Laço Branco: desconstrução é chave para envolver homens no combate à violência

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Reunião de grupo reflexivo promovida pelo Tribunal de Justiça da Paraíba - Foto: Ascom TJPB
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Criada como reação ao Massacre de Montreal, quando em 1989 um canadense matou 14 mulheres e feriu outras 10 em uma escola, a campanha do Laço Branco ressalta a importância do envolvimento e do posicionamento de homens na luta contra atos de violência como feminicídios, estupros e ameaças. Celebrado no dia 6 de dezembro, o Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres, também destaca os esforços do Poder Judiciário para desconstruir o machismo e promover a igualdade de gênero no país.  

No Brasil, 90% dos assassinatos de mulheres são cometidos por homens. Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024) evidenciam a necessidade de conscientização deles e de debates sobre masculinidades.  

Na avaliação do juiz da Vara de Violência Doméstica e Familiar do Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, Francisco Tojal, quando um feminicídio acontece, a nossa sociedade já fracassou. “O papel do Judiciário está além da punição, está na prevenção, na educação. É preciso ir às escolas dar palestras para crianças e adolescentes e desconstruir o machismo. As pessoas precisam desaprender o que é ser homem e reaprender uma masculinidade pautada de forma saudável”, destacou. O magistrado cita o escritor e futurista estadunidense Alvin Toffler, que afirmava serem analfabetos no século XX aqueles que não sabem aprender, desaprender e reaprender.

Francisco Tojal é juiz da Vara de Violência Doméstica e Familiar do Cabo de Santo Agostinho (PE) – Foto: Arquivo pessoal

Em suas muitas vivências na Vara de Violência Doméstica, uma em especial levou o juiz a mudar sua visão sobre o assunto. Em um processo de lesão corporal, na fase de instrução, ele se deparou com o caso de um senhor que obrigou a esposa a cavar a própria cova no quintal de casa porque ela fez um jantar aquém da expectativa dele. A mulher desmaiou enquanto cavava o buraco e foi despertada pelo marido com uma sequência de choques elétricos.  

A história narrada pelo próprio autor, sem que houvesse nenhuma reflexão sobre o ato, foi um divisor de águas para o juiz Tojal. “Fiquei estarrecido e pensei que havia alguma coisa errada com a humanidade. Entendi que precisava ser parte desse processo de transformação e a partir disso me tornei professor, palestrante, trabalhando em prol da igualdade de gênero e pelo fim da violência doméstica familiar contra a mulher para além dos processos”, afirmou.  

Para o magistrado, a campanha do Laço Branco é extremamente pertinente e oportuna porque exalta a necessidade de participação ativa de todos. “Cansamos de ser opressores em potencial. Queremos ser companheiros dedicados, pais responsáveis, sobretudo, porque a vida em um relacionamento afetivo conjugal precisa de pactos igualitários de convivência”, pontuou. 

Nova mentalidade 

A mudança gradual da sociedade também se reflete no cotidiano do Poder Judiciário, na proposição de políticas de gênero e combate à violência contra meninas e mulheres. O juiz da 4.ª Vara Cível da Comarca de Lages, Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), Alexandre Karazawa Takaschima, destaca o esforço empreendido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesse sentido, com a aprovação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ e a Resolução n. 351/2020, que institui a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação, por exemplo. 

A aplicação de medidas protetivas de urgência de frequência a grupos reflexivos de homens autores de violência doméstica, prevista na Lei Maria da Penha, também foi apontada pelo magistrado como avanço que ajudou a transformar a mentalidade do Judiciário e daqueles que se beneficiam dos serviços da Justiça. 

Em 2021, o CNJ aprovou a Recomendação n. 124, sugerindo que os tribunais invistam em ferramentas de educação voltadas aos homens autores de violência. O trabalho dos grupos  de autores de violência visa trabalhar a responsabilização dos agressores domésticos e familiares, com intuito de reduzir as violações de direitos humanos. A medida não exclui que o agressor seja punido e tenha de pagar por seus atos, mas vai além, desnaturalizando a ideia de que homens e mulheres são diferentes. 

O juiz catarinense ainda sonha com um Judiciário cada vez mais justo para a construção de um mundo em que as mulheres não precisem se “encaixar” nos padrões de comportamento exigidos para serem respeitadas, mas que possam “caber” do jeito que elas em todas as suas relações pessoais e profissionais. 

Alexandre Karazawa Takaschima é juiz da 4.ª Vara Cível da Comarca de Lages (SC) – Foto: G.Dettmar/Ag. CNJ

Takaschima, no entanto, ressalta que existem muitas possibilidades de avanço no âmbito das relações de trabalho no Poder Judiciário. “É fundamental que servidores, magistrados e colaboradores tenham espaços seguros para conversar sobre a temática de gênero e violências, para reflexão e autoconhecimento. Não existe uma única forma de sermos homens. Além disso, podemos compreender as diversas formas de violências física, moral, sexual, patrimonial, psicológica”, disse.  

A nova forma de pensar e de se relacionar com o mundo incluiu um processo de transformação pessoal que foi impressa na atuação de Takaschima como magistrado. “O (re)pensar a minha masculinidade é algo difícil e constante. Entendo, agora, que não basta não ser machista. É preciso ser antimachista, pois a minha omissão no enfrentamento das violências de gênero fortalece a manutenção desse sistema que me privilegia simplesmente por ser homem”, enfatizou. 

 

 

 

Desconstrução 

O processo de desconstrução da masculinidade torna-se um desafio ainda maior para os homens que já cometeram atos de violências contra mulheres, muitas vezes a própria companheira. Coordenador do Programa Ágora, que promove Grupos Reflexivos para Homens Autores de Violência no TJSC, o doutor em Psicologia e professor Adriano Beiras explica que os homens, ao começar a frequentar os grupos reflexivos, têm um entendimento naturalizado da violência, como se fosse uma característica comum e natural masculina. “Muitas vezes, acabam não entendendo certos atos que eles fazem com as mulheres como violentos. No início, estão resistentes à compreensão ampliada da violência, do relacionamento e de gênero”, ponderou. 

Adriano Beiras, coordenador do Programa Ágora – Foto: Ascom TJSC

A percepção dos homens que integram esses grupos, que têm em média 8 a 12 sessões, é gradualmente modificada. Beiras reitera que nos debates eles têm a oportunidade de ouvir novos repertórios, compreender novos significados. O grupo, conforme esclarece o professor, vai para além do punitivo, é um amadurecimento social, uma forma de intervir na socialização masculina para que, de maneira preventiva, se possa evitar a associação tão comum da violência com a masculinidade.

De acordo com Beiras, a partir da reflexão e da responsabilização, de perguntas reflexivas, com temas disparadores e o diálogo coletivo, a desconstrução é feita. “É importante dizer que esses grupos não são educativos ou de reabilitação, são reflexivos e responsabilizantes, esse é o termo correto”, declarou.  

A campanha  

Envolver os homens na luta pelo fim da violência contra as mulheres. Esse é o objetivo da campanha Laço Branco, lançada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2001. A ação foi uma reação, um grupo de homens canadenses criou a iniciativa com o lema “jamais cometer um ato violento contra as mulheres e não fechar os olhos frente a essa violência”. A campanha, que está presente em cerca de 60 países, tem início no dia 6 de dezembro e encerra-se no dia 10 do mesmo mês, data em que se comemora a Declaração Universal dos Direitos Humanos. 

A data é uma referência ao massacre na Escola Politécnica de Montreal, no Canadá, ocorrido em 6 de dezembro de 1989. Nessa data, um homem de 25 anos invadiu uma sala de aula, mandou que os homens saíssem e matou 14 mulheres. A tragédia gerou revolta e uma onda de manifestações em que grupos masculinos saíam às ruas usando laços brancos como símbolo de paz e do compromisso de não cometer nem fechar os olhos a violência contra as mulheres.  

Texto: Ana Moura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias 

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