A Lei n. 11.340/2006 que completa, nesta segunda-feira (7/8), 11 anos de existência leva o nome de uma mulher símbolo do combate à violência doméstica. Para a biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que sobreviveu a duas tentativas de assassinato praticadas pelo então marido, a Lei Maria da Penha não precisa de aperfeiçoamento, mas de aplicação.
“Nos últimos 11 anos, nos municípios e nas grandes cidades, que geralmente são as capitais, onde a Lei tem sido devidamente aplicada, ela cumpre o seu papel. Não precisamos falar em aperfeiçoamento da norma, mas na aplicação dela em todo o território nacional. Nós devemos aplicar a lei para atender a sua finalidade: de proteger a mulher e prender o homem agressor”, afirmou Maria da Penha, em entrevista realizada pela Agência CNJ com apoio do Tribunal de Justiça de São Paulo.
A Lei Maria da Penha é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) como uma das três melhores normas, no mundo, de proteção à vida da mulher. A Lei, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica, proibiu a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, aumentou a punição para os casos de violência doméstica e possibilitou a concessão de medidas protetivas de urgência voltadas às vítimas de agressão normalmente perpetrada por seu cônjuge ou companheiro.
Na avaliação da cearense, que trabalha ativamente no combate à violência doméstica desde que seu caso foi denunciado à Corte Interamericana de Direitos Humanos (OEA), há políticas que têm dado bons resultados no País, assim como pessoas e autoridades comprometidas com a implementação da Lei. No entanto, também há muitos casos, em que, na avaliação de Maria da Penha, “há falta de compromisso dos gestores públicos dos municípios menores para criarem políticas que favoreçam as mulheres a se orientarem”.
Maria da Penha defendeu que as mulheres que se encontrarem em uma vida de violência doméstica busquem o Centro de Referência da Mulher, onde elas podem tirar dúvidas e serem devidamente orientadas. “A mulher não é obrigada a denunciar, mas conhecendo seus direitos, ela pode encarar seus medos e, então, decidir o que é certo para ela”, disse Penha.
Juizados e Varas especializados em violência doméstica, mantidos pela Justiça, também podem orientar as mulheres que estiverem nessas circunstâncias. Atualmente, há cerca de 112 unidades especializadas espalhadas em todo o País. Mais da metade está localizada nas principais capitais dos estados; 55 varas foram criadas em municípios do interior, como revela o Mapa de Produtividade Mensal de 2016, elaborado pelo CNJ.
Resultados estatísticos
No ano em que a Lei completou 10 anos, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou um estudo afirmando que a Lei Maria da Penha fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídio contra as mulheres dentro das residências. Os dados foram obtidos por meio do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, e revelam o impacto positivo da legislação.
Apesar dos avanços normativos, a violência e o machismo ainda persistem violando os direitos das mulheres brasileiras. O Mapa da Violência, divulgado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, aponta que o Brasil está em quinto lugar entre os 83 países com maior número de ocorrências de feminicídios. E, segundo pesquisa divulgada pelo Datafolha, uma em cada três mulheres sofreu algum tipo de violência em 2016.
Atuação do CNJ
O planejamento e a qualificação do Judiciário para lidar com os casos de violência doméstica têm sido uma preocupação constante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Desde 2007, o órgão realiza a Jornada Maria da Penha e editou normas para regulamentar a atuação do Judiciário nesse tema específico.
Naquele mesmo ano, editou a Recomendação n. 9, para que os tribunais de Justiça criassem Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e adotassem outras medidas, previstas na Lei n. 11.340. Em 2011, o Conselho editou a Resolução n. 128 obrigando os tribunais a criarem as coordenadorias estaduais das mulheres em situação de violência, prevendo estrutura e quadro pessoal especializado.
Em 2013, o CNJ elaborou a publicação “O Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha”, uma radiografia das ações em tramitação há época sobre o tema e da estrutura física e de pessoal disponível nos tribunais. Atualmente, o órgão prepara novo estudo, que deverá contribuir para a elaboração de políticas em relação a esses casos.
O CNJ também participa do Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid) e realiza frequente intercâmbio institucional com outros setores ligados à temática, como a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.
Em 2017, a presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, assinou a Portaria n. 15, instituindo diretrizes e ações do Poder Judiciário para prevenção e combate à violência contra as mulheres, na chamada Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres no Poder Judiciário. Entre as ações, a norma torna permanente o Programa Nacional “Justiça pela Paz em Casa”, para acelerar o julgamento de processos que envolvam a violência contra a mulher.
O texto também estabelece como prioridade do Judiciário a criação e estruturação das unidades judiciárias especializadas no recebimento de processos relativos à violência doméstica e familiar, nas capitais e interior, com implantação das equipes de atendimento multidisciplinar, conforme estabelecido no artigo 32, da Lei Maria da Penha.
História da Lei
Em 1983, o colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, então marido da biofarmacêutica Maria da Penha, tentou matá-la duas vezes. Na primeira vez, atirou com arma de fogo ao simular um assalto. Na segunda tentativa, tentou eletrocutá-la. As agressões deixaram Penha paraplégica e apenas quando o episódio foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), após 19 anos desde o cometimento dos crimes, Viveros foi condenado pela Justiça brasileira à pena de oito anos de prisão, pela qual cumpriu 16 meses em regime fechado. Foi solto em 2004.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias