Laboratório de Inovação do CNJ desenvolve guia de política para pessoas em situação de rua

Você está visualizando atualmente Laboratório de Inovação do CNJ desenvolve guia de política para pessoas em situação de rua
O ministro Luiz Fux agradeceu a participação dos representantes de várias entidades civis e órgãos públicos na oficina realizada na sede do CNJ. Foto: Gil Ferreira/CNJ
Compartilhe

As orientações e recomendações de como os tribunais poderão implementar a Política Nacional de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas Interseccionalidades serão reunidas em um material desenvolvido de forma colaborativa pelo Laboratório de Inovação, Inteligência e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (LIODS) do Judiciário, coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com a participação de tribunais, representantes da sociedade civil e de universidades. O resultado será apresentado durante o “Webinário Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades”, que será realizado no dia 11 de novembro, com transmissão pelo canal do CNJ no YouTube.

Saiba mais sobre o webinário

A oficina Design Sprint RUAS, de desenvolvimento do Manual de Implantação, aconteceu de forma virtual entre os dias 3 e 8 de novembro e está sendo realizada de maneira presencial na terça-feira (9/11), na sede do CNJ, e nesta quarta-feira (10/11), no TJDFT. O guia vai reunir um protocolo de orientações referentes ao fluxo permanente de acesso à Justiça para pessoas em situação de rua, o fluxo do serviço itinerante para atender a este público e a capacitação necessária para adotar as diretrizes da Resolução CNJ n. 425/2021, que define e institui, no âmbito do Poder Judiciário, a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades.

Na etapa presencial na sede do CNJ, o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, agradeceu a participação dos representantes de várias entidades civis e órgãos públicos na oficina. Ele destacou o crescimento da desigualdade social e disse que o Judiciário é um ator ativo na ajuda humanitária. “Estamos trabalhando de forma conjunta e colaborativa diante da crescente necessidade social imposta ao nosso país. A Constituição Federal prevê o direito à moradia e à dignidade da pessoa humana. Nosso intuito é contribuir para que todos tenham acesso a seus direitos”, disse.

O trabalho colaborativo também foi ressaltado pela presidente da Comissão Permanente de Democratização dos Serviços Judiciários do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Comissão Permanente dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030, conselheira Flávia Pessoa. Ela lembrou que a Resolução CNJ 425 foi feita a várias mãos e sua implementação segue o mesmo modelo. “A temática é muito relevante e a cada dia nosso país enfrenta um aumento da situação de pobreza extrema, razão pela qual urge que as instituições públicas e a sociedade civil se movimentem no sentido de assegurar a esse público o mais amplo possível acesso à Justiça.”

Rede colaborativa

Para a coordenadora-geral da oficina, a juíza federal Luciana Ortiz, a resolução do CNJ é um marco e motiva o olhar para as pessoas, especialmente no momento de crise humanitária social atual. “Estamos nos deparando com novos desafios, uma vez que tem aumentado o número de famílias em situação de rua. A atuação conjunta do Judiciário e sua rede colaborativa pode incentivar e contribuir para que essas pessoas tenham a capacidade de reorganizar a vida”, afirmou.

A metodologia do Design Sprint foi escolhida por ser própria para a implantação de projetos. Em cinco dias, os participantes devem responder questões críticas por meio de design, prototipagem e testagem de ideias. “Criamos trilhas de implementação, que atendessem a três fluxos importantes: acesso à Justiça, itinerância e capacitação. Com a participação de especialistas em cada uma das mesas de discussão, levantamos propostas para concretizar os preceitos da Resolução CNJ 425/2021”, explicou Luciana.

A ideia é oferecer recomendações de como os tribunais podem implementar a política de acordo com a realidade local. “O foco principal é que sejam criadas redes colaborativas, parcerias, para que o acesso seja concretizado e essa população seja atendida de forma efetiva, humanizada e célere”, explicou a juíza. Para isso, estão sendo mapeadas pontes interinstitucionais para atender essa população com um trabalho itinerante, quer seja no local de vivência, quer seja junto a organizações não-governamentais, Defensoria Pública ou outros espaços onde esse público possa ser encontrado.

Quanto ao fluxo da Justiça, os participantes enfrentam desafios para dar seguimento aos processos. Aí entra a proatividade do Judiciário para a obtenção de documentos, como comprovante de residência e identificação civil, especialmente pelo acesso a bancos de dados – como as informações de cartórios e eleitorais, por exemplo. “O fluxo para o acesso à Justiça tem que ser muito rápido. Essas pessoas não podem esperar pelo resultado em um fluxo normal da Justiça”, ressaltou Luciana Ortiz.

Quanto à capacitação, a juíza ressaltou a necessidade do atendimento humanizado nas dependências da Justiça. “As portas têm que estar abertas, não se pode barrar uma pessoa em razão de higiene, vestimenta ou mesmo pela falta de documentos”. Para tanto, a mudança cultural vai desde o magistrado até o segurança do prédio. Além disso, é preciso adaptar o ambiente para guardar os objetos e até mesmo os animais que acompanham essas pessoas. “Muitas pessoas em situação de rua fazem dos animais de estimação a sua família e deixam de acessar locais se não puderem ter a certeza da segurança de seus animais”, lembrou.

Mesas de discussão

Na mesa de discussão sobre a Capacitação, representantes do sistema de Justiça, sociedade civil e academia debateram as formas de humanizar esse atendimento. De acordo com o definidor da mesa e um dos coordenadores da oficina, o cientista social e membro do Laboratório Ateliê de inovação do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), Ébio Machado, o desafio é pensar de forma holística e completa. “Nossa proposta não é fazer um curso sobre a política, mas pensar como cada Escola Judicial precisa desenvolver conteúdos, na sua liberdade de plano pedagógico, para realizar as capacitações sobre a política e sobre a comunidade, o ecossistema que envolve a elaboração da política”.

Sobre o fluxo itinerante, a defensora pública da União Camila Pereto trouxe a experiência do Programa Ruas, trabalho realizado em São Paulo junto a uma missão franciscana, da Igreja Católica, que oferece alimentação para as pessoas em situação de rua. Nessas oportunidades, a DPU, junto com o juizado especial, atua para encontrar processos previdenciários, saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e, mais recentemente, dos recursos do auxílio emergencial dessas pessoas, entre outros. “A população de rua não acessa o prédio público, quer por barreira documental ou de preconceito. Então, fomos oferecer o atendimento jurídico no local onde estavam. Descobrimos as demandas mais comuns dessa população e conseguimos, com o juizado especial, um atendimento mais célere dessas questões”.

Quanto às discussões sobre o fluxo permanente de acesso à Justiça, para o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 20º Região (TRT20), Thenisson Santana Doria, é preciso ter um atendimento humanizado, desburocratizado, por meio de capacitação prévia para que o atendimento seja desprovido de qualquer preconceito e discriminação. A ideia é que sejam criadas redes para que os dados de identificação sejam obtidos em cartórios ou sistemas de dados que detenham a identificação, utilizando-se uma identificação própria para o processo judicial, para que haja uma celeridade maior tanto no andamento, quanto na efetividade da decisão judicial. Para ele, a atuação do CNJ, preocupado com os Direitos Humanos, com a dignidade da pessoa humana, atende à urgência do momento, cuidando da população mais vulnerável e todas suas diversidades. “Esperamos que os protótipos que estão sendo construídos possam ser utilizados pelo Poder Judiciário, identificando qual o caminho tomar para possibilitar a efetividade dessa resolução e que essas diretrizes não fiquem só no papel e venham para o mundo real”.

Para o professor de mestrado em Direitos Humanos da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Gustavo Borges, a Academia tem contribuído justamente para dar profundidade na abordagem, com aporte de conhecimentos, dados e boas práticas nacionais e internacionais na construção do projeto. “Trazemos uma visão crítica para a montagem de fluxos, ajudando o Judiciário a construir formas de prestar o acesso à justiça de forma humanizada. Os Direitos Humanos são uma constante no processo de lutas e essa é uma visão que foi abraçada pelo Poder Judiciário e deve ser valorizada. A partir das vivências e práticas trazidas pela Academia, somada ao diálogo com os movimentos sociais e o sistema de Justiça, podemos criar um fluxo que vai beneficiar muitas pessoas e essa parceria nos motiva a continuar evoluindo”, afirmou.

Lenir Camimura
Agência CNJ de Notícias

Macrodesafio - Garantia dos direitos fundamentais