A ausência de políticas públicas eficazes para a reintegração de egressos do sistema prisional agrava a vulnerabilidade social e a reincidência criminal no Brasil. Diante desse cenário, a leitura surge como ferramenta de emancipação e transformação. Com essa premissa, foi realizado nessa segunda-feira, 31 de março, no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o Encontro Nacional de Juízes e Juízas Estaduais de Execução Penal. O evento integra o projeto Mentes Literárias: da Magia dos Livros à Arte da Escrita, que busca universalizar o acesso aos livros e incentivar a escrita nos presídios do país.
A iniciativa, conduzida pelo programa Fazendo Justiça, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e com o apoio da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), propõe semear novos horizontes e possibilidades por meio da leitura e da cultura. O evento tem como objetivo a execução da estratégia nacional de universalização do acesso à cultura a pessoas privadas de liberdade, em conformidade com a Resolução n. CNJ 391/2021.
Na abertura do evento, o supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, conselheiro José Rotondano, enfatizou que falta de iniciativas de ressocialização é um problema generalizado no país, já que os sistemas penitenciários estaduais, em sua maioria, não oferecem políticas para a reintegração dos egressos. De acordo com ele, a leitura surge como ferramenta de emancipação e humanização.
“Ainda que tenha havido um salto significativo com a adição da Resolução n. 391, o Censo Nacional da Leitura em Prisões, realizado pelo CNJ em 2023, revelou que aproximadamente 50% das unidades prisionais do país não possui projeto voltados à leitura. “Mostra-se imprescindível que sejam adotadas políticas públicas e judiciárias estruturantes voltadas, entre outros aspectos, às práticas educativas e não educativas no ambiente prisional”, avaliou.

Ele ressaltou ainda que é essencial uma atuação mais ativa do Poder Judiciário na articulação institucional e com a sociedade civil para a formação de projetos voltados a esse público. “E aqui eu faço o destaque para a importância do juiz de execução penal que deve, no exercício de sua atividade fiscalizatória, exigir a oferta desses serviços pelas unidades penitenciadas”, afirmou.
O presidente da Comissão do Sistema Prisional, Controle Externo da Atividade Policial e Segurança Pública (CSP) do CNMP, conselheiro Jaime de Cassio Miranda, destacou a satisfação do CNMP em sediar o evento. “Que a gente realmente saia daqui com boas reflexões. Quero deixar a nossa comissão à disposição de todos. Temos feito um trabalho efetivo em diversas frentes, como o fundo rotativo, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) e o método da Associação de Proteção e Assistência ao Condenados (APAC). Queremos ver o sistema prisional evoluir, mesmo diante dos desafios”, afirmou.
Já o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Rogério Schietti, abordou os desafios do sistema carcerário brasileiro, como o excesso de processos, a superlotação e a desumanidade das condições nas prisões. “O juiz criminal brasileiro não pode ignorar a gravidade da crise penitenciária. Cabe aos magistrados, com responsabilidade, minimizar os efeitos danosos sobre essa imensa população”, afirmou.
O juiz auxiliar da presidência do CNJ, Luís Lanfredi, que é coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), destacou a importância da parceria entre as instituições. “As ações que nascem no Conselho Nacional de Justiça não são ações do Judiciário, são ações pelo sistema de Justiça. Realizar este evento, na casa do Ministério Público, simboliza que temos o mesmo propósito, uma mesma orientação”, afirmou.
Pena Justa
Ainda na abertura do evento, os participantes também discutiram o Pena Justa, iniciativa do Supremo Tribunal Federal para enfrentar problemas estruturais do sistema prisional. Jaime Miranda sugeriu a inclusão do método Apac no programa por promover dignidade no cumprimento da pena.
Schietti reforçou a importância da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 347, que reconheceu o estado de coisas inconstitucional das prisões brasileiras e resultou na criação do Pena Justa. “Tenho esperança de que esse plano possa trazer um futuro melhor, especialmente para grupos vulneráveis, a exemplo da população negra, da população LGBTQIA+, imigrantes, povos indígenas, mulheres, pessoas idosas, em situação de rua,com deficiência, com aids e outras doenças infectocontagiosas ou crônicas”, afirmou.
Programação
Após a abertura, a programação seguiu com uma roda de leitura dividida em dois grupos, nos quais foram feitas as leituras do livro Ainda Estou Aqui, do escritor Marcelo Rubens Paiva, e da obra “O que me espera? De onde eu vim, para onde eu irei” escrita por internos do sistema penitenciário do Distrito Federal, que compartilha reflexões dos reeducandos sobre a realidade de suas vivências.

O evento contou também com discussões sobre as experiências de leitura no sistema carcerário brasileiro e a importância do juiz da execução penal na efetividade da Resolução n. 391/2021 do CNJ. Os debates foram conduzidos por magistrados, autoridades e especialistas no tema.
Veja aqui a programação completa.
Mentes Literárias
O Mentes Literárias busca promover a leitura como ferramenta de ressocialização, alinhado à Resolução CNJ n. 391/2021, que incentiva a remição de pena por meio da leitura. A iniciativa prevê rodas e oficinas de leitura e escrita em unidades prisionais, além da estruturação de bibliotecas e qualificação de acervos literários nesses espaços. O projeto tem metodologia baseada em encontros quinzenais ou mensais ao longo de seis meses, promovendo a continuidade e o aprofundamento das práticas de leitura.
Agência CNJ de Notícias, com informações do CNMP