Mariana: seis anos depois, pessoas atingidas exigem reparação dos danos causados à economia

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1 2ª Audiência Pública Barragem Mariana- Foto: G.Dettmar/Ag.CNJ
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A menos de um mês de completar seis anos, o rompimento da Barragem do Fundão mobiliza as pessoas atingidas a buscar reparação dos danos que as toneladas de rejeito de minério derramadas no Rio Doce ainda causam às atividades econômica das famílias da região. Nessa quarta-feira (6/10), representantes das comunidades afetadas pelo maior desastre ambiental ocorrido no país relataram em audiência pública, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, como o acidente na exploração de minério destruiu a economia das cidades de uma região que se estende do município de Mariana (MG) à foz do rio, no litoral do Espírito Santo.

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Como até o momento as soluções adotadas não repararam o prejuízo causado às pessoas afetadas pelo desastre, o CNJ firmou em junho compromisso com as instituições, empresas e famílias envolvidas para tentar mediar um acordo que dê fim ao caso, que atualmente movimenta cerca de 85 mil processos nas Justiças do Trabalho, Federal e Estadual, sobretudo.

“Neste trabalho de reparação, já foram realizadas inúmeras reuniões por videoconferência e duas rodadas presenciais de negociação, em Brasília, nos dias 22 e 23 de setembro, e em Belo Horizonte, em 29 de setembro. Para atingir o objetivo de promover a necessária interlocução com a sociedade, estamos hoje aqui reunidos na audiência pública, que conta com apoio do Ministério Público Federal, Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público do Espírito Santo, Defensoria Pública da União, Defensoria Pública de Minas Gerais, Defensoria Pública do Espírito Santo, Procuradoria-Geral do Espírito Santo e da Advocacia-Geral de Minas Gerais”, afirmou a conselheira do CNJ Flavia Pessoa.

O presidente do Sindicato de Pescadores de Vitória, João Carlos Gomes da Fonseca, destacou que os pescadores locais perderam 75% da produção com os efeitos da lama tóxica na água e nos cardumes de camarão. “Onde nós pescamos havia 10 metros de profundidade, mas agora o rejeito desaguou e agora só tem três metros de profundidade. Os outros sete metros são de lama”, afirmou Fonseca, que há 37 anos trabalha nessa atividade.

Visita

O conselheiro do CNJ Luiz Fernando Bandeira de Mello anunciou que fará em breve uma visita à Vitória (ES), onde ouvirá representantes das famílias vítimas da tragédia. Da capital do Espírito Santo, partirá para sobrevoar algumas das regiões afetadas próximas à foz do Rio Doce, no município de Linhares (ES). “É difícil para alguém que não viveu a situação – e só a conhece pelo noticiário e pelos autos – conhecer o duro impacto direto daquela tragédia. Gostaria de passar uma mensagem de solidariedade para essas pessoas atingidas, além da certeza do meu empenho pessoal e da conselheira Flavia Pessoa em tentar mediar um acordo que seja justo, equilibrado e justo para todas as partes.”

O agricultor José Pavuna Neto, perdeu 4,5 mil pés de café que cultivava em Tupiritinga (MG), município vizinho a Governador Valadares. Nos cinco hectares de sua propriedade rural, plantava verduras que fornecia às escolas públicas da região. “Hoje eu tenho medo de colocar metal pesado na refeição dos estudantes e ser disseminador de câncer para uma população inteira.”

Em 2015, o agricultor rural Alexandre Calderaro viu o rio de lama tóxica chegar a 400 metros de sua propriedade em Camargos, distrito de Mariana. Mesmo assim, levou quase cinco anos para ser reconhecido como um morador atingido pelo desastre.

“Têm sitiantes como eu, endividados, que trabalharam a vida toda e agora o nosso patrimônio está desvalorizado. Planos que fizemos no passado não vão se concretizar mais porque pessoas estão abandonadas”, afirmou. Assim como Calderaro, muitos participantes da audiência pública reclamaram da demora da Fundação Renova em inseri-los no cadastro de atingidos pela tragédia. A Fundação foi criada em 2018 pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton para cumprir um termo de ajustamento de conduta e centralizar o atendimento às demandas de reconstrução e reparação às famílias afetadas.

Cadastro

Simony Silva de Jesus, que é atingida e coordenadora da assessoria técnica independente da Associação de Pescadores e Extrativistas e Remanescentes de Quilombo do Degredo, no Espírito Santo, contou que as 4 mil pessoas que representa não foram incluídas no cadastro. “São povos tradicionais, quilombolas de Conceição da Barra e São Mateus. O Espírito Santo foi o estado onde aportou o último navio negreiro. É óbvio que temos uma comunidade negra, que é rural, sem internet, sem acesso a transporte, e hoje são atingidos diretamente pela proibição da pesca. Eles vivem para subsistência, da pesca, do rio, da cata de caranguejo e da produção de farinha.”

Em julho de 2020, o juiz Mário de Paula Franco Júnior, da 12ª Vara da Justiça Federal em Minas Gerais, que concentrou as ações, determinou o pagamento integral de indenizações, com valores entre R$ 23.980 e R$ 94.585, a 11 grupos profissionais e de trabalhadores ligados à Comissão de Atingidos de Baixo Guandu (ES) e à Comissão de Atingidos de Nanuque (MG). Muitos das pessoas atingidas que participaram da segunda audiência pública do CNJ para discutir uma solução manifestaram preocupação em relação ao futuro das famílias que receberam a indenização em troca de abandonar o processo contra as mineradoras.

Indenizações

A pescadora Eliana Conceição de Sena Natalli afirma que foi uma das pessoas que se viu forçada a aceitar a indenização, após passar seis anos endividada e impossibilitada de trabalhar. “Não tive opção. Eu fui uma pessoa dessas, abri mão do meu presente e meu futuro. E o amanhã? Como vai saber? O atingido terá de abrir mão do seu futuro, mas a lama do rio está lá agora. Pedimos misericórdia aos órgãos públicos. É angustiante.”

O fórum em que se realiza a negociação coletiva é o Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, criado pelo CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) em 2019. O encontro dessa quarta-feira (6/10) foi o segundo de uma série de três audiências públicas que o CNJ está promovendo, por videoconferência, para ouvir as pessoas atingidas, especialistas, representantes da sociedade civil e autoridades públicas.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias

Reveja a audiência pública no canal do CNJ no YouTube