O levantamento dos processos que envolvem territórios quilombolas e a realização de uma pesquisa sobre o cenário da violência cometidos contra comunidades e lideranças são as primeiras tarefas instituídas pelo Grupo de Trabalho das Comunidades Quilombolas, coordenado pelo conselheiro Vieira de Mello Filho. Os encaminhamentos foram feitos durante a primeira reunião do GT, realizada na tarde desta quarta-feira (30/8), no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O próximo encontro acontecerá no dia 18 de setembro.
Representantes do Sistema de Justiça e lideranças quilombolas discutiram como se dará o encaminhamento dos trabalhos. Criado para elaborar estudos e propostas que aprimorem os procedimentos do Poder Judiciário no processamento de ações judiciais referentes à posse, à propriedade e à titulação dos territórios tradicionais, como as comunidades quilombolas, o grupo deve se dedicar ainda à preservação de seus documentos e sítios detentores de reminiscências históricas.
Eixos de atuação
Nos próximos dois meses, o GT irá concentrar as atividades em quatro linhas de atuação. No Eixo de Diagnóstico e Pesquisa, os integrantes deverão trabalhar no levantamento de dados, o que inclui a coleta de informações e estatísticas sobre o estado atual dos casos envolvendo direitos quilombolas. Serão feitas análises aprofundadas de decisões judiciais para identificar padrões, lacunas e inconsistências em processos que envolvam essas terras. O acompanhamento de ações, bem como o trato de questões relativas ao patrimônio cultural dos territórios quilombolas também serão analisados.
O segundo eixo de ação tratará especificamente do enfrentamento à violência contra comunidades e lideranças quilombolas. Nessa linha de atuação, serão desenvolvidos estudos de caso para elaboração de relatório e de recomendações, com foco no Poder Judiciário. Além disso, o eixo também fará o mapeamento de processos judiciais relacionados a crimes praticados contra comunidades e lideranças quilombolas.
Voltado para a elaboração de proposta de ato normativo destinado a estabelecer diretrizes para a atuação dos órgãos do Poder Judiciário, o Eixo Normativo busca facilitar a compreensão dos conflitos a fim de conferir celeridade e eficiência à atuação jurisdicional na temática.Já o último eixo está dirigido à capacitação, que prevê a elaboração de material didático de apoio, sendo um destinado ao Poder Judiciário, e o outro direcionado à difusão para a sociedade sobre os direitos quilombolas. Estão previstos ainda a realização de workshops e seminários para promover o diálogo e a troca de experiências entre diferentes entidades envolvidas na temática.
Monitoramento
A juíza auxiliar da Presidência do CNJ Karen Luise defendeu a verificação da violência praticada contra quilombolas em seus territórios. “Precisamos dos números que compõem essas violências, e, sobretudo, entender como elas estão acontecendo”, reiterou. Karen lembrou a importância da apuração das circunstâncias que envolveram o assassinato de Mãe Bernadete, líder quilombola baiana assassinada este mês, em Simões Filho (BA). Por iniciativa da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e CNJ, ministra Rosa Weber, o caso de Mãe Bernadete será acompanhado pelo CNJ por meio do Observatório das Causas de Grande Repercussão.
Na avaliação do ministro Vieira de Mello Filho, a voz dos quilombolas tem de ser ouvida por todo o Judiciário. “Vamos trabalhar para dar uma resposta a essas pessoas. Nada mais importante do que o depoimento daqueles que estão vivendo. Não adianta conversarmos sem termos resultado concreto para aqueles que são os destinatários do trabalho desse grupo”, destacou.
O GT, de acordo com o ministro, pode ser convertido, ao final das atividades, em uma comissão permanente. “Tudo que que tratamos aqui tem uma enorme complexidade, simultaneidade e vai exigir uma estruturação. Além de demandar a criação de uma rede definitiva que permaneça atuando e possa realizar o monitoramento de todos esses casos. É construção e a transformação de um novo tempo”, ressaltou.
Outras frentes
Dentro dos temas a serem trabalhados pelo colegiado está a padronização de procedimentos, com o estabelecimento de diretrizes claras para o tratamento de casos relacionados a direitos quilombolas, a exemplo das resoluções do CNJ sobre direitos indígenas (287/2019, 299/2019, 454/2022).
Entre os pontos a serem incluídos no rol de ações do GT estão ainda o aprimoramento da classificação de assuntos quilombolas nas Tabelas Processuais Unificadas e no DataJud, a discussão territorial, o enfrentamento de temas como morosidade, judicialização, conflitos possessórios e questões relacionadas a grilagem de terras públicas e matrículas. A estratégia traz também a realização de mutirões e de ações da justiça itinerante para tratar da titulação das terras.
A juíza auxiliar da Presidência Fabiane Pieruccini alertou para o fato de que embora a titulação das terras seja um sonho nem todos estão prontos para esse passo. “Muitos estão na fase de identificação e demarcação. Nosso esforço é para que, junto com os parceiros, podermos preparar a todos para essa titulação. Ainda há um número alto de conflitos, que precisamos ir limpando, etapa por etapa, para finalizarmos com a titulação”, completou.
Integrantes
Participaram da reunião, presencial e remotamente, representantes do Conselho da Justiça Federal (CJF), da Corregedoria-Geral da Justiça Federal, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), da Defensoria Pública da União (DPU), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), da Federação Nacional das Associações Quilombolas (Fenaq), entre outros. O Grupo de Trabalho deverá incluir, nas próximas semanas, representantes também do Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Texto: Ana Moura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias