É possível dar transparência a bases de dados públicas, como os cadastros nacionais, e ao mesmo tempo manter a privacidade das informações pessoais contidas nesses bancos. O conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Luiz Fernando Bandeira de Mello, um dos palestrantes do seminário “Infraestrutura como Pilar para a Promoção do Desenvolvimento Nacional” na terça-feira (30/11), defendeu essa conciliação, entre o tratamento de dados pessoais previsto na Lei de Acesso à Informação (LAI) e o disposto na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). No terceiro e último dia do ciclo de seminários organizado pelo CNJ, especialistas e magistrados debateram a LGPD, acesso a banco de dados, arbitragem e o Poder Judiciário.
De acordo com o conselheiro, as duas novas legislações que tratam do uso das informações públicas e pessoais diferem no propósito e no objeto de cada uma delas. Enquanto a LAI foi feita para buscar a transparência das informações consideradas públicas, a LGPD foi criada para a proteção jurídica daquelas informações que tenham origem na vida pessoal. Desvinculando o nome completo, CPF e endereço dos hábitos de consumo, por exemplo, a informação pode ser utilizada para fins estatísticos e de pesquisa, sem que ninguém seja identificado.
“Qualquer trabalho que se faça para fins estatísticos ou aperfeiçoamento de navegação pode ser feito com dados anonimizados, desconectados dos dados cadastrais do cidadão. Uma vez que se tem a informação de quantas pessoas se comportam de tal maneira, é possível abrir o banco de dados a pesquisas estatísticas”, afirmou o conselheiro, encarregado de coordenar atividade do CNJ relacionadas à proteção de dados pessoais em observância à LGPD.
O subsecretário de Gestão Estratégica, Tecnologia e Inovação do Ministério da Infraestrutura, Carlos Vinícius Brito Reis, deu vários exemplos de serviços que estão sendo disponibilizados pelo governo federal recorrendo a bases de dados pessoais em benefício da própria população. A simplificação do passe livre para pessoas com deficiências em viagens rodoviárias interestaduais, o fornecimento do Documento Eletrônico de Transporte a caminhoneiros e o embarque seguro – mecanismo de reconhecimento facial para agilizar o embarque nos aeroportos – são aplicações do uso das informações pessoais que não violam os direitos assegurados pela LGPD. “O Ministério da Infraestrutura foi um dos primeiros do governo federal a implantar a LGPD.”
Arbitragem
Outro tema abordado foi a ampliação de formas alternativas à resolução de conflitos frente a tramitação processual convencional. Uma delas é a arbitragem, que pode solucionar litígios que envolvam patrimônio, segundo o professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e procurador de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) Humberto Dalla. “Não se diz que não haverá controle do Poder Judiciário, mas que este não deve ser o primeiro a ser acionado, sob pena de haver uma banalização da Justiça, que é um serviço público de elevado custo operacional. É muito importante que o Poder Judiciário seja preservado para exercer a função de supervisor.”
Tradicionalmente, a arbitragem é a instância eleita por partes ligadas por contrato, mas a procuradora-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Priscila Cunha do Nascimento, afirmou que, atualmente, a arbitragem tem sido utilizada pela administração pública, sobretudo em contratos de concessão de infraestrutura. Por se tratar de contratos de longo prazo, em que há o compartilhamento de riscos nas operações envolvidas, a arbitragem representa solução adequada para esses tipos de litígios.
“Um investimento realizado pelo parceiro privado na operação de uma rodovia, por exemplo, interrompida por decisão judicial. Quanto mais tempo for necessário à resolução do litígio, mais tempo o usuário vai ficar sem poder utilizar a rodovia e a demora acaba afetando a sociedade. Essa é a razão pela qual a arbitragem acaba sendo adotada pela administração pública”, afirmou.
Ainda de acordo com a representante jurídica da ANTT, alguns casos envolvem questões complexas, que demandam perícias e outros processos, e a “flexibilidade procedimental da arbitragem, assim como a celeridade e a expertise dos árbitros nessa temática”, também explicam a escolha pela arbitragem sobre o Poder Judiciário, que continua podendo ser acionado por qualquer uma das partes em litígio.
O professor da FGV Direito, Luciano Timm, destacou o avanço da arbitragem nos últimos vinte anos e apontou uma das causas científicas que levam investidores estrangeiros a preferir a arbitragem como meio de resolver litígios em contratos. “Já temos evidência científica que sugere que, para o investidor estrangeiro, a arbitragem é o meio mais adequado, porque é mais rápido, especializado e representa um ambiente mais neutro. É uma questão de Behavioural Law and Economics (direito e economia comportamental). Quando se julga um nacional (brasileiro), tem-se um bias (enviesamento). É melhor um julgador que não seja do país de nenhuma das partes. Como no futebol, em um jogo entre seleções de dois países.”
Menos conhecida como meio de solução de litígios, a arbitragem tem seu marco na edição da Lei 9.307 (Lei da Arbitragem), em 1996, mas ganha força nos anos 2000 com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) julgamento que arbitragem não prejudica o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição. Portanto, de acordo com o advogado Rodrigo Fux, os árbitros também exercem jurisdição e, por isso, tem de seguir o ordenamento jurídico nacional, inclusive os precedentes qualificados dos tribunais superiores. “Quando se elege um árbitro, se elege também o direito brasileiro. Um árbitro não têm carta branca para decidir de forma contrária aos entendimentos do STF, por exemplo.”
O ciclo de seminários Infraestrutura como Pilar para a Promoção do Desenvolvimento Nacional teve como objetivo debater questões jurídicas essenciais para o setor. O primeiro seminário abordou o tema Infraestrutura e Direito Administrativo, enquanto o segundo discutiu Infraestrutura e o Direito Tributário e esse último, LGPD, acesso a banco de dados, arbitragem e o Poder Judiciário.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias