Membros do pacto sobre depoimento especial decidem fluxo para denúncia de violência

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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recebeu representantes de órgão do Executivo, Judiciário e de instituições civis nacionais e internacionais para discutir o estabelecimento nacional dos fluxos de atendimento que deverão ser seguidos pela área da saúde, assistência social, conselhos tutelares e polícias em relação ao atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência. A intenção é implementar a Lei do Depoimento Especial (Lei 13.431/2017), que estabelece um sistema de garantia de direitos a esses cidadãos, de maneira padronizada, no que for possível.

Assegurar um fluxo geral que garanta um atendimento respeitoso e protetor a crianças vítimas ou testemunhas de violência, evitando sucessivos e improdutivos depoimentos é uma das questões principais da pauta dos encontros entre signatários do Pacto pela Implementação da Lei 13.431/2017, coordenado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e assinado por mais onze entidades governamentais e não governamentais.

O juiz Eduardo Rezende Melo, da 1ª Vara Criminal e de Crimes contra Crianças e Adolescentes, apresentou um protocolo que funciona em São Paulo e que deve seguir de base para a criação do fluxo nacional. O protocolo apresentado pelo juiz sugere que as suspeitas que chegam pelas portas de entrada (conselhos tutelares, profissionais da saúde, de educação ou da assistência social, ou outros) sejam encaminhadas à polícia, para investigação.

O depoimento das crianças vítimas segue o modelo preconizado pelo CNJ (Recomendação nº 33/10), em que a escuta da criança e do adolescente se dá por meio de depoimento especial, uma técnica humanizada com uma equipe multidisciplinar e uma estrutura adequada, em um ambiente reservado e que seja mais adequado ao universo infantil.

O protocolo foi elaborado pela Childhood, em parceria com o CNJ, e validado por universidades e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), além de outras instituições. Para Itamar Gonçalves, coordenador de projetos da Childhood Brasil, organização de combate à violência sexual, parceira do CNJ na implantação de salas de depoimento especial e de escuta especializada e presente ao encontro, é preocupante a falta de padronização nessa questão. “Nosso ideal seria que todo município tivesse a concentração dos serviços (onde as instituições da rede de segurança/proteção funcionam em um mesmo local, como nas Casas da Mulher Brasileira), para evitar que a criança fosse ouvida em várias fases da ação. No Judiciário, criamos um protocolo brasileiro de entrevista forense. Temos noção de que não é possível ser concentrado em todos as cidades, mas acreditamos que seja possível um fluxo integrado”, ponderou.

O secretário especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ (SEP/CNJ), Richard Pae Kim, ressaltou o ineditismo do encontro, que visa pavimentar o caminho para aplicação da lei. “Há municípios muito bem servidos de assistência social, hospital de referência, delegacias de polícia. No entanto, também há uma maioria de cidades sem infraestrutura e pessoal. Pretendemos, aqui, contribuir para estabelecer um fluxo básico de atendimento e coleta de depoimento especial das crianças vítimas ou testemunhas, adaptável às realidades de cada estado e município. Por isso é importante que o texto tenha um grau de adaptabilidade”, disse.

O juiz José Antônio Daltoé Cesar (TJRS) lembrou que essa é uma questão que vai desaguar na eficácia do processo legal. “Para que um caso vire um processo judicial temos que ter informações mínimas e específicas. O fluxo serve como referência para que todos tenham a mesma visão. Temos de ouvir um mínimo de vezes e ouvir o fato em juízo., não há como fugir disso. Então, precisamos trabalhar e capacitar as escolas, a rede de proteção, os conselhos tutelares”, disse.

Para a coordenadora de Políticas de Justiça do Departamento de Promoção de Políticas de Justiça da Secretaria Nacional de Justiça, Mariane Cortat Melo, o fluxo apresentado é viável, mas será preciso adaptá-lo regionalmente. “Como o fluxo vai de dar em cada município pode variar e precisa mesmo ser adaptado às necessidades de cada cidade e região. Na cidade que a delegacia fica a 100km, por exemplo, ele funcionará de maneira diferente de outra que possui um sistema integrado”, disse.

O coordenador-geral de Assuntos Judiciários do Departamento de Promoção de Políticas de Justiça da Secretaria Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Renato Capanema, ressaltou a importância da criação de um fluxo apoiado por todos os órgãos ligados à questão que envolve violência e juventude, como Ministério Público, Ministério da Família, da Cidadania, da Assistência, da Saúde e da Educação. “Se cada um cria um próprio fluxo, vamos revitimizar a criança e não vai dar certo. Hoje, uma boa parte dos processos de crimes contra crianças não têm êxito por falta de provas ou provas inconsistentes. A criança fala uma coisa, depois lá na frente fala outra coisa, o processo demora muito, são muitos problemas nesse fluxo”, afirma Capanema. Segundo o representante do Executivo, o trabalho dos especialistas ainda seguirá até o final do ano. Serão criados manuais, cursos de capacitação, um glossário nacional, além de atos normativos infralegais para avançar no tema.

O Pacto tem como objetivo o estabelecimento de princípios e regras gerais básicos a serem observados pelos pactuantes no desenvolvimento de ações intersetoriais e interinstitucionais, a serem executadas de forma integrada e coordenada, numa conjugação de esforços necessários à implementação da Lei n° 13.431/2017. Desde 2010, o CNJ tem, por meio da Recomendação nº 33/2010, sinalizado a necessidade de criação, nos tribunais de Justiça, dos serviços especializados para a escuta de meninas, meninos e jovens vítimas ou testemunhas de violência e abuso sexual.

A Lei 13.431/2017, que normatiza mecanismos para prevenir a violência contra menores, assim como estabelece medidas de proteção e procedimentos para tomada de depoimentos. O texto entrou em vigor em abril de 2018 e descreve diferentes formas de violência, como física, psicológica, sexual e institucional – essa última praticada por instituições públicas ou conveniadas, inclusive quando gerar revitimização.

Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias