Mulher que é símbolo da luta contra a violência doméstica, a biofarmacêutica Maria da Penha foi ovacionada nesta quarta-feira (7/8) durante a cerimônia de abertura da XVIII Jornada Maria da Penha, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O reconhecimento pela história de vida da ativista de 79 anos de idade, que sofreu duas tentativas de feminicídio, ocorreu no dia em que se comemoram os 18 anos da legislação que leva seu nome (Lei 11.340/2006).
Diante de integrantes da Justiça, da Defensoria Pública, de policiais, assistentes sociais, professores, professoras e crianças da Escola Classe Sol Nascente – considerada a maior favela da América Latina –, Maria da Penha relembrou sua história, mostrou empatia pelas famílias vitimadas pela violência doméstica e instou toda a sociedade a se envolver pelo fim da violência doméstica e familiar.
“Acredito na força da integração das competências de todas e todos, dos profissionais que atuam em defesa dos direitos humanos, de homens e de mulheres, para termos uma vida de não violência. É dever de todos promovermos um Estado Democrático de Direito que garanta condições dignas, com qualidade de vida e livre acesso à Justiça a meninas e meninos”, afirmou a ativista cearense, presidente do Instituto Maria da Penha.
Ela mostrou preocupação com o desenvolvimento psicossocial de pessoas que foram atingidas pelo feminicídio. “O Estado tem como cuidar deste trauma, que é a criança assistir seu pai matar sua mãe? Quem acompanhará seu desenvolvimento psicológico? Essa criança vai ouvir muitas vezes que seu pai matou sua mãe porque sua mãe não prestava. E se for acolhida pela família da mãe, irão dizer que seu pai foi preso porque matou a sua mãe. Ou seja, de todo modo ela sofrerá. Precisamos atuar nessa questão”, afirmou Maria da Penha
A ativista também levantou a importância da educação na desconstrução de modelos violentos de sociedade. “A violência pode ser desconstruída pela escola. Por isso, estou feliz em estar aqui e ter visto tantas crianças sensibilizadas por essa causa. O que essas crianças aprenderam hoje elas levarão para toda a vida e, se aprenderem mais, levarão mais”, disse.
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Esforços de toda a sociedade
A supervisora da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no Poder Judiciário, conselheira do CNJ Renata Gil, também reforçou a necessidade de união de esforços para o enfrentamento à violência doméstica. “A cada minuto, uma medida protetiva é concedida por uma mulher, o que significa que temos ainda um longo caminho pela frente. Agradeço a você por sua coragem e por tudo o que você representa. Estamos juntas nessa luta e caminhamos com muita força ao seu lado”, disse diretamente à ativista.
Renata Gil também conclamou o engajamento da sociedade e ressaltou que em briga de marido e mulher todos devem meter a colher. Nessa mobilização, a conselheira citou a Campanha Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, do CNJ, que recentemente recebeu a adesão da Uber no Brasil.
A campanha dissemina o uso do X desenhado na mão como pedido de socorro silencioso de mulheres vítimas quando conseguem ser atendidas em estabelecimentos comerciais. “Todos devemos denunciar e as empresas precisam trabalhar com a gente. As pessoas, os vizinhos, precisamos ter o mesmo propósito. Somente assim iremos diminuir o número de feminicídios e de violência contra as mulheres no Brasil”, disse a conselheira.
A fala da ministra do Ministério das Mulheres, Cida Gonçalves, foi clara e direta. “Não fiquem quietos. Não cruzem os braços. Esse é o desafio que nós temos de colocar nesse país. Nós precisamos chamar a nação brasileira, pois as crianças que estão aqui precisam de um futuro. Essas meninas não podem sofrer o que as mulheres sofrem. Nós estamos chamando o povo brasileiro, nós estamos chamando a nação brasileira, sem polarização, sem disputa, mas como um país que busca por respeito, solidariedade e onde seja possível haver paz entre homens e mulheres.”
Estudantes
A cerimônia que abriu a XVIII Jornada Lei Maria da Penha contou com a presença dos alunos da Escola Classe JK Sol Nascente, que foram impactados pelo evento. Ana Júlia, de oito anos de idade, expressou sua admiração pela história de Maria da Penha. “Ela sofreu muito nas mãos do marido. Levou um tiro, sobreviveu e ainda está em uma cadeira de rodas. É incrível ela estar aqui, e eu quero um autógrafo dela porque ela conseguiu vencer a batalha dela para não morrer.”
Bernardo, de 10 anos de idade, refletiu: “A pessoa pode fazer tudo com você, mas você nunca deve desistir dos seus princípios”. Já Cecília, de oito anos, aprendeu sobre combate à violência. “Aprendi que a Maria da Penha não batia nos homens e que não pode deixar ninguém bater em você também”. Talita, de nove anos de idade, destacou a principal lição do evento. “Achei muito bom, já queria ter visto eles antes, mas não consegui. Aprendi que não se pode bater em mulher”.
A presidente do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), Teresa Cristina Cabral Santana, o presidente do Colégio de Coordenadores da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário Brasileiro (Cocevid), Álvaro Kalix Ferro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, o governador do Distrito Federal, Ibanez Rocha, a secretária de Justiça do DF, Marcela Passameni, também participaram da cerimônia de abertura.
A Jornada Maria da Penha, promovida há 18 anos pelo CNJ, acontece anualmente e é um espaço de debate sobre os desafios enfrentados pelo Sistema de Justiça na implementação da Lei 11.340/2006, e de proposituras de novos caminhos para o seu aprimoramento.
Texto: Regina Bandeira, com colaboração de Maria Paula Meira
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias