Dos cerca de 607 mil detentos da população carcerária brasileira, 60% são condenados pela Justiça e cumprem pena. Nessa condição, os que pretendem reconstruir a vida têm como maior desafio conseguir um trabalho, por conta do estigma e do preconceito. Com objetivo de driblar essa rejeição, a Lei de Execução Penal (LEP) oferece benefícios a quem contrata a mão de obra prisional, como a isenção de encargos trabalhistas. Na visão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e de outras instituições envolvidas com o sistema carcerário, o acesso dos apenados a oportunidades de estudo, capacitação profissional e trabalho é fundamental para prevenção da reincidência criminal.
Segundo a LEP, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) não se aplica à contratação de cumpridores de pena nos regimes fechado e semiaberto – neste último, o apenado é autorizado ao trabalho externo e obrigado a dormir na unidade prisional. Dessa forma, o empregador fica isento de encargos como férias, 13º salário e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Ele deve apenas garantir alimentação, transporte e remuneração, que não pode ser inferior a três quartos do salário mínimo.
Em todo o país, 106.636 detentos (17,56% do total) exercem atividades laborais para instituições públicas e privadas, segundo o Ministério da Justiça. Uma das empresas contratantes é a Direcional Engenharia S. A, do Distrito Federal, que tem hoje 49 detentos contratados para diferentes empreendimentos na área da construção civil. Para o supervisor administrativo da empresa, Peter Alan de Almeida, o acesso à mão de obra prisional é importante não só pela isenção de encargos, mas também por ser uma alternativa à dificuldade enfrentada pelo setor para recrutar trabalhadores capacitados no mercado. Ele também disse ser uma chance de a empresa contribuir para a redução da criminalidade.
“A realidade é muito simples: uma vez que o reeducando (detento) perde a sua educação civil, e lhe é aberta uma oportunidade em uma frente de trabalho, beneficiado por uma empresa, ele poderá se ressocializar, para se reabilitar e reassumir suas funções sociais. Isso é louvável porque influencia muito no caráter da pessoa, especialmente a pessoa que tenha errado. Ela volta para os eixos normais, porque o trabalho edifica”, afirmou o supervisor.
Peter informou que essas contratações são feitas por meio de convênio com a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso do Distrito Federal (Funap/DF), vinculada à Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania (Sejus/DF). Pelo acordo, a empresa repassa recursos financeiros para a Funap, que fica responsável por efetivar a remuneração dos apenados.
A Funap tem como atribuição contribuir para a inclusão social de presos e egressos do sistema carcerário, com foco no desenvolvimento de seus potenciais como indivíduos, cidadãos e profissionais. Ela desenvolve programas sociais nas áreas da educação, cultura, capacitação profissional e trabalho para as pessoas privadas de liberdade. Segundo a diretora executiva Francisca Aires, a entidade tem, no momento, 60 convênios ativos com instituições públicas e privadas que garantem trabalho para cerca de 1300 apenados. Desse total, 122 são mulheres. Todos eles, conforme a legislação, recebem o benefício da remição, ou seja, o tempo da pena é reduzido em um dia a cada três trabalhados.
Francisca Aires falou também da importância do trabalho para a ressocialização das pessoas privadas de liberdade. “Com o trabalho o reeducando (apenado) renasce. Porque quando ele entra no sistema (carcerário) acha que ninguém vai olhar para ele e que não tem condição de ter uma oportunidade. Então essa oferta de trabalho faz com que a gente ressocialize esse reeducando. A autoestima dele vai lá para cima. Quando ele sai recuperado, a gente tem certeza de que ele não vai reincidir. Ele ganha, a família ganha, nós ganhamos, e a sociedade também””, afirmou a diretora.
Condições – O acesso do detento ao trabalho não depende apenas de sua vontade ou da existência de vagas. Conforme prevê a LEP, somente terão direito candidatos selecionados pela Comissão Técnica de Classificação (CTC) de cada unidade penal, presidida pelo diretor da unidade e composta por equipe multidisciplinar. O trabalho externo em instituições privadas e órgãos públicos deve ser supervisionado pela Administração Penitenciária ou órgão instituído para esse fim, por meio de inspeções periódicas, de forma não ostensiva. O empregador deve comunicar à penitenciária, imediatamente, a ocorrência de acidente, falta grave ou evasão do apenado, que perderá o direito à prestação de trabalho externo.
É importante também que o empregador conheça a situação processual do detento, para, em caso de progressão de um regime de cumprimento de pena para outro, seja verificado se a forma de contratação precisa ser alterada. Outra informação importante é que, nas licitações para obras de construção, reforma, ampliação e manutenção de estabelecimento prisional, ainda segundo a LEP, a empresa concorrente poderá receber pontos a seu favor, a critério da legislação estadual ou municipal, se a proposta apresentada na concorrência incluir o aproveitamento da mão de obra de detentos.
Aplicam-se à relação contratual com os apenados, independentemente do regime de cumprimento de pena, os métodos e programas de saúde, higiene e segurança do trabalho observados para os trabalhadores em geral. A jornada de trabalho não pode ser superior a 8 horas diárias nem inferior a 6, com descanso aos domingos e feriados, atendidas as peculiaridades do estabelecimento penal e da atividade a ser desenvolvida. É obrigatório seguro contra acidente de trabalho.
Jorge Vasconcellos
Agência CNJ de Notícias