Após ter passado o dia com a família em uma cachoeira, Brail Alves de Araújo Júnior falava distraidamente com a namorada pelo celular, na região do Vale do Amanhecer, em Planaltina/DF, quando foi surpreendido por um tiro na cabeça que o levou à morte. O crime, que ocorreu em fevereiro de 2012, foi levado ao tribunal do júri de Planaltina no dia 17 de novembro e resultou na absolvição de um dos acusados, que já cumpre pena por outros crimes. Dias antes, o Tribunal do Júri de Recanto das Emas condenou uma manicure a quatro anos de reclusão por tentativa de homicídio contra uma cliente que não havia gostado de seu serviço. Os julgamentos fazem parte dos 205 casos que foram pautados no Distrito Federal para o Mês Nacional do Júri, uma iniciativa da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), parceria que une o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e o Ministério da Justiça.
O Brasil ocupa atualmente o primeiro lugar no ranking mundial de homicídios, com mais de 59 mil assassinatos registrados em 2014. Para essa mobilização, os tribunais de todo o país agendaram cerca de cinco mil sessões do Tribunal do Júri. “Não é razoável que uma pessoa tenha um filho morto e, 14 anos depois, não tenha vindo a ela uma resposta. Estamos todos empenhados em fazer com que esses crimes não fiquem impunes nem demoradamente nas prateleiras. Nosso dever é fazer que o cidadão acredite no Estado”, disse a presidente do CNJ, ministra Cármen Lúcia, na abertura do Mês Nacional do Júri no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).
De acordo com o juiz João Marcos Guimarães Silva, coordenador da Enasp no TJDFT e titular do Tribunal do Júri de Taguatinga, o critério de escolha dos júris seguiu a determinação do CNJ com a priorização dos crimes de homicídio envolvendo violência contra a mulher (feminicídio), dos crimes praticados por policiais no exercício ou não de suas funções, e dos crimes praticados oriundos de confrontos dentro ou nos arredores de bares e/ou casas noturnas. “A importância (do Mês Nacional do Júri) está voltada para a conscientização e mobilização de todos os agentes públicos e instituições envolvidos no compromisso de conceder respostas rápidas aos crimes dolosos contra a vida, em atendimento aos anseios da sociedade”, afirmou o juiz Silva.
Falta de provas – No caso do homicídio ocorrido em Planaltina, que resultou na morte de Brail Júnior, o réu, Renato dos Santos Rosales, conhecido como “Ratão”, acabou absolvido pelo júri por falta de provas. “Ratão” chegou a ser o criminoso mais procurado em Planaltina, e foi preso em 2012, acusado de ter cometido sete homicídios. Neste caso, no entanto, o Ministério Público entendeu que não havia provas suficientes de sua participação, considerando ainda o fato de que um adolescente havia confessado o crime. “Aqui é o local onde a comunidade pode ver a Justiça sendo feita pela própria mão da comunidade”, disse o promotor Gladson Raeff Rocha Viana.
Maria da Penha e motivos fúteis – Entre os casos que estão sendo julgados no Distrito Federal no Mês Nacional do Júri, um deles, no tribunal do Júri de Águas Claras, resultou na condenação de Thiago da Penha Dutra a dois meses e 15 dias de detenção por ter tentado atear fogo no corpo da ex-namorada, em fevereiro deste ano. O crime só não se consumou porque a mulher, após ter sido coberta por substância inflamável, conseguiu bater nos braços do acusado, que segurava um isqueiro.
Os jurados se deparam com diversos casos de motivação fútil para os crimes, como foi o da tentativa de homicídio levada a júri no dia 11 no Recanto das Emas. No caso, a manicure Kátia dos Santos Pinheiro Machado foi condenada a quatro anos de reclusão pelo crime de tentativa de homicídio contra uma cliente que, após fazer as unhas, disse a outras pessoas que não havia gostado. Kátia foi condenada por tentar matar a cliente com disparos de arma de fogo.
Em Planaltina, foi levado a julgamento no tribunal do júri um caso envolvendo dois ex-policiais que há 19 anos trocaram tiros na porta de um bar. O motivo da briga teria sido o volume do som do carro de um deles, que estaria “competindo” com a música ouvida pelo grupo do outro. Ambos foram absolvidos porque não houve vítimas e os ex-policiais já não se lembravam mais com detalhes o que havia acontecido.
Anos anteriores – O Mês Nacional do Júri foi formalizado na Recomendação CNJ n. 53/2016. Até o ano passado, o CNJ e as demais instituições do sistema de Justiça (Ministério e Defensoria Públicos, por exemplo) realizaram a Semana Nacional do Júri. Nas edições de 2014 e 2015, foram julgados cerca de 5 mil crimes dolosos contra a vida. Nos anos anteriores, segundo o juiz João Marcos Guimarães Silva, no TJDFT foram julgados aproximadamente 90% dos júris pautados.
Saiba como funciona o Tribunal do Júri.
Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias