Menor IDH do Brasil: Melgaço (PA) recebe ação da Justiça no combate à violência contra a mulher

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Salvaterra e Soure (PA) - Ação para Meninas e Mulheres do Marajó - Foto: Letícia Antum/Agência CNJ.
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A cidade Melgaço (PA), que apresenta o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, sediou, nesta segunda-feira (17/2), a abertura da 3.ª itinerância do projeto Ação para Meninas e Mulheres do Marajó. Promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), a iniciativa levou orientação para profissionais vinculados à rede de proteção feminina, além de inaugurar o Ponto de Inclusão Digital (PID) que vai atender a mais de 60% da população melgacense que vive na zona rural.

O desembargador do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA) Leonardo Tavares acredita que a visita dos representantes do Poder Judiciário a Melgaço representa o marco de um novo tempo para aquela população. “O Marajó como um todo era uma região esquecida pelos poderes desse país. Agora, felizmente, tem recebido um novo olhar”, avaliou. Ainda segundo Tavares, dezenas de casos de violência contra mulheres e meninas eram registrados no arquipélago e posteriormente encerrados por falta de provas. “O objetivo é que os órgãos da rede de proteção sigam trabalhando juntos para mudar essa realidade e, assim, a população volte a acreditar na Justiça”, comentou.

Representando a supervisora da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no Poder Judiciário, conselheira do CNJ Renata Gil, a chefe de gabinete Celina Coelho afirmou que o projeto está estruturado, mas necessita do envolvimento ativo de órgãos governamentais e não governamentais. “É fundamental que os integrantes do sistema de justiça, do sistema de saúde, dos centros de referência de assistência social, da educação e da sociedade civil estejam atuando de mãos dadas para que a população dos 16 municípios do Marajó conquiste o direito legal de ter acesso à cidadania e à segurança”, pontuou.

Segundo o juiz do município de Melgaço, Bruno Felippe Espada, a ação do CNJ e do TJPA traz cidadania para a população ribeirinha, em especial para as mulheres. “Sabemos que a subnotificação existe, tendo em vista que o número de casos de violência registrado no Poder Judiciário é menor do que, de fato, ocorrem na região”, mensurou.

Ainda de acordo com o magistrado, a importância do projeto é trazer clareza quanto aos direitos dessas mulheres e, principalmente, dar voz a elas. “Entendemos que muitas mulheres são vítimas de violências diversas, mas não efetuam a denúncia por medo ou até por dependência financeira do agressor”, observou. “É uma comunidade que vive predominantemente do plantio, sendo o homem, na maioria das vezes, quem sustenta a casa. Por isso, queremos que essas mulheres conheçam alternativas para alcançar a liberdade financeira e a coragem para sair do ciclo da violência”, reforçou Bruno Espada.

Atendimento à mulher

Melgaço não possui Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam). Em razão disso, os casos de violência contra mulheres e crianças são registrados na delegacia do município. Em 2023, foram registradas 40 ocorrências de violência doméstica; 8 de estupro simples; 2 de estupro de vulnerável; e 1 ocorrência do crime de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia. Já no ano de 2024, foram feitos 39 registros de violência doméstica; 3 de estupro simples; e 11 registros de estupro de vulnerável.

Na avaliação do delegado do município, Paulo Henrique Soares Júnior, os números não mostram a totalidade de casos, já que muitas vítimas acabam não denunciando por medo do agressor. Nesse contexto, ele reforça a importância de efetuar as denúncias. “É válido ressaltar que, quando não conseguimos prender o acusado em flagrante, fazemos o pedido de medidas protetivas. Em outros casos, solicitamos a prisão preventiva. Uma denúncia feita no tempo oportuno pode salvar uma vida”, enfatizou.

Os casos de violência sexual contra mulheres e crianças são reais no município. A dona de casa Marlucia Calixto, de 35 anos, moradora da comunidade Santa Luzia, zona rural de Melgaço, conta que a irmã mais nova foi vítima de estupro por dois homens, quando tinha 14 anos de idade. “Foi dentro de um barco, no caminho de Melgaço para Portel”. Por causa de uma denúncia anônima, os dois homens envolvidos no caso foram presos.

Nascida e criada em Melgaço, a secretária municipal de Políticas Públicas para as Mulheres, Josyrema Viegas, relata que as dificuldades enfrentadas pela população são inúmeras, principalmente a falta de estrutura e difícil acesso à educação. “No nosso processo de escuta, percebemos que centenas de mulheres da região não têm a consciência de que são sujeitos de direitos. Por isso, temos trabalhado arduamente pelo empoderamento das mulheres melgacenses”, comentou.

Inauguração do PID

No turno da manhã, cerca de 60 representantes da rede de proteção do Marajó participaram da palestra “Tipos de violência contra a mulher e o atendimento em rede”.

Inauguração do Ponto de Inclusão Digital (PID). Da esquerda para a direita Juiz Bruno Espada, assessora Celina Coelho e Desembargador Leonardo Tavares. Foto TJPA

Já na parte da tarde, a comitiva inaugurou o Ponto de Inclusão Digital (PID), instalado na zona rural de Melgaço, às margens do Rio Anapu. A localização escolhida foi estratégica para atender à população que reside a 150 km de distância do centro de Melgaço. Para chegar na comunidade, o tempo médio de deslocamento é de 1h30 de lancha rápida ou 2h de barco.

Neste primeiro momento, o PID de Melgaço já está disponível para oferecer consulta processual, participação em audiência, solicitação de registro de Boletim de Ocorrência (BO) via balcão virtual, além de ter um profissional disponível para tirar dúvidas da população sobre assuntos jurídicos. O espaço será utilizado também pela equipe da rede de proteção para fazer escutas especializadas junto à comunidade. Posteriormente, o espaço será utilizado para fazer consultas por telemedicina e, ainda, para solicitação de documentos.

De acordo com o prefeito de Melgaço, Zé Viegas, a instalação do PID é fundamental para que haja um contato direto e mais rápido entre a zona rural com a zona urbana da cidade. “Essa é uma área de difícil acesso da nossa cidade. Antes do PID, a situação era muito difícil. Para que uma denúncia de violência fosse feita, a mulher precisaria gastar horas de deslocamento e recurso para conseguir chegar à zona urbana para efetuar o boletim de ocorrência. Estamos felizes em dar esse passo importante no desenvolvimento da cidade, com o apoio do CNJ e do TJPA”, sinalizou.

Mulheres de Melgaço/PA encerram a programação do primeiro dia da Ação para Meninas e Mulheres do Marajó. Foto: Thays Rosário/Ag. CNJ

Comunidade Santa Luzia

O encerramento da programação desta segunda-feira foi na comunidade Santa Luzia, promovida pelas representantes do projeto “Filhas de Mani”. Uma feira de artesanato foi organizada para o fomento da economia da região, com apresentação cultural de carimbó.

Agenda

A visita ao arquipélago do Marajó segue até sexta-feira (21/2), incluindo os municípios de Bagre e Breves. A programação inclui rodas de conversa, palestras e cursos sobre combate à violência contra meninas e mulheres, Lei Maria da Penha, escuta protegida de crianças e adolescentes, gênero, formas de prevenção e medidas socioeducativas. A partir de quarta-feira (19/2), a programação contará com a participação da conselheira do CNJ Renata Gil e da artista e ativista Luiza Brunet. A comitiva conta com a presença da juíza Ana Lúcia Lynch, além de assessoras e assessores do CNJ e do TJPA.

Texto: Thays Rosário
Edição: Geysa Bigonha
Agência CNJ de Notícias

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