Mães que perderam filhos em ações policiais relatam como a dor virou luta por justiça

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Ana Paula e Rute perderam os filhos em ações de policiais e lutam e mobilizam o poder publico para que outras mães não passem pela mesma dor. Foto: Luiz Silveira/CNJ
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Além da dor de perder os filhos jovens em ações violentas da polícia, Ana Paula Oliveira e Rute Fiuza têm em comum a queixa de não ter recebido o atendimento devido do poder público, bem como a determinação de transformar, como elas definem, “o luto em luta”. As duas participaram do Painel “Violência do Estado”, que integrou o webinário “Mães em Luta por Justiça: a Resolução CNJ nº 253/2018 e o Papel do Poder Judiciário”, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nessa quarta-feira (23/6).

O debate, proposto pelo Observatório de Direitos Humanos do Poder Judiciário, abordou a recente alteração do texto da Política Institucional do Poder Judiciário de Atenção e Apoio às Vítimas de Crimes e Atos Infracionais, definido pela Resolução CNJ n. 253/2018. A mudança determina a adoção de medidas para “tornar visível, acessível, concreta e efetiva”. A nova redação decorreu da interlocução do CNJ com entidades da sociedade civil e lideranças voltadas à proteção dos direitos fundamentais de populações vulneráveis e foi elaborado com a perspectiva de respeito à interseccionalidade de gênero, raça, classe e sexualidade.

Integrante do Movimento Mães de Manguinhos, do Rio de Janeiro, Ana Paula Oliveira perdeu o filho Johnatha de Oliveira, 19 anos, em 2016. “Ele foi assassinado com um tiro nas costas por um policial que já respondia a outros processos”. Ao relatar as dificuldades da caminhada em busca de justiça, ela afirmou que encontrou mais criminalização. “Na audiência, as perguntas de promotor e do juiz eram sobre a existência de tráfico na favela. Infelizmente, no Brasil, quando a polícia mata na favela, não mata só o corpo, mas faz tudo para tirar a dignidade da vítima. Saí do tribunal descrente e com a sensação de que aquelas pessoas não conseguiam se enxergar em mim”.

Foi a primeira vez que Ana Paula entrou no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e ela lembra que, na ocasião, já convivia com diversas mulheres pobres, negras, moradoras da favela e mães de meninos assassinados pela polícia. “Não foi difícil entrar no tribunal porque eu estava amparada pelos familiares e por outras mulheres que enfrentavam a mesma situação. A dor veio quando me deparei com o assassino do meu filho no corredor. Há sete anos aguardo que justiça seja feita e o policial segue solto com a certeza da impunidade”.

Ana Paula enfatiza que a motivação do Movimento Mães de Manguinhos é para que outras pessoas não sejam assassinadas. “Temos que evitar que sigam matando nosso povo. Que a justiça atue para que outros casos não aconteçam e outras mães tenham direito de conviver com seus filhos”. Esse é o mesmo objetivo que estimula Rute Fiuza, do Movimento Mães de Maio do Nordeste, fundadora do Coletivo Familiares de Vítimas do Estado e Integrante da Coalizão Negra por Direitos. O filho Davi Fiuza tinha 16 anos e estava na porta de casa quando foi levado pela polícia baiana. O episódio ocorreu há sete anos e ele nunca foi encontrado.

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“A polícia estava fazendo um treinamento na região. Pegaram Davi às 7h da manhã, quando ele conversava com uma senhora, que hoje se encontra em um programa de proteção a testemunha. Seus algozes estão livres e foram promovidos a capitães”. Rute destaca que, quando iniciou a luta tinha esperança de encontrar o filho, mas conheceu famílias que estavam na mesma batalha havia mais de 15 anos sem resultados. “Se já não fosse suficiente a dor de perder o filho, tenho que responder em audiência porque Davi estava na rua. Ele havia saído para comprar pão.”

O envolvimento com o tema, fez Rute Fiuza se tornar pesquisadora do Centro de Antropologia Ações Afirmativas e Políticas de Permanência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com apoio da Universidade de Havard (Massachussetts/EUA). Ela também organizou encontros com mães que enfrentam o mesmo problema na Colômbia e em Chicago (EUA). “Nossa luta já ultrapassou fronteiras. A Anistia Internacional levou o caso do Davi para a Organização das Nações Unidas, que pediu a retratação do Estado brasileiro em 2019. Até hoje, não tivemos acesso à resposta.”

A mediadora do debate, juíza da 5ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro Adriana Alves dos Santos Cruz, declarou que a morte de jovens negros no país é uma situação que se tornou inaceitável e é uma vergonha para o Estado brasileiro e para a sociedade. “A magistratura precisa aprender a ouvir. Nós, juízes, aprendemos oratória, mas não aprendemos a escutar. E isso precisa mudar.”

Na avaliação da magistrada, os relatos apresentados pelas mães que perderam os filhos é uma vergonha também para o Poder Judiciário. “É uma vergonha que nosso sistema não esteja preparado para enxergar as pessoas. Agora, com a resolução, precisamos trabalhar para tirá-la do papel. Porém, cada juiz do Brasil não precisa de nenhum outro normativo para tratar as pessoas com dignidade e respeito.”

Jeferson Melo
Agência CNJ de Notícias

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23/06/2021 - Painel 2: Violência pelo Estado e Encerramento do Evento “Mães em Luta por Justiça: a Resolução CNJ n. 253/18 e o Papel do Poder Judiciário”