Mais de 10 mil pessoas privadas de liberdade acompanharam 5.ª Jornada de Leitura no Cárcere

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Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa - Aquiraz (CE) Foto: SAP/CE
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A 5.ª Jornada de Leitura no Cárcere encerrou nessa quinta (7/11), após quatro dias de conversas sobre leitura e transformação nos ambientes de privação de liberdade. Ao todo, 10.665 mil pessoas presas assistiram à jornada por meio de transmissão ao vivo em 340 unidades prisionais de 17 estados brasileiros. O evento registrou 2,4 mil pessoas inscritas e mais de 10 mil visualizações no YouTube. A Jornada é uma parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Observatório do Livro e da Leitura e a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), com apoio da Companhia das Letras e da Editora Record.

Com uma programação que reuniu autoridades, especialistas, escritores e pessoas em cumprimento de pena em regime fechado, a Jornada promoveu a leitura no sistema prisional associada ao direito à remição de pena, conforme as diretrizes da Resolução CNJ n. 391/2021. Em sua quinta edição, a Jornada integra as atividades do Programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Pnud Brasil para superar desafios no campo penal e no campo socioeducativo.

Depois da abertura dedicada a profissionais que atuam na área e da estreia para pessoas privadas de liberdade, a programação seguiu na quarta-feira (6/11) com o escritor Renan Silva, vencedor do Prêmio Kindle de Literatura. Ele compartilhou seu percurso na literatura e discutiu o impacto da leitura para aqueles que enfrentam o isolamento do cárcere. “A literatura não só salvou minha vida, mas também me mantém vivo.”

Novidade deste ano foi a atividade cultural coletiva de leitura de um conto do autor Dalton Trevisan, um dos maiores contistas brasileiros. Conduzido pelo professor Guilherme Shibata, idealizador do projeto Ler Junto, o momento proporcionou um espaço acessível para que participantes de diferentes níveis de familiaridade com a literatura pudessem se conectar com a obra. Essa iniciativa, sugerida pelas próprias pessoas privadas de liberdade que acompanham a Jornada, buscou descomplicar a leitura, tornando-a uma experiência compartilhada e inclusiva, além de fomentar o gosto literário entre os participantes.

Outro destaque da programação foi a apresentação do projeto Mentes Literárias [https://www.cnj.jus.br/cnj-lanca-projeto-mentes-literarias-para-promover-acesso-a-leitura-no-sistema-prisional/], iniciativa do CNJ de democratização do acesso ao livro e à leitura no cárcere. No lançamento da iniciativa, o supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) e conselheiro do CNJ, José Rotondano, disse que a escrita abre caminho para que pessoas privadas de liberdade descubram novos horizontes, desenvolvam habilidades e reescrevam suas próprias histórias. “A literatura não apenas abre portas, mas também constrói pontes para um futuro mais promissor e digno. É exatamente essa a aposta do CNJ com o projeto Mentes Literárias, que busca, por meio da leitura, transformar vidas e promover a reintegração social de forma efetiva e humanizada”.

O juiz auxiliar da presidência do CNJ com atuação no DMF Jonatas Andrade explicou que o projeto amplia o acervo literário nas unidades e forma mediadores de leitura entre as pessoas privadas de liberdade e servidores do sistema, fortalecendo práticas educativas escolares e não-escolares. “A leitura é um direito que leva dignidade e cidadania ao sistema prisional, permitindo que pessoas privadas de liberdade ressignifiquem suas vivências e visualizem novas possibilidades de vida”.

Alinhada à Resolução CNJ n. 391/2021, a iniciativa está em implementação no Espírito Santo, Tocantins, Bahia, Alagoas, São Paulo e Mato Grosso, com atividades como rodas de leitura, apresentações teatrais e até a gravação de um podcast realizado por pessoas privadas de liberdade, que compartilham suas experiências e reflexões sobre a leitura e a transformação que ela proporciona.

Pollyana Alves, coordenadora do Eixo de Cidadania do programa Fazendo Justiça, reforçou a importância de garantir direitos fundamentais, como saúde, educação, esporte e acesso à cultura para esse público. Sublinhou que, além dos livros, é preciso oferecer condições que proporcionem dignidade e perspectivas de futuro, lembrando que o poder da leitura vai além das páginas, ajudando a formar pessoas mais conscientes e críticas, e capazes de transformar suas realidades.

Narrativas de liberdade

No painel Narrativas de Liberdade, Débora Gobitta, diretora do documentário Liberta, trouxe uma reflexão sobre o poder humanizador e libertador da literatura. Ela compartilhou sua experiência com o projeto Remissão em Rede e ressaltou a importância de narrativas que revelem a realidade das pessoas encarceradas, apontando a literatura e do audiovisual como pontes para a humanização e o autoconhecimento.

A professora Nayara Noronha, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), apresentou o projeto Literatura Livre, que organiza clubes de leitura focados em autoras femininas para mulheres encarceradas. Nayara destacou como essas leituras ajudam as mulheres a refletirem sobre suas identidades e resgatarem suas vozes. Ela também abordou a iniciativa para leitura materna, onde mães privadas de liberdade são incentivadas a ler para seus filhos e filhas, fortalecendo os laços familiares e promovendo o desenvolvimento emocional e intelectual das crianças.

Karine Vieira, assistente social, egressa do sistema prisional e fundadora do Instituto Responsa, abordou a importância das práticas culturais para o desenvolvimento pessoal de pessoas privadas de liberdade, destacando como essas atividades são essenciais para a reintegração social e a construção de novas perspectivas de vida para quem passa pelo cárcere.

Último dia

No último dia (7/11), Ronald Lincoln, autor do livro de contos Disrritmia, compartilhou sua visão sobre a importância de retratar a realidade das periferias na literatura, abrindo espaço para diferentes vozes e diversas linguagens. “O pagode é uma forma de literatura e entra em lugares onde Machado de Assis não entra. Muitas vezes, a favela é representada apenas como lugar de violência, mas ela é também repleta de coisas boas, que eu tento captar nas músicas e na literatura”. Ele explicou como a literatura popular pode oferecer representatividade e fortalecer o senso de identidade dos leitores, inclusive dentro dos presídios.

Leia Santos, mediadora de leitura no Centro de Detenção Provisória de Santo André, falou sobre a importância de se construírem pontes entre os participantes e o universo literário. “A troca de cartas é uma forma de acompanhar o progresso deles. A gente escuta sobre pais que começaram a incentivar os filhos a lerem e sobre quem se interessou em prestar o Enem”. Ela ainda destacou o papel fundamental da mediação: “É preciso quebrar barreiras e criar uma ponte que liga essa pessoa com o universo cultural”.

Carlos Andrade, ex-participante do clube de leitura que, após seu período de encarceramento, concluiu a graduação e hoje é advogado, testemunhou sobre o impacto duradouro do projeto. “Sem a mediação, minha primeira leitura poderia ter sido apenas por interesse processual. Mas o mediador ajuda a ver no livro algo mais, algo que você leva para a vida. A experiência do projeto foi transformadora e me ajudou a construir um caminho depois da prisão”.

A programação encerrou com sarau literário que teve a participação da unidade prisional de Tarauacá (AC), com apresentações de poesias de Fernando Pessoa e um esquete teatral inspirado em Capitães de Areia; e da Orquesta Filarmônica Pau Ferrense, com o projeto Som para a Liberdade, do complexo prisional de Pau Ferro (RN).

Texto: Isis Capistrano e Natasha Cruz
Edição: Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias

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