A versão internacional do Manual sobre Algemas e outros Instrumentos de Contenção em Audiências Judiciais – que recebeu o título Handbook on Handcuffs and Other Instruments of Restraint in Court Hearings, em inglês – foi lançada nessa segunda-feira (18/4), pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), durante seminário com representantes de diversos países com transmissão simultânea em português, inglês e espanhol.
A publicação dá sequência ao projeto de internacionalização de produção de conhecimento e de boas práticas no campo de privação de liberdade no contexto do programa Fazendo Justiça, executado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública. As ações sobre audiência de custódia têm o apoio do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.
“Em 2008, o sistema judicial brasileiro consolidou o entendimento sobre a excepcionalidade do uso de algemas, por meio da Súmula Vinculante n. 11. É a partir desse marco jurisprudencial que empreendemos esforços para consolidar conhecimentos específicos sobre um tema tão particular”, relembrou o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Luís Lanfredi, na abertura do evento.
É nesse processo que foi elaborada, em 2020, a versão original do Manual sobre Algemas e outros Instrumentos de Contenção em Audiências Judiciais. De acordo com o coordenador do DMF, o lançamento da versão em inglês “inaugura uma nova fase do Fazendo Justiça, agora se propondo à cooperação internacional a partir de temas que já são trabalhados e abordados pelo programa”, afirma Lanfredi. Outras publicações estão sendo traduzidas e serão lançadas nos próximos meses, entre elas, outros produtos da coleção Fortalecimento das Audiências de Custódias, produzidas pelo CNJ no âmbito do programa Fazendo Justiça, cujos sumários executivos já se encontram traduzidos para o inglês e o espanhol.
A atenção ao uso de algemas e formas de condução das pessoas custodiadas, desde o primeiro momento em um processo judicial, é um importante elemento para a garantia plena do direito à defesa, afirmou a coordenadora da Unidade de Governança e Justiça para o Desenvolvimento do Pnud Brasil, Moema Freire. “E sistemas de justiça que oferecem condições adequadas para que os direitos das pessoas em custódia estejam garantidos, contribuem para a construção de trajetórias de reintegração destes indivíduos às sociedade e alcançam melhores resultados na pacificação social”, disse. Esses pontos, segundo ela, ajudam a alcançar o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) n. 16, que trata sobre acesso à justiça e da promoção de sociedades mais pacíficas e inclusivas.
O coordenador da unidade de Prevenção ao Crime e Segurança Pública da UNODC Brasil, Nivio Nascimento, comentou que a necessidade de um manual sobre uso de algemas surgiu devido à observação dos consultores do programa Fazendo Justiça que dão suporte técnico no campo das audiências de custódia em todas as unidades da Federação. “Foi escutando magistrados do Brasil inteiro que percebemos a necessidade de tratar a questão das algemas de forma técnica e com bases em evidências e acordos internacionais”, comentou.
Apoio ao Judiciário
Para a juíza Deborah Cavalcante de Oliveira Salomão Guarines, do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), o Manual sobre Algemas e os debates promovidos sobre as audiências custódia com apoio do CNJ influenciaram a maneira dela conduzir suas conversas com pessoas detidas. “Em quinze anos de magistratura nunca havia visto um material voltado para nossas preocupações em relação aos instrumentos de contenção”, afirmou, pois, segundo a magistrada, é comum que a escolta traga as pessoas já algemadas. “Foi só com a leitura do manual que passei não apenas pedir para tirarem as algemas, mas a reconhecer e dizer para que quem ali estava que é uma pessoa de direitos e que pode estar ali como qualquer outro jurisdicionado.”
Representando a organização internacional Omega Research Foundation, que contribuiu com as duas versões da publicação, Matthew McEvoy disse que os instrumentos de contenção podem causar problemas físicos temporários e permanentes, como danos a articulações e nervos e, em vista disso, devem ser usado apenas em condições excepcionais. No caso de uso de algemas pelas costas, por exemplo, a pessoa fica impossibilitada de usar as mãos em casa de uma queda. “A forma de uso das algemas nas costas tem outros impactos, como obrigar o custodiado a abaixar a cabeça, como se estivesse com um sentimento de culpa, e isso pode influenciar a decisão de juízes e jurados.”
“O lançamento da versão internacional evidencia a qualidade técnica desenvolvida no Brasil pelo programa Fazendo Justiça, acrescentando novas perspectivas e permitindo o intercâmbio internacional”, avaliou Valdirene Daufemback, coordenadora técnica do Fazendo Justiça, destacando a importância de uma ferramenta que possibilite a reflexão de todos os envolvidos no sistema prisional sobre a garantia de direitos das pessoas presas.
Organizações internacionais
Na parte final do evento, dedicada a repercussão do produto com organizações internacionais, a oficial de Prevenção ao Crime e de Justiça Criminal da sede da UNODC em Viena, Anna Giudice, afirmou que o manual será mais um instrumento técnico de promoção dos Direitos Humanos na lista da organização. “Esse Manual terá muita utilidade em diversos países, muito além da fronteira do Brasil”, disse. Ela destacou também a importância de produção de materiais que permitam a cooperação inter-regional.
“Ninguém é imune ao preconceito”, afirmou Verónica Hinestroza, da organização Fair Trials. Segundo ela, o uso de algemas pode afetar a avaliação de magistrados mesmo sem que estes percebam. Para ela, “as autoridades precisam considerar a implicações raciais ainda existentes quando se usa algemas e outros métodos de contenção, visando garantir a presunção da inocência e o princípio da não-discriminação”.
“O Manual lançado hoje apresenta parâmetros e praticas que são base para a definição de uma proposta que seja internacionalmente aceita”, avaliou Virginia Canedo, do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). Ela destacou que a organização também tem publicações sobre instrumentos de contenção em que orienta a avaliação dos impactos de uso para que não permitam tratamento cruel, desumano e tortura, além de danos físicos ou psicológicos. Mediadora da última mesa, Daniela Eilberg, do UNODC Brasil, destacou ser essencial a promoção continuada de diálogo com a comunidade internacional sobre o tema.
Pedro Malavolta
Agência CNJ de Notícias
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