O evento começou nesta segunda-feira (7/8), em Fortaleza, e termina amanhã (8/8), com a apresentação da Carta da Jornada. Durante dois dias, magistrados e membros do Sistema de Justiça debaterão os maiores desafios que a Justiça enfrenta para cumprir a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). A Jornada Maria da Penha é um evento anual, promovido pelo CNJ, desde 2007, sempre em agosto – mês em que se comemora o aniversário de promulgação da Lei 11.340/2006.
Texto: Regina Bandeira
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias