R. adquiriu o hábito da leitura nos anos que esteve nos presídios de Porto Velho. Preso em 2007, mergulhou nos livros para esquivar-se das drogas oferecidas e repelir o medo de ser morto pelos colegas de cela. O hábito de ler o manteve longe do crime e o ajudou a passar no vestibular da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).
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Para se sustentar durante os quatro anos do curso, passou a trabalhar dentro da prisão, como monitor do Projeto Asas de Papel, que incentiva a leitura entre a população carcerária de Rondônia.
Uma parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Educação (MEC) vai agora dar um reforço ao projeto, com a doação de uma biblioteca ao Albergue Masculino de Porto Velho.
A casa prisional, única da capital rondoniense que ainda não tem biblioteca, receberá um acervo de 487 livros comprados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para escolas públicas.
A iniciativa do CNJ e do MEC é nacional e prevê a doação de 19.480 obras a 40 presídios brasileiros, distribuídos em 26 unidades da Federação, conforme Portaria do CNJ publicada no último dia 17/11. O acervo faz parte da reserva técnica do Programa Nacional do Livro, um contingente extra comprado para emergências e que não precisou ser usado. Por isso os livros destinados aos presídios não serão desviados das escolas da rede pública.
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A lista de obras possibilitará aos internos leituras recomendadas para estudantes do Ensino de Jovens e Adultos (EJA), Ensino Médio e Ensino Fundamental, esta última a faixa de escolarização da maior parte da população carcerária.
A coleção inclui clássicos da literatura mundial, como os brasileiros Machado de Assis (Dom Casmurro), Bernardo Guimarães (A Escrava Isaura), José de Alencar (O Guarani), os estrangeiros consagrados Robert Louis Stevenson (A Ilha do Tesouro), Júlio Verne (Viagem ao Centro da Terra), Molière (O Doente Imaginário), e histórias de folclore de domínio público, como o Negrinho do Pastoreio e uma coletânea de contos e lendas da Amazônia, entre outros.
Incentivo à leitura
A seleção literária vai permitir novos voos a presos do Pará, que atualmente demostram preferência por livros religiosos e de autoajuda. De acordo com a servidora da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (SUSIPE), Aline Mesquita, o projeto Arca da Leitura foi criado em 2011 e conseguiu desde então reunir por meio de doações um acervo de 26.780 livros. Carrinhos que transitam entre alas e pavilhões de 27 unidades prisionais oferecem os livros para empréstimo.
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Segundo a servidora Aline Mesquita, que trabalha com leitura no sistema prisional do Pará, os ganhos apresentados por quem lê são notados rapidamente na forma de se expressar dos presidiários. “Os presos que leem aumentam a capacidade de interpretar textos, melhoram o poder de síntese e aprimoram as habilidades ligadas à escrita. Vamos lançar uma coletânea com as melhores resenhas feitas por presos das diferentes casas penais”, anuncia.
Os resultados da leitura no cárcere não são apenas linguísticos. Desde o início da Arca da Leitura, seis anos atrás, 298 presos participaram do projeto e nenhum deles voltou ao mundo do crime, garante Aline.
Retribuir aos livros
Em Porto Velho, Rondônia, a 1,9 mil quilômetro de distância de Belém, R. já deixou o regime fechado, onde viveu cinco anos entre o Presídio Urso Branco, o Presídio Urso Panda e o Centro de Ressocialização Vale do Guaporé. R., de 38 anos hoje trabalha e estuda. O direito a progredir para o regime semiaberto ele deve, em grande parte, à leitura. Com o hábito adquirido, “tomou gosto por estudar”, formou-se em Pedagogia com nota 100 na monografia. Ele acorda todos os dias às 6 horas, toma seu café e parte para o trabalho. Sempre monitorado por tornozeleira eletrônica. Ao final do expediente, retorna para casa.
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O único dia em que muda a rotina é sexta-feira. Há dois meses, R. se dirige não ao serviço, mas à Faculdade de Educação da Universidade Federal de Rondônia, onde cursa Mestrado stricto sensu. Quando conquistar o grau de mestre, em 2019, pretende retornar aos presídios onde esteve para incentivar a leitura entre os internos e provar que é possível outro futuro, especialmente para quem adota o hábito da leitura. Promete dividir com os presos uma frase do filósofo francês Jean-Paul Sartre: “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você”.
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Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias