Joaquim Falcão*
A lei nada mais é do que uma pretensão. A pretensão de que os cidadãos, empresas e entidades se comportem de uma determinada maneira. Paguem impostos de uma determinada maneira e numa certa quantia, construam suas casas segundo determinadas regras, façam seus negócios através de determinados contratos, e por aí vamos.
Como toda pretensão, ela pode ou não se realizar. Quando não se realiza, o Brasil está seguindo dois caminhos. Ou se convive com a ilegalidade ao lado de sua porta – contrapartida da impunidade, o que está crescendo assustadoramente -, ou se tenta aumentar a repressão policial e judicial, o que está crescendo também. O problema é que essa repressão policial ou judicial é individualizada. Não se podem reprimir multidões. É física e legalmente impossível. Não se podem reprimir milhões de trabalhadores informais. Haja ver a questão da imigração nos Estados Unidos. Igualzinho. O resultado é ou a convivência com a ilegalidade ou uma justiça por amostragem. O que é insuficiente para consolidar e expandir um Estado Democrático de Direito.
Todo grande problema parece ter uma grande solução. Certo? Não. Errado. Todo grande problema em geral resulta da interligação de vários pequenos problemas. É um problema complexo. E, como tal, não exige apenas uma solução, mas um conjunto de soluções que se interligam também. Ou seja, há vários outros caminhos que o Brasil poderia também praticar. Focando, por exemplo, na correção ou mudança de legislação.
Em vários países da Europa, por exemplo, o próprio Poder Legislativo utiliza técnicas de avaliação ex post da efetividade e da eficiência da legislação, isto é, métodos de análise das repercussões jurídicas e sociais das leis em vigor, a fim de detectar necessidades de ajustes e mudanças. Na Alemanha, as avaliações legislativas ex post estão previstas nos regimentos internos dos respectivos parlamentos, incluindo métodos como check list, simulações, testes e leis experimentais.
Em Portugal, o Gabinete de Política Legislativa e Planejamento formulou um regime de processo civil experimental a ser adotado em apenas alguns tribunais. Somente se der certo, se expande para outros. Um saber de experiência feita, diria Luiz de Camões. Na França, há exemplos de leis experimentais também no Direito trabalhista.
Faz sentido essa idéia de lei como experimento e correção. Não somente porque, se a realidade socioeconômica muda, a lei tem que mudar também, mas porque, estatisticamente, é muito difícil acertar uma lei logo da primeira vez. E quando falo de leis, incluo as normas administrativas também. São milhares feitas anualmente em todo o país: normas fiscais, normas previdenciárias, normas urbanísticas, normas sanitárias, normas ecológicas e outras tantas mais.
Fazer leis irrealistas com baixa probabilidade de efetividade, como gosta de dizer Nelson Jobim, por melhores que sejam os motivos, acaba por sobrecarregar a tarefa da polícia e da justiça, tornando-as humanamente impossíveis. Longe de um sucesso absoluto. O país fica exausto e desesperançado. A legalidade nunca se instala plenamente.
(*) Joaquim Falcão é diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (RJ) e membro do Conselho Nacional de Justiça
Artigo publicado em 23 de agosto de 2007