Quem se dedica, no dia a dia do Poder Judiciário, à proteção para pessoas com menos de 18 anos de idade que vivem sob a ameaça de morte tem um guia prático como ferramenta para o seu trabalho. A publicação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) orienta, passo a passo, inclusive com ilustrações, como deve ser a atuação dos tribunais na identificação, no acolhimento, na inserção em novo ambiente e na reintegração social de crianças e adolescentes expostos a grave e iminente risco.
O Manual Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCaam) traz, em 44 páginas, orientações para a superação de dificuldades no cumprimento da tarefa constitucional de proteger integralmente e dar prioridade absoluta à garantia dos direitos dessa parcela da população. No final de 2023, 1.239 indivíduos, entre os próprios alvos das opressões e seus familiares, estavam sob a proteção do PPCaam. Ao longo de 20 anos, mais de 13,6 mil pessoas já foram acolhidas pelo programa.
A iniciativa do CNJ busca dar fluência e agilidade ao processo de identificação, avaliação e acolhimento porque quem está com a vida em risco necessariamente tem pressa – especialmente por conta da vulnerabilidade de crianças e adolescentes. Conforme a Coordenação-Geral do PPCaam, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), há dois anos, em 2022, a espera por vaga no programa era de até dois meses em 31% dos casos e de até 90 dias para 22% dos demandantes.
O manual leva em conta as determinações da Resolução n. 498/2023 do CNJ, editada para tratar da atuação do Poder Judiciário na proteção de crianças e adolescentes sujeitos a ameaça de morte. O objetivo dessa norma é trazer harmonia e garantir efetividade para a atuação conjunta das instituições do sistema de Justiça e do governo federal, dos estaduais e dos municipais que têm papéis previstos no PPCaam, programa presente hoje, por meio de convênios, em 22 unidades da Federação.
“O programa tem recursos, tem gente, mas depende de todo um processo para garantir o acolhimento e afastar a criança, o adolescente e, quando necessário, toda uma família, do local de risco”, explica a juíza da Vara de Adolescentes em Conflito com a Lei do Fórum de Londrina (PR), Cláudia Catafesta. “O manual traz orientações práticas e tem como objetivo a superação de problemas, busca a harmonia de atuação entre os poderes Executivo e Judiciário para preservar a vida de pessoas em situação de vulnerabilidade.”
A magistrada do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) atua na mesma vara há 11 anos e integra o Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj). No CNJ, o Foninj tem, desde 2016, a atribuição de propor medidas de coordenação, elaboração e execução de políticas públicas para aprimoramento da prestação dos serviços, pelo Judiciário, para a infância e a juventude. Cláudia Catafesta participou da elaboração do manual. “O objetivo é, por meio de orientações práticas, inclusive prints de tela, ajudar a superação de problemas.”
Documento de trâmite interno do MDHC, de dezembro de 2023, trata das dificuldades para acesso aos serviços do PPCaam e cita 54 casos de crianças e adolescentes à espera de vaga em serviço de acolhimento. Eram sete indivíduos que precisavam mudar de estado por causa de grave ameaça. Um adolescente buscava proteção desde maio e teve a transferência negada por nove potenciais estados acolhedores. Esse rapaz estava há seis meses em semiliberdade, apesar de já ter cumprido a medida socioeducativa integralmente.
Magistrado de cooperação
“O manual joga luz sobre a Resolução n. 498, para acelerar os processos, para facilitar a apropriação do conteúdo dessa norma”, avalia a coordenadora-geral do PPCaam no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Denise Avelino. “É, com certeza, uma grande ajuda para orientar a relação entre as instituições atuantes no programa, uma colaboração para a definição de papéis dos agentes, para clarear as atribuições de cada um a fim de que logo a medida protetiva ganhe consequência prática.”
A Resolução n. 498/2023 dá destaque à figura prevista em outra norma do CNJ, a Resolução n. 350/2020, que orienta sobre cooperação entre instituições do Poder Judiciário. O magistrado de cooperação, que passou a ser uma referência em cada tribunal para intermediar relações institucionais, significa a perspectiva de maior celeridade para os processos no caso do PPCaam. “E o manual explica como funciona a adoção desse recurso, que traz para dentro de cada caso um juiz, o representante daquela corte estadual”, comenta Denise.
O magistrado de cooperação cumpre a função de estabelecer ligações, pontes entre os representantes das instituições. No cumprimento desse papel, pode identificar soluções, facilitar a coordenação, presta informações sobre os processos, intermedeia, faz comunicações sobre atos e participa de comissões de planejamento estratégico. “A falta de acolhimento e de assistência social no local de destino são fatores limitantes e, para afastar a criança, o adolescente e sua família da ameaça, essa figura [magistrado de cooperação] ganha em importância para a solução de entraves”, avalia Cláudia Catafesta.
O artigo 4.º da Resolução n. 498/2023 trata da indicação, pelas cortes estaduais, da autoridade responsável por articular e intermediar as transferências intermunicipais e interestaduais ao Comitê Executivo da Rede Nacional de Cooperação Judiciária. “O juiz da comarca, tendo dificuldade e precisando incluir uma criança ou um adolescente no PPCaam, quando enfrentar entraves, acionará o magistrado de cooperação do seu tribunal e essa figura fará a costura, construirá pontes com a política pública executiva”, explica a magistrada de Londrina.
Assista ao programa Link CNJ, da TV Justiça, sobre a atuação do Judiciário no PPCaam:
Texto: Luís Cláudio Cicci
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias